BARROSO da FONTE |
A sociedade exige clareza, respeito e rigor.
Se esta trilogia não existir, a sociedade não funciona. Soube-se que dois
juízes do Tribunal Constitucional que vão avaliar os gestores da CGD, não
cumpriram a mesma lei. Eticamente é um paradoxo, é reprovável e tem sido este
vício um avolumar de situações anómalas.
Há 42 anos deu-se um golpe de Estado em
Portugal sob a alegação de que desde há 48 anos era invivível o clima reinante.
Tudo e todos se renderam a essa regra de ouro.
Nestes 42 anos apenas se trocou a pobreza
cambial pelos fundos comunitários. Trocou-se a falta de liberdade pela
libertinagem, a segurança pela instabilidade social, a agricultura pelo
desemprego campesino, a terra arável pelas urzes e silvados, os produtos
ecológicos pelos químicos enlatados e insípidos, as fábricas de têxteis em
laboração plena, pelos prédios em ruínas, enfim, só a liberdade triunfou, dando
para tudo até para enlamear classes essenciais como são as Forças Armadas.
Pretendo dar o meu testemunho de jornalista e
de militar, embora de curta duração, porque fui miliciano. De ambas as
condições me orgulho.
Como jornalista
honro-me muito, pela insistência em dar voz às gentes da minha Terra e da minha
geração. Fiz militância desta arma de combate permanente. Cedo me envolvi. E,
sem obter proventos de qualquer natureza, repercuti a voz do meu Povo, sabendo
que corria o risco de somar adversários
e até alguns inimigos, não nesse povo, mas entre alguns bem instalados de todos
os sítios, condições e idades.
Como militar não pude furtar-me, como alguns
fizeram, porque não nasci em berço de ouro, nem tive pais influentes, como
alguns que, antes e depois, serviram o regime, dele se valeram, e, ziguezagueando para a adaptação, vivem hoje como nababos, não merecendo o pão
que comem.
Muitos milhares de
jovens da minha geração, não fomos voluntários para a vida militar. Fomos todos
convocados para servir a Pátria, sob o duro regime militar que era ministrado
pelos profissionais das armas. Esses escolheram a profissão. E, enquanto a
guerra do Ultramar durou, sempre tiveram, nos soldados e nos milicianos
(sargentos e oficiais) os seus mais
submissos colaboradores. Só quando esses profissionais já não bastavam para
ocupar todos os comandos, o poder político, entendeu convidar alguns
milicianos, voluntários, à medida em que regressavam da guerra, com experiência
e saber, para ocuparem, nessas falhas, comandos profissionais. Estes deram
conta de que os milicianos iriam
estragar-lhes a carreira. E gizaram o golpe militar. Foi esse o motivo mais
forte e o rastilho certeiro do 25 de Abril.
Apesar desta traição unilateral, quer os
milicianos quer os profissionais da guerra, sempre foram solidários com a
necessidade de haver forças armadas fortes, bem preparadas e solidárias para
defenderem a Pátria. O elo mais forte, nessa altura, foram os capitães porque
estavam organizados e detinham as armas e poder militar. Os milicianos estavam
desarmados e desorganizados. Acabaram por sofrer injúrias, prejuízos
profissionais e morais. Em função do superior interesse nacional não reagiram.
Perdoaram mas não esquecem esse revivalismo de classe.
Hoje voltamos a estar solidários com eles
porque as Forças Armadas fazem falta para qualquer imprevisto. Entretanto
acabou o serviço militar obrigatório. Hoje apenas servem nas fileiras das FA os
voluntários. Têm que sujeitar-se à disciplina, aos contratempos e à dureza da
preparação física. Quem escolhe as
Operações Especiais (ranger's),
Comandos, Fusos e Paraquedistas, sabe que a morte espreita em qualquer
exercício, de noite ou de dia, ao domingo como à semana. Em Portugal não há
temperaturas tão altas como houve, ao longo de 13 anos na Guiné, Cabo Verde,
Angola, Moçambique ou Timor.
O preciosismo da forma como foi dada a notícia
da prisão de sete militares, envergonhou a classe e todos aqueles que, mesmo
contra a sua vontade, combateram no Ultramar. Nela morreram 9 mil militares.
Nunca as carpideiras profissionais ficaram tão furiosas, nem a Justiça, alguma
vez, deu tão ruidoso espetáculo como nestes dias de Novembro.
Pessoalmente tenho moral para erguer a voz.
Fui Ranger no 3º curso, em Lamego. Fui obrigado, após o COM. Fizemos o percurso
fantasma, da mata dos Remédios para a cidade. Furámos pelo saneamento
urbano. As 72 horas de resistência, sem
comer nem beber, sempre pelas serras do Poio, de Castro Daire, de Moimenta da
Beira. Naufraguei, com mais sete, numa operação
no Rio Douro (na noite de 21 para 22 de Novembro de 1964). O pneumático que era de 4 mas levava 8, afundou. Boiámos 5 km desde as
Caldas de Aregos até Portuzelo. Ainda não existia a barragem que hoje é
navegável. Faz agora 52 anos! O corpo do cabo miliciano Dutra, dos Açores, só
33 dias depois apareceu, irreconhecível. O Velez, o Lopes, o Neto e eu próprio,
(meus pares de infortúnio), presos ao pneumático, naquela noite cerrada e
gélida, desde as Caldas de Aregos até Portuzelo, nunca mais nos vimos. Nem
televisões, nem rádios, nem justiça... e muito menos os dois oficiais
instrutores: Alferes Morais e Fonseca (do quadro), insensíveis à nossa
resistência, foram punidos. O comandante, afirmou no encerramento do curso que
«foi pena aquele acidente mas que servia para dar mais realismo ao Curso». A
algazarra que por aí se fez, contrasta com o desprezo a que votaram a minha
geração. Só berra quem tem que se lhe diga. E até para morrer é preciso ter
sorte!
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