BARROSO da FONTE |
Começo esta nota biobibliográfica sobre o Tenente General Alípio Tomé
Pinto por onde devia acabar. Desde Maio tem sido este volume de 416 páginas
o motivo que me prende à cama, antes de
adormecer e depois de acordar. Exatamente porque é das obras que tenho na minha
copiosa biblioteca daquelas que mais me
reconcilia com os 3 anos e meio que prestei ao país que tão ingrato foi para
com os burros de carga que foram os milicianos e filhos do verdadeiro povo. Na
contracapa, ao cima da página, reproduziu este militar de carreira: «E lá fui
eu para a guerra, um dos primeiros a chegar a ela, com a minha farda amarela e
uma espingarda das antigas – uma Mauser». Nessa mesma página mostra-se uma
paisagem rural com um aldeamento duriense. Legendado com esta lápide de Miguel
Torga: «Trás-os-Montes: «Terra Quente e Terra Fria. Léguas e léguas de chão
raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras
sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas».
A biografia deste verdadeiro
militar transmontano, veio reanimar-me em relação a centenas de outras, de
camaradas seus que, em cerca de 40 anos, escreveram, editaram e difundiram,
nuns casos como resposta pessoal, noutros casos por imperativo ideológico. Mas
quase todas por necessidade de ocupar o tempo e de reivindicar para si, o
mérito ou demérito que foi de todos.
Na p. 341 logo se descobre nas
fotos de família e nas legendas que valem muito mais do que mil palavras, a
desigualdade moral, profissional e cívica entre o General Tomé Pinto e outros
que passavam pela Academia, como se passa pelo santuário de Fátima ou pelo
Bairro Alto, numa excursão à capital. Com o eclodir da guerra do Ultramar,
houve maior preocupação com a quantidade do que com a qualidade. A carreira das
armas deixou de ser um deslumbramento de paradas festivas para ser uma preocupação
pessoal, familiar ou social. A qualidade deu lugar à quantidade. Os cursos
encurtaram, as promoções apressaram-se e os recrutamentos, nas escolas
militares, como na sociedade civil, alargaram o campo de ação. Os treze anos de
guerra mexeram com toda a sociedade civil. E, naturalmente, a pressa e a
necessidade, geraram dificuldades para alguns, transtornos para outros e
contratempos para muitos. Se houve «estragos» para os combatentes, os mais
lesados foram os soldados em geral e para os milicianos. E também para
muitos profissionais das armas que já
haviam cumprido os seus deveres como oficiais subalternos e se encontravam na
classe dos oficiais superiores, alguns a pensar na hierarquia de oficiais
generais, outros em fase de aposentação nos postos a que haviam ganho direito.
Como, normalmente, acontece nem
foram os soldados, nem os milicianos, nem sequer os militares mais antigos a
reivindicar. Foram aqueles que haviam escolhido a carreira das armas e que viam
perigar essa carreira que violaram o juramento e se revoltaram contra os
milicianos que apenas serviram para burros de carga daqueles que os traíram.
Nos 40 anos que decorreram cada
«capitão de Abril» já escreveu a sua história, raramente contando os factos,
mas reivindicando sempre para si, os louros da revolução. É óbvio que alguma
coisa teria de fazer-se no sentido de alterar o método de resistência. Mas
nunca por nunca deveriam ter sido os milicianos os bodes expiatórios, já que
eles foram os mais prejudicados, antes, durante e depois. Infelizmente nunca se
deu voz às maiores vítimas do golpe militar: os milicianos.
Em maio deste ano chegou ao
mercado um dos livros mais coerente, mais objetivo e mais recomendável acerca
da guerra do Ultramar. Logo a seguir ao 25 de Abril começou o mercado livreiro
a privilegiar os escaparates, com versões pessoais de heróis à pressa. O poder
político, por um lado e esses testemunhos subjetivos, por outro, injetaram nas
gerações mais novas a ideia de que tudo havia corrido mal e que uma geração
iluminada, havia retirado do fundo do
mar o País que somos. Há por aí resmas de papel editadas por gente que quis
ficar na História e que interrompeu carreiras limpas, heroicas e exemplares.
As 416 páginas deste livro do
Tenente General Tomé Pinto vêm repor alguma clarividência, rigor histórico e
prudência ética na opinião pública. O editor Pedro Sousa afirmou na nota que
assina (pp 12-23) que: O general Tomé Pinto é um dos mais prestigiados
militares portugueses da sua geração. Promovido a esse posto aos 45 anos por
razões de mérito, foi duas vezes ferido com gravidade em cenário de combate,
primeiro em Angola e mais tarde na Guiné». E outro distinto general – Ramalho
Eanes - afirma no prefácio que «contar a
história de vida de Tomé Pinto é respeitar a autêntica tradição, a memória
coletiva».
Ao lado de Salgueiro Maia, de
Pires Veloso, de Santos e Castro e de Jaime Neves, Tomé Pinto deve perfilar-se
como um dos militares mais distintos da sua geração.
Barroso da Font
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