quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A "geringonça", a dívida e a austeridade

MÁRIO LOPES – jornal Público

A política de devolução de rendimentos em curso só seria sustentável no tempo se se baseasse nos nossos próprios recursos, na criação de riqueza através de investimento, em finanças públicas equilibradas e dívida a diminuir e não em dinheiro emprestado e mais dívida.

No Congresso do PCP ouvimos as críticas conhecidas às anteriores políticas de austeridade do Governo Passos Coelho e os elogios à devolução de rendimentos efectuadas pelo actual Governo sob pressão do PCP. Ouvimos também as críticas recorrentes à União Europeia (UE) e a defesa da necessidade de nos libertarmos dos espartilhos que a UE nos impõe, nomeadamente por não nos permitir aumentar o deficit e a dívida à nossa vontade, pois sem estas restrições teríamos mais recursos para aumentar salários e pensões.
O discurso político do BE, nestas questões, é igual. Tudo isto é completamente surrealista: a causa da austeridade imposta ao país em 2011 foi o déficit e a dimensão da dívida. Esta atingiu dimensões tais que os nossos credores internacionais foram perdendo a confiança na capacidade e vontade do nosso país honrar os seus compromissos financeiros, tornando arriscado emprestar dinheiro a Portugal. Para compensar esse risco, os juros dos empréstimos a Portugal foram subindo, até que em 2010 e 2011 atingiram níveis incomportáveis.
Isto é fácil de compreender por qualquer pessoa e não tem nada a ver com as opções políticas de cada um: basta perguntar aos eleitores do PCP e do BE se gostariam de emprestar as suas poupanças a alguém que soubessem à priori que não tenciona pagar. Certamente que não, ou seja, reagiriam como os mercados que tanto criticam. Em consequência chegámos à situação em que o Estado estava prestes a não ter capacidade para cumprir os seus compromissos e ter de deixar de pagar dívidas, ou salários de funcionários públicos, ou ambos.

Para evitar isso foi necessário chamar a troika, para nos emprestar dinheiro em condições melhores do que as poderíamos conseguir por nós próprios. Obviamente a troika não queria ajudar-nos a continuar a gastar mais do que produzíamos, mas ajudar-nos a vencer a fase de transição para uma situação de contas públicas equilibradas, o que aceitámos. Assim tivemos de passar a gastar menos: daí a austeridade que se seguiu.
Por isso o discurso do PCP e do BE é surrealista: defendem o aumento da dívida, ou seja, as causas da austeridade, e simultaneamente protestam contra as consequências. E que alternativa propõem? Que deixemos unilateralmente de pagar a dívida e os respectivos juros, o que segundo dizem, iria libertar recursos para outros fins melhores. A realidade seria exactamente o contrário. A seguir ninguém mais emprestaria dinheiro ao Estado português e a empresas portuguesas. Como a economia vive a crédito, muitas empresas faliriam rapidamente.
A provável falência dos bancos, poderia agravar a situação, porque os meios de pagamento deixariam de funcionar. A saída do euro seria inevitável, e o euro seria substituído por um escudo novo quase sem valor. Compreende-se a aposta em mais endividamento sabendo, desde sempre, que o PCP defende a saída do euro: eis o objectivo desta política de endividamento (além de distribuir benesses para ganhar votos). Recorde-se que o dinheiro é apenas uma forma de trocar riqueza, em si mesmo não serve para nada. Pode-se jantar com uma nota de 20 euros, mas não se come a nota. Ou seja, o valor do dinheiro depende do que se pode comprar com ele.
Como o país produziria cada vez menos riqueza e o Governo imprimiria cada vez mais dinheiro para suportar os seus gastos, o valor do dinheiro reduzir-se-ia por via de uma inflação galopante e desvalorização da moeda. Na bancarrota da Argentina há uma década e meia, o peso argentino desvalorizou-se 75% numa noite. Ou seja, o não pagamento da dívida faria com que o poder de compra dos salários, das pensões e poupanças caísse a pique. Os recursos realmente disponíveis para as políticas sociais (escola pública e Serviço Nacional de Saúde, por exemplo) reduzir-se-iam brutalmente e com isso a reduzir-se-ia fortemente a qualidade dos serviços públicos, que é um factor fundamental de justiça social. Não há política pior para os trabalhadores e as classes mais desfavorecidas.
Um argumento que se usou no Congresso do PCP para justificar o não pagamento da dívida foi que a dívida nos foi imposta. Mas quem é que nos impôs a dívida? Alguém obrigou o Estado português a pedir dinheiro emprestado? Alguma vez a troika invadiu o nosso país com soldados e tanques para obrigar o Governo português a pedir dinheiro emprestado? Sabemos que o resgate dos Bancos contribuiu para aumentar a dívida, mas a imensa maioria da dívida resultou das políticas de deficits elevados e outras despesas não contabilizadas no deficit. Recorde-se que a existência de deficit significa que o Estado gasta mais do que as respectivas receitas e para isso precisa de dinheiro emprestado, aumentando a dívida. E quem foram os partidos que mais defenderam essas políticas? O PCP, o BE e em grande parte o PS. Ou seja, se a dívida foi imposta ao povo português, foi pelos banqueiros desonestos e pelos partidos da geringonça.
A política de devolução de rendimentos em curso só seria sustentável no tempo se se baseasse nos nossos próprios recursos, ou seja, na criação de riqueza através de investimento, em finanças públicas equilibradas e dívida a diminuir (o que se poderia conseguir com um aumento grande da riqueza produzida, o que não está a acontecer), e não em dinheiro emprestado e mais dívida. Assim a “festa” da geringonça só dura enquanto do exterior nos emprestarem dinheiro com juros baixos. Quando a “festa” acabar perderemos tudo o que recebemos no último ano e muito mais.



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