quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O Pensamento Único


Alberto Gonçalves - Revista Sábado

Há dias, a dona Catarina do BE afirmou a um diário que, face à dívida, só nos resta a "negociação unilateral". O conceito tem a pertinência de, digamos, um matrimónio individual, no qual o noivo vai à conservatória e a noiva nem o conhece. Mesmo assim, a dona Catarina não se riu, os jornalistas que a entrevistaram não se riram e Portugal não sucumbiu a uma epidemia de gargalhadas idêntica à de Tanganyika. Na nossa exótica vida pública, certas criaturas e certas "ideias", alucinadas que sejam, adquiriram o curioso direito de ser levadas a sério.
Lembrei-me deste episódio quando, anos depois, voltei a concordar com um artigo de José Pacheco Pereira (Uma comunicação social cada vez menos plural, no Público). Não concordei com o artigo inteiro, nem sequer com metade. A bem dizer, não concordei com quase nada, excepto com o pedacinho em que JPP reclama "uma comunicação social menos enfeudada ao poder do ‘pensamento único’, que não condicione pela agenda, pelo tratamento de títulos e notícias, pela duplicidade política do que entende ‘grave’ ou venial e que, acima de tudo, actue num sentido único da vulgata que passa nos nossos dias por ser a ‘realidade’".
Para encontrar uma amostra destas patentes desgraças, basta ver A Quadratura do Círculo, programa televisivo em que – ai a coincidência – JPP e dois confrades "debatem" a "actualidade". Há muito que, na maioria das emissões, a "actualidade" se resume ao líder da oposição, e o "debate" consiste em matá-lo, esfolá-lo e, mal JPP toma a palavra, em triturá-lo com esmero. Se A Quadratura mandasse, Pedro Passos Coelho demitia-se semana sim, semana sim, empanado em alcatrão e penas. De caminho, e ainda que empurre jovialmente o País para nova bancarrota, o chefe do Governo – e antigo membro daquela confraria – escapa incólume ou medalhado pelas suas proezas. Misteriosamente, o "pensamento único" de que JPP se queixa é o da "direita".
Não caio na infantilidade de recorrer ao argumento exactamente oposto. Nas televisões e nos jornais, sobram, por enquanto, alguns lugares onde a "direita" (leia-se tudo o que não se desfaz em mesuras perante a oligarquia) consegue aliviar-se de duas ou três opiniões. O quadro geral, porém, é de uma humilhante submissão ao poder vigente e às respectivas simpatias. No fundo, cerca de 87% do espaço "mediático" (desculpem) disponível serve para desancar em Pedro Passos Coelho e bajular os abundantes inimigos dele. Ocasionalmente, para desenjoar, bate-se em alvos acessórios e que com retorcida habilidade lá se arranja forma de associar ao presidente do PSD: a "troika", o sr. Trump, o "neoliberalismo", o "nacionalismo", a "globalização", os lucros da banca, as perdas da banca, etc. O facto de não haver aqui vestígio de coerência, ou de vergonha na cara, não prejudica a estratégia. A acreditar nas sondagens, favorece-a.
Moral da história? Não existe. Existe uma evidência: a vulgata omnipresente é aquilo que JPP, aí por 2011 e razões que não comento, desatou a defender. E a realidade, sem aspas, é o que nos cairá em cima não tarda. Previsivelmente, como de costume, os autores da farsa sairão dela entre risos. Nós já não iremos a tempo.

O BOM
1 kextão de cãoçuantes
Por não gostar do princípio nem do resultado, não uso o acordo ortográfico. Mas uma petição contra o dito vem lembrar que este não é o principal problema. Subscrita por dezenas de figuras públicas ou convencidas disso, a petição mistura quem escreve em português de gente, quem escreve em português sofrível e quem tortura o português com requintes. Donde a futilidade da empreitada: lutar pela sobrevivência do "c" mudo quando a frase à volta já morreu há muito é como salvar o tapete de um carro em chamas. Por bonito que seja, não vale o esforço.

O MAU
Selfie-made man
É falso que, na entrevista à SIC, o prof. Marcelo se tenha limitado a elogiar o Governo. Também dedicou elogios ao primeiro-ministro oficioso: ele próprio. De resto, provou-se que o homem é mesmo o Presidente de todos os portugueses – de todos os portugueses que acreditam no arranjinho que manda nisto, que beneficiam dolosamente do arranjinho e que detestam Pedro Passos Coelho por julgá-lo o último obstáculo à impunidade do arranjinho. O País "descrispado" (sic) do prof. Marcelo é imaginário. Por azar, os portugueses são reais.

O VILÃO
Marchas populistas
Contar os participantes na posse do sr. Trump é escusado. Importa é contar os participantes nos protestos contra o sr. Trump, perdão, em prol das senhoras. E apurar quantos possuem no currículo o respeito pela liberdade. Muito poucos, com certeza. Do que vi, admitindo excepções, a coisa oscilava entre taradinhos das "conspirações", leninistas encartados e gente que nunca se maçou com o suplício das mulheres sob o islão. Têm piada? Alguma, perdida quando se nota que, apesar da ameaça que o sr. Trump representa, há perigos bem maiores.

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