Passos
Coelho poderia passar a ser ‘outra pessoa’ pelo facto de transitar do Governo
para a oposição? Acho que seria ridículo se o tentasse.
José
António Saraiva - jornal Sol
jose.a.saraiva@newsplex.pt
O
PS diz frequentemente que Pedro Passos Coelho ainda não percebeu que já não é
primeiro-ministro.
E no PSD também há quem pense o mesmo – o que
leva os socialistas a insistirem no tema, tentando abrir brechas no campo
adversário.
De
facto, Passos Coelho tem uma pose, uma discrição nos gestos e uma contenção
verbal mais próprias de um primeiro-ministro do que de um líder da oposição.
Mas
poderia ser de outra maneira?
Passos
Coelho poderia passar a ser ‘outra pessoa’ pelo facto de transitar do Governo
para a oposição?
Acho
que seria ridículo se o tentasse.
A
questão está em saber se isso será bom ou mau para o PSD.
Como sempre discordei da oposição feita aos
gritos, com os líderes a aparecerem todos os dias nas televisões, parecendo
constantemente em campanha eleitoral, prefiro este registo.
Acresce
que não estamos em vésperas de eleições – e, se o líder da oposição fizesse
aparições diárias, rapidamente esgotaria a imagem e o discurso.
Passos
Coelho é muito conhecido, pelo que não precisa de aumentar a notoriedade.
Pelo
contrário: só ganhará em manter-se um pouco na sombra.
Até
porque o pior inimigo deste Governo nunca será a oposição mas sim os números –
e, claro está, Bruxelas.
Nesta perspetiva, o líder do PSD até poderá
‘fazer de morto’, como dizia Guterres.
Mas,
se é verdade que Passos Coelho aparenta muitas vezes ser o chefe do Governo e
não o líder da oposição, António Costa está no extremo oposto: parece
frequentemente ser o líder da oposição e não o chefe do Governo.
No Parlamento, Costa leva mais tempo a atacar
o PSD do que a defender o seu Executivo.
E
tem uma postura, uma colocação de voz e uma agressividade mais consentâneas com
um oposicionista do que com um governante.
Acusa
Passos Coelho de continuar «voltado para o passado», o que não deixa de ser
inusual, pois os primeiros-ministros não fazem habitualmente juízos sobre os
líderes de outros partidos.
E aparece em público com uma frequência também
pouco habitual, aproveitando todas as oportunidades para fazer propaganda (até
a reposição dos feriados foi pretexto para uma cerimónia, com o descerramento
de uma lápide!).
É
certo que António Costa tem, neste aspeto, um problema bicudo para resolver: a
competição com Marcelo Rebelo de Sousa.
Marcelo
é um hiperativo e é notícia de manhã, à tarde e à noite, por isto ou por aquilo.
Ocupa
toda a cena mediática e rivaliza com Deus: é omnipresente e omnisciente, ou
seja, está em toda parte e sabe tudo sobre tudo.
E
mesmo quando elogia o Governo causa algum embaraço na esquerda – pois transmite
uma ideia de ‘paternalismo’ que coloca o Governo numa posição subalterna, de
dependência.
Assim,
Costa acha que não pode ficar atrás de Marcelo.
E,
ou aparece ao seu lado, parecendo às vezes ‘o emplastro’, ou se desdobra em
iniciativas para não deixar de aparecer.
Mas
a faceta onde António Costa mais se revela é na relação com Bruxelas.
Aí,
ele é ao mesmo tempo líder da oposição e chefe do Governo.
Cá
dentro, usa Bruxelas como ‘inimigo externo’ para espicaçar o nacionalismo dos
portugueses e piscar o olho ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista.
Embora
noutro estilo, Costa fala de Bruxelas como Alberto João Jardim falava de Lisboa
– apresentando a Comissão Europeia como um ‘poder colonial’ apostado em
prejudicar os portugueses.
Sempre
que se diz que a Comissão Europeia vai obrigar o Governo português a apresentar
medidas adicionais, António Costa vocifera em Lisboa: «Não haverá nenhum Plano
B!».
Em
Bruxelas, porém, Costa demarca-se da extrema-esquerda, mostrando-se empenhado
em cumprir as metas europeias.
António
Costa veste um fato para se encontrar com Jerónimo e Catarina Martins – e outro
para dialogar com os eurocratas.
Esta
duplicidade durará enquanto os números o permitirem.
Depois,
terá de escolher entre uns e outros.
E,
aí, Catarina Martins – que já se desiludiu com François Hollande e Alexis
Tsipras – terá a sua terceira desilusão.
Tsipras,
quando teve de optar, cedeu a Bruxelas e rompeu com Varoufakis.
Por
que haverá António Costa de ser diferente?
P.S.
– A propósito das sanções, há muita areia no ar a atrapalhar a visão. A questão
parece-me relativamente simples: legalmente, as sanções têm que ver com o
défice de 2015 (nem poderia ser de outro modo); mas, substancialmente, são um
aviso a este Governo. É como se a Comissão Europeia dissesse: ‘Se vocês não
cumprirem, estão tramados’.
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