Alberto Gonçalves Diário de Noticias |
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando a dívida pública aumenta 2,4
milhões apenas no mês de Junho (e oito mil milhões no primeiro semestre). Uma
pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o ministro da Economia explica que a
subida em causa "evoluiu dentro de um padrão", e que o
"importante" é que a dívida pública "cresça menos" do que a
economia e que haja "contenção" nas contas públicas. Por muito que a
"direita" troglodita se esforce por questionar o fim da austeridade,
as ponderadas palavras do governante descansam os mais aflitos, sobretudo se
considerarmos que a dívida cresce a 3% e a economia a 1%. As contas são tão
simples que só uma criança - e a "troika" PS, PCP, BE - as percebe.
Por falar em contas, a "contenção" nas ditas é uma evidência e o
"padrão" do desastre, perdão, do sucesso ninguém discute. Para citar
um grande, e falecido, estadista: as dívidas não se pagam, gerem-se. Ou, de
preferência, nem isso. O importante é que, ao contrário da "direita",
a esquerda quer o nosso bem.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando o Ministério da Educação
tenta afastar um juiz que decide contra o governo no caso dos colégios com
contrato de associação. Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando, de
brinde, o ministério espalha pela imprensa a história de que a filha do juiz
estuda num dos colégios beneficiados. O pormenor de a história ser falsa
limita-se a provar o encarniçado amor da esquerda à escola pública. O pormenor
de, suponho que pela primeira vez em 40 anos, um executivo abalroar ao pontapé
a separação de poderes prova que a esquerda é capaz de tudo para servir os
oprimidos. De qualquer maneira, o Público revelou que o referido juiz é
católico e, preparem-se, pai de seis filhos, motivos abundantes para a
exoneração sumária.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando, em prol do IMI e da
fundamental acção autárquica, o governo promete taxar o sol. Uma pessoa sabe
que o caminho é óptimo quando, sob o entusiasmo de PCP e BE, o PS informa que a
medida é de elementar "justiça social". Pelos vistos, havia para aí
uns patifes que adquiriam casa em área solarenga e julgavam que podiam escapar
impunes, a bronzear-se no terraço e a gozar com os pobres. Esses reaccionários
não contavam com a consciência igualitária da frente de esquerda, incumbida de
enxovalhar os ricos, principalmente os que gozam os mil euros mensais na
marquise iluminada.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando três secretários de Estado
(incluindo um na tutela do sector) viajam para ver a bola à custa da Galp (em
litígio com o Estado), vêem divulgado o arranjinho (talvez ilegal) e
oferecem-se para pagar a despesa do próprio bolso (que o contribuinte, aliás,
enche). Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o ministro Santos Silva se
antecipa ao Ministério Público e à lei e declara o assunto
"encerrado". O primeiro método é uma inspiração para os candidatos a
meliantes que não apreciam arriscar escalas na prisão: um tipo pode assaltar o
banco e, se for descoberto, devolve o dinheiro e vai à sua vida. O segundo
método passa pela célebre ética republicana, que inspira há décadas gerações e
gerações de valorosos patriotas de esquerda. Ainda que se torça toda, a
"direita" não alcança valores assim.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando, sobre estas proezas, o
senhor Presidente da República não diz nada. Uma pessoa sabe que o caminho é
óptimo quando o senhor Presidente da República diz imensas coisas que mais
valia não dizer.
Terça-feira,
2 de Agosto
As
cabeças e o cartaz
Um
agrupamento musical, os UHF, cancelou o espectáculo na Festa do Avante! por
considerar que o seu nome não estava suficientemente destacado na publicidade
daquilo. Extraordinário. Uma coisa é participar no evento em causa, que sempre
deve dar uns trocos e a vida está difícil. Coisa completamente diferente é
fazer questão de que a participação seja divulgada com estrondo. Se eu, por
necessidade extrema e azar, tivesse de me ver associado a uma agremiação com
tão vastos pergaminhos antidemocráticos, rezaria para que me citassem em fonte
tamanho 5 e, de preferência, com gralhas e no verso do cartaz. Pelos vistos,
não falta quem goste de tornar público um vexame assim, que aqui talvez se
confunda com prestígio.
Esclareço:
ao contrário dos comunistas, que ambicionam proibir tudo o que não se acomoda à
sua visão do mundo, nunca me passaria pela cabeça sugerir a abolição da dita
festa, ou já agora de pândegas dedicadas à memória do III Reich ou à celebração
da Inquisição Espanhola. O que me parece esquisito é a leveza, quase o orgulho,
com que pessoas crescidas, algumas alfabetizadas, colaboram no arranjo. O PCP é
um culto à opressão e às maiores barbáries dos últimos cem anos. A Festa do
Avante! é a sua principal romaria, na qual não é possível tocar (nos dois sentidos)
sem acabar sujo. Onde é que os UHF vão preencher as datas entretanto livres?
Numa homenagem a Bin Laden? Desde que os destaquem devidamente, não duvido.
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