1. O próximo presidente dos EUA será o
célebre pantomineiro Donald Trump, um racista que tem negros entre os seus
principais apoiantes, um xenófobo casado com uma estrangeira, um intolerante
que diz coisas simpáticas sobre as "causas" gay, um belicista que
condena intervenções militares e um sexista que conspurca a tradição
cavalheiresca que vai dos Kennedy ao sr. Clinton. A América bateu no fundo.
2. Pensando melhor, a acreditar nos
sábios da opinião televisionada e publicada, a América já batera no fundo quando
elegeu Bush filho, o simplório, Bush pai, o esbirro da CIA, e Reagan, esse
actor de terceira categoria. Excepto quando elege socialistas, a América vive a
descobrir novos fundos. Felizmente para nós, os fundos europeus têm um
significado diferente.
3. Trump, asseguram os especialistas,
representa uma América dividida. Já Hillary é a América "inclusiva"
(sic), a América que acolhe todos. Todos, excepto as dezenas de milhões de
selvagens, iletrados, campónios, desdentados, racistas, retardados, brancos,
mafarricos e membros do KKK que votaram Trump e, por isso, mereciam a forca ou
o desterro. À intolerância responde-se com o amor incondicional.
4. Muito se falou na incapacidade de os
eleitores de Trump - analfabetos alimentados a ódio, lembram-se? - aceitarem
uma derrota. Por sorte, os eleitores de Hillary têm bom perder: descontados os
insultos, as manifestações e a ocasional destruição de propriedade alheia,
aquilo é tudo gente civilizada.
5. Num ponto a "inteligência"
acertou: Trump ganhou graças ao medo - o medo que a "inteligência"
quis que os eleitores sentissem face a Trump, e a impediu de perceber o que
quer que fosse. Não fora a realidade, a "inteligência" iria longe. Na
manhã seguinte, em vez de reconhecerem o erro e mudarem de profissão, os peritos
continuaram por exemplo a prever a queda das bolsas. Enquanto as bolsas subiam
a valores inéditos. Força, rapaziada.
6. Ao contrário de Trump, Hillary
beneficiou do apoio de inúmeras celebridades. Em vão, escusado dizer. Ainda
hoje estou para perceber porque é que o eleitor americano médio não vota nos
candidatos indicados por Lady Gaga, Bruce Springsteen e aquele rapaz dos Bon
Jovi.
7. A propósito de celebridades, muitas
prometeram mudar de país caso Trump ganhasse. A preferência parece cair no
Canadá, mas houve quem referisse a Espanha, a Inglaterra e a Nova Zelândia,
cujos aeroportos já fervilham de paparazzi à espera das vedetas. Nenhuma se
mostrou desesperada a ponto de escolher Portugal.
8. A propósito de Portugal, cá como lá
os canais televisivos colocaram criaturas que não perceberam nada do que se
passou até às eleições para nos elucidarem acerca do que se vai passar a
seguir. E todas continuam a não entender que cada uma, à sua microscópica
escala, simboliza exactamente a cegueira e a arrogância que alimentaram o
sucesso de Trump.
9. Fervorosos apoiantes do governo
português, um bando de oportunistas a reboque de leninistas, guevaristas e
estalinistas, alertaram repetidamente e sem se rir para as mentiras e a
demagogia de Trump. É preciso cuidado com quem manda na América; aqui, qualquer
porcaria serve.
10. O inquilino da Câmara de Lisboa, que
ninguém elegeu, mandou pendurar pela cidade uns cartazes alusivos à vitória do
presidente eleito dos EUA. Se calhar, a coisa pretendia ter graça. Como os cartazes
estão escritos num inglês pior do que o dos rednecks de Trump e tão mau quanto
o português do antecessor na autarquia, a coisa tem graça.
11. A SIC convidou uma psicóloga para
ensinar a explicar a vitória de Trump às criancinhas (a julgar pela sensatez
das análises, a vitória de Trump tem sido até aqui explicada pelas próprias
criancinhas). A Visão publicou um editorial intitulado "Merda, merda,
merda." O popular fundador, líder e membro do falecido partido Livre
convocou um colóquio destinado a combater o trumpismo (?). Aparentemente, o
combate faz-se pela comédia involuntária.
12. O facto de haver tantos
comentadores, politólogos e analistas a garantirem que Trump é mau não garante
que Trump seja bom. O homem é avesso a Washington e à globalização e à Europa e
à NATO. O homem privilegia o "investimento" público e a
"criação" de emprego. O homem entende-se com Putin. De repente, Trump
confunde-se com um esquerdista comum. Porém, dado que irrita esquerdistas, é
possível que tenha alguma virtude.
13. Simplificando imenso, Trump ganhou
porque prestou, ou fingiu prestar, atenção à parte da população que só não é
desprezada quando a usam para protagonizar momentos de chacota. Às vezes, as
pessoas cansam-se.
14. Trump não foi o primeiro
não político a chegar à Casa Branca, mas foi o primeiro não político que não
precisou de ganhar uma guerra civil ou mundial para o conseguir. Sob certo
ponto de vista, trata-se de uma proeza. Quanto ao resto, convém esperar para
ver. A beatificação de Obama acabou por ser precoce. Talvez a demonização de
Trump também o seja. É questão de fé: tenho pouca em Trump, e nenhuma na
lucidez dos analistas.
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