BARROSO da FONTE |
A realidade de uma
comunidade como a nossa, merece as maiores preocupações das gentes locais. Quem
ali nasce, vive e morre desconhece quanto se passa para além do seu horizonte
visual. O seu mundo começa e termina onde
os seus olhos deixam de ver. Vêm apenas aquilo que a vista alcança. E, aquilo
que alcançam, limita-se aos sítios de onde se colocam para alongar a sua
própria visão. Se alguma vez subiram ao Larouco esse mundo cresceu até aos
píncaros da Sanábria, quase sempre com neve. Se não houver nevoeiro, talvez
alcancem o Vale do Lima, com a sua opulência telúrica, por onde corre, rumo ao
Atlântico, o majestoso rio Minho. Voltando-se para sul vislumbram os «Cornos
das Alturas de Barroso, a Padrela, os montes de Curral de Vacas e o Brunheiro que abriga Chaves, a nascente.
A Poente fixam o descarnado Gerês e a Mourela que abrem alas aos Rios Cávado e
Rabagão. Este foi o cenário de minha infância e de tantos como eu. E foi o
mundo de muitos, homens e mulheres que passaram vidas inteiras a repetir as
mesmas coisas, a ver as mesmas pessoas, a ouvir as mesmas desgraças. Para
alguns desses somente mudaram as palavras, as caras e alguns cenários desde que
vieram as escolas, os automóveis e as alfaias agrícolas.
Há menos de um século chegaram as escolas,
vieram os professores e fez-se luz. Para alguns mudaram os cenários. Alguns
partiram para sempre. Outros foram e voltaram. E esses que voltaram trouxeram
provas de uma vida diferente: os automóveis, as roupagens e alguns vinténs.
Foram esses que convenceram aqueles que nunca saíram, de que, afinal, existiam
outros mundos, outras serras e até o mar imenso.
Em menos de um século a vida mudou os
horizontes e as mentalidades. Mas o que é bom acaba depressa. As escolas
primárias ficaram desertas, os cantoneiros não mais se viram, os campos que
produziam de tudo aquilo que se alimenta, depressa se encheram de tojos, silvas
e ervas daninhas.
Os cemitérios que
estavam cheios de campas, encheram-se de lugares vazios, porque muitos nunca
mais voltaram.
Hoje a vida é vivida
de outra forma. As escolas, envelhecidas e decrépitas, servem de disputas
políticas para alguns, dos locais de lazer para outros e de romagem de saudade
para poucos que regressam, por instantes, para mostrar aos filhos e aos netos
os lugares da sua infância.
O republicanismo substituiu a monarquia. Foram
anos dolorosos, inseguros, paupérrimos.
Portugal tremeu e abalou as estruturas de uma
nação, que se fez aos mares e foi mais sólida lá fora do que cá dentro. Foi um
império e é hoje um palmo de terra disputada pelos que a habitam, mas gerida
pelos gananciosos que têm ideias vazias de sentido. São teóricos quando a
prática é quem mais ordena. O planeta está em convulsão apressada. A Humanidade
deu lugar à brutalidade. A razão foi
subvertida pelo posso, quero e mando.
Quase me perdi nesta viagem de retorno ao
passado. E não sou eu que devo depor armas. Somos todos nós que devemos parar
para refletir. Se a nascente e a poentes há exemplos claros de que a Humanidade
corre o risco de se desintegrar, rumo ao caos, resta à sociedade portuguesa
interrogar-se sobre se estamos a caminhar para o lado certo ou errado. E, em
função desta realidade, haja alguém que estabeleça um período de tréguas, até
que irrompa o grito do Ipiranga.
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No penúltimo fim de semana participei em duas
sessões culturais a pretexto do Castanheiro e da Castanha. Quer na Casa
Regional do Porto, quer na sua congénere de Braga, esteve gente de todos os
graus etários e de condições sociais. Muitas vezes dizem-se coisas mais
importantes em convívios gastronómicos do que em cimeiras internacionais, cujos
objetivos têm mais a ver com o mediatismo do que com o bem-estar das pessoas.
Em ambos os casos se
exaltou o papel do poder local que, nestes 40 anos, fez mais pelas terras e
pelas pessoas do que o pode central ao longo de séculos.
O castanheiro e o
seu produto serviram de tema de debate, a propósito de um livro que nesse dia
foi apresentado, da autoria do autor Transmontano Jorge Lage. Concluiu-se que
faltam técnicos especializados que desenvolvam as potencialidades telúricas do
continente e ilhas. O solo é rico, mas está virgem. Abandonou-se a agricultura
e, obviamente, os campos e tudo aquilo que eles produziam. As universidades
produzem teoria em áreas lucrativas e snobes. Mas despreza-se a investigação e
o incentivo em áreas fulcrais, como são os solos, as plantas e os frutos que
acompanham o homem desde que ele se conhece.
As duas Casas Regionais de Trás-os-Montes,
quer de Braga, quer do Porto, funcionam e podem servir para promover debates
com base na prática. Menciono estas duas mas há mais: a de Lisboa, a de
Coimbra, a de Guimarães e a de Tomar. No III Congresso Transmontano, em
Bragança ficou decidido realizar o
quarto congresso, de cinco em cinco anos. Nunca mais se falou nisso.
Para esse tipo de iniciativas não há dinheiros públicos. Mas há milhões
malbaratados em administrações fraudulentas, ruinosas e sem fim à vista.
Verdadeiramente dá Deus as nozes a quem não tem dentes. Ditado tão velho quão
verdadeiro e atualizado em Portugal.
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