quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Se não querem comandos vivos, treinem espantalhos


BARROSO da FONTE
 A sociedade exige clareza, respeito e rigor. Se esta trilogia não existir, a sociedade não funciona. Soube-se que dois juízes do Tribunal Constitucional que vão avaliar os gestores da CGD, não cumpriram a mesma lei. Eticamente é um paradoxo, é reprovável e tem sido este vício um avolumar de situações anómalas.
Há 42 anos deu-se um golpe de Estado em Portugal sob a alegação de que desde há 48 anos era invivível o clima reinante. Tudo e todos se renderam a essa regra de ouro.
  Nestes 42 anos apenas se trocou a pobreza cambial pelos fundos comunitários. Trocou-se a falta de liberdade pela libertinagem, a segurança pela instabilidade social, a agricultura pelo desemprego campesino, a terra arável pelas urzes e silvados, os produtos ecológicos pelos químicos enlatados e insípidos, as fábricas de têxteis em laboração plena, pelos prédios em ruínas, enfim, só a liberdade triunfou, dando para tudo até para enlamear classes essenciais como são as Forças Armadas.
 Pretendo dar o meu testemunho de jornalista e de militar, embora de curta duração, porque fui miliciano. De ambas as condições me orgulho.
Como jornalista honro-me muito, pela insistência em dar voz às gentes da minha Terra e da minha geração. Fiz militância desta arma de combate permanente. Cedo me envolvi. E, sem obter proventos de qualquer natureza, repercuti a voz do meu Povo, sabendo que corria o risco de somar  adversários e até alguns inimigos, não nesse povo, mas entre alguns bem instalados de todos os sítios, condições e idades.
  Como militar não pude furtar-me, como alguns fizeram, porque não nasci em berço de ouro, nem tive pais influentes, como alguns que, antes e depois, serviram o regime, dele se valeram, e,  ziguezagueando para a adaptação,  vivem hoje como nababos, não merecendo o pão que comem.
Muitos milhares de jovens da minha geração, não fomos voluntários para a vida militar. Fomos todos convocados para servir a Pátria, sob o duro regime militar que era ministrado pelos profissionais das armas. Esses escolheram a profissão. E, enquanto a guerra do Ultramar durou, sempre tiveram, nos soldados e nos milicianos (sargentos e oficiais) os seus  mais submissos colaboradores. Só quando esses profissionais já não bastavam para ocupar todos os comandos, o poder político, entendeu convidar alguns milicianos, voluntários, à medida em que regressavam da guerra, com experiência e saber, para ocuparem, nessas falhas, comandos profissionais. Estes deram conta de que os milicianos  iriam estragar-lhes a carreira. E gizaram o golpe militar. Foi esse o motivo mais forte e o rastilho certeiro do 25 de Abril.
  Apesar desta traição unilateral, quer os milicianos quer os profissionais da guerra, sempre foram solidários com a necessidade de haver forças armadas fortes, bem preparadas e solidárias para defenderem a Pátria. O elo mais forte, nessa altura, foram os capitães porque estavam organizados e detinham as armas e poder militar. Os milicianos estavam desarmados e desorganizados. Acabaram por sofrer injúrias, prejuízos profissionais e morais. Em função do superior interesse nacional não reagiram. Perdoaram mas não esquecem esse revivalismo de classe.
  Hoje voltamos a estar solidários com eles porque as Forças Armadas fazem falta para qualquer imprevisto. Entretanto acabou o serviço militar obrigatório. Hoje apenas servem nas fileiras das FA os voluntários. Têm que sujeitar-se à disciplina, aos contratempos e à dureza da preparação física. Quem escolhe as Operações Especiais  (ranger's), Comandos, Fusos e Paraquedistas, sabe que a morte espreita em qualquer exercício, de noite ou de dia, ao domingo como à semana. Em Portugal não há temperaturas tão altas como houve, ao longo de 13 anos na Guiné, Cabo Verde, Angola, Moçambique ou Timor.
 O preciosismo da forma como foi dada a notícia da prisão de sete militares, envergonhou a classe e todos aqueles que, mesmo contra a sua vontade, combateram no Ultramar. Nela morreram 9 mil militares. Nunca as carpideiras profissionais ficaram tão furiosas, nem a Justiça, alguma vez, deu tão ruidoso espetáculo como nestes dias de Novembro.
 Pessoalmente tenho moral para erguer a voz. Fui Ranger no 3º curso, em Lamego. Fui obrigado, após o COM. Fizemos o percurso fantasma, da mata dos Remédios para a cidade. Furámos pelo saneamento urbano.  As 72 horas de resistência, sem comer nem beber, sempre pelas serras do Poio, de Castro Daire, de Moimenta da Beira. Naufraguei, com mais sete, numa operação  no Rio Douro (na noite de 21 para 22 de Novembro de 1964).  O pneumático que era de 4  mas levava 8, afundou. Boiámos 5 km desde as Caldas de Aregos até Portuzelo. Ainda não existia a barragem que hoje é navegável. Faz agora 52 anos! O corpo do cabo miliciano Dutra, dos Açores, só 33 dias depois apareceu, irreconhecível. O Velez, o Lopes, o Neto e eu próprio, (meus pares de infortúnio), presos ao pneumático, naquela noite cerrada e gélida, desde as Caldas de Aregos até Portuzelo, nunca mais nos vimos. Nem televisões, nem rádios, nem justiça... e muito menos os dois oficiais instrutores: Alferes Morais e Fonseca (do quadro), insensíveis à nossa resistência, foram punidos. O comandante, afirmou no encerramento do curso que «foi pena aquele acidente mas que servia para dar mais realismo ao Curso». A algazarra que por aí se fez, contrasta com o desprezo a que votaram a minha geração. Só berra quem tem que se lhe diga. E até para morrer é preciso ter sorte!
                                                                              

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