quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Valha-nos Deus!


À esquerda e à direita - com honrosas exceções - há um grande consenso a favor da nacionalização do Novo Banco.

José António Saraiva - Jornal SOL
jose.a.saraiva@newsplex.pt

Assis sugere eleições antecipadas 

Nesta questão há duas vertentes.
Uma é a vertente ideológica.
Se já é questionável o facto de o Estado ter um banco - que navega muitas vezes ao sabor dos interesses dos partidos que dominam o Governo -, será aceitável o Estado (mesmo temporariamente) ter dois bancos?
Não será mais um local para colocar os boys e um saco azul para financiar os amigos?
A outra é a vertente financeira.
Ora, está bem fresca na memória de todos a tragédia que foi a nacionalização do BPN, com consequências terríveis para os contribuintes.
O Estado enterrou nele muitos milhares de milhões de euros - nem se sabe bem quantos - e acabou por vendê-lo a custo zero (ou abaixo de zero).
Foi um buraco colossal.
Depois deste caso, como pode falar-se da ‘nacionalização do Novo Banco’?
Estão a brincar connosco?
Uma experiência falhada não chega?
Acresce que o Novo Banco tem muitos rabos-de-palha, que podem arrastar-se indefinidamente no tempo, sendo um risco enorme para o Estado assumir a sua propriedade.
Para não falar nas necessidades de recapitalização, que levantam problemas bicudos em face da legislação europeia.
Uma coisa parece óbvia: se os privados não dão muito por ele, é porque não é grande aposta; vai o Estado meter-se em mais um negócio duvidoso?
Mas há mais. Ainda está por resolver o imbróglio da Caixa Geral de Depósitos.
O Governo quis a CGD 100% pública, mas não conseguiu solucionar o problema mais básico que é arranjar uma administração.
A CGD está há um ano sem administração efetiva!
Além de que a sua gestão não tem sido propriamente um modelo, estando neste momento o banco cheio de buracos.
Agora precisa de 5 mil milhões de euros - para iniciar um novo ciclo que, possivelmente, acabará daqui a meia dúzia de anos com a necessidade de outros 5 mil milhões.
Com este caso de ‘gestão exemplar’, para que quer o Estado mais um banco?
Para ter mais um sumidouro de dinheiro?
No tempo de Pedro Passos Coelho, pensei que íamos entrar no caminho certo: um Estado mais pequeno, mais leve, com menos risco, menos despesa, menos gente, permitindo que os cidadãos e as empresas fossem gradualmente aliviados de impostos.
Chegou a falar-se na privatização da RTP, que seria um sinal saudável de que o Governo não desejava condicionar os media.
Mas com a ‘geringonça’ voltámos ao passado: ao caminho triunfal de termos um Estado gordo, pesado, intervencionista, com mais gente e mais despesa.
Aquilo que já estava privatizado (como a TAP) foi outra vez nacionalizado, os tribunais que tinham fechado voltaram a abrir, alguns funcionários públicos que estavam na porta de saída foram reintegrados, etc.
E agora quer-se a nacionalização do Novo Banco!
Se ainda fosse só a esquerda a defendê-la, ainda vá que não vá.
O mais intrigante é haver também gente da direita a advogar esse caminho.
Argumentam com o exemplo do Lloyds, que foi recuperado com sucesso pelo Estado britânico (com o português Horta-Osório na presidência).
Mas poderá comparar-se Portugal com  o Reino Unido?
O rigor e a isenção que os anglo-saxónicos colocam nestes processos terão alguma coisa a ver com os nossos hábitos trapalhões?
Algum banco português foi recuperado com sucesso?
Uma característica das pessoas inteligentes é aprenderem com os erros dos outros, evitando repeti-los; ora, nós nem conseguimos aprender com os nossos próprios erros.
As nossas elites não prestam.
Não aprendem, por mais que a realidade lhes entre pelos olhos dentro.
Não é uma questão de pessoas: é uma questão de ambiente, de caldo de cultura.
Se o Novo Banco for nacionalizado, vai ser mais um palco de lutas partidárias, de financiamentos duvidosos ou ruinosos, de colocação de boys.
E os contribuintes continuarão a pagar a fatura.
Valha-nos Deus, pois com esta elite nunca chegaremos a lado nenhum.

P.S. 1 - O ex-ministro das Finanças Campos e Cunha fez uma afirmação gravíssima, que só por si fragiliza enormemente os que defendem a banca pública: disse que Sócrates insistiu com ele para que demitisse Vítor Martins da CGD, substituindo-o por Santos Ferreira e Armando Vara. Sócrates veio desmentir esta versão, mas os factos não o ajudam: na verdade, logo que Campos e Cunha saiu, a administração da Caixa  mudou. Agora, se o Novo Banco for nacionalizado, poderemos ter Mariana Mortágua e João Galamba como administradores...

P.S. 2 - Sobre este mesmo tema, o sucessor de Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, fez declarações lamentáveis na Comissão de Inquérito à CGD. Parecia Zeinal Bava a dizer que não se lembrava de nada...

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