A
encenação do fim da austeridade a que estamos a assistir pode até ser eficaz
para satisfazer clientelas políticas mas vai sair muito cara ao país.
A
“geringonça” prometeu. A “geringonça” cumpre. O fim da austeridade está mesmo a
concretizar-se, ainda que só para alguns e durante algum tempo. Dois casos em
análise: as 35 horas semanais de trabalho para funcionários públicos e a nova
administração – com mais administradores e remunerações mais elevadas – da
Caixa Geral de Depósitos. Nenhuma das duas medidas faz sentido no contexto de
um país que continua numa grave situação económica e financeira, mas ambas
fazem todo o sentido à luz dos objectivos políticos de curto prazo da
“geringonça”.
O
regresso ao passado com as 35 horas para o funcionalismo público marca a
reversão de um processo de convergência com o sector privado que tinha começado
a ser seguido, ainda que de forma incompleta, na sequência da bancarrota e subsequente
pedido de resgate externo de 2011. A violação do princípio da igualdade parece
flagrante ainda que, à luz do enquadramento constitucional vigente em Portugal,
isso pouco ou nada permita prever no que diz respeito a eventuais declarações
de inconstitucionalidade.
Já
no que diz respeito aos impactos orçamentais, a previsão é bem mais fácil de
fazer: a aplicação das 35 horas aos funcionários públicos implicará obviamente
um aumento da despesa do Estado (desde logo, ainda que não só, no pagamento de
mais horas extraordinárias), eventualmente conjugado com uma degradação de
alguns serviços. Só assim não seria se a generalidade dos serviços afectados
não produzisse absolutamente nada nas cinco horas em causa.
Mário
Centeno, honra lhe seja feita, reconheceu isso mesmo quando argumentou
recentemente fora do país que os custos da aplicação do horário das 35 horas
aos funcionários públicos exigirão poupanças noutros sectores. Infelizmente,
como em outras ocasiões similares, ficaram por explicitar onde e de que forma
serão obtidas as referidas “poupanças” compensatórias de mais uma medida que
implica um óbvio aumento da despesa.
A
austeridade parece ter chegado ao fim também para a CGD. Por ser um banco
detido pelo Estado e pela sua dimensão, a CGD é percepcionada por muitos
depositantes como a instituição de menor risco no sistema bancário nacional.
Considerando a economia política do sistema bancário, é uma percepção razoável
mas deve ser considerada em conjunto com uma outra: pela sua dimensão e por ser
um banco detido pelo Estado, a CGD é também o banco de maior risco para o
sistema financeiro nacional, para o Orçamento de Estado e, em última instância,
para a frágil economia portuguesa.
A
penosa sucessão de injecções de capital na Caixa por parte do Estado ao longo
dos anos aí está para o comprovar, assim como as imparidades que andam de braço
dado com a politização da gestão bancária. Neste contexto, é particularmente
lamentável o recente anúncio governamental de que a administração da CGD terá mais elementos e da eliminação dos respectivos tectos salariais.
Além
de acabar com a austeridade (para alguns), a “geringonça” está a operar
verdadeiros milagres políticos junto da extrema-esquerda portuguesa: assim,
face ao anunciado para a CGD, o Bloco de Esquerda limita-se a “estranhar” o
aumento salarial dos gestores e, não obstante o pré-anúncio de mais um
substancial aumento de capital por parte do Estado, PCP e BE já se declararam
liminarmente contra qualquer comissão
parlamentar de inquérito à gestão da Caixa.
O
que importa no entanto sublinhar é algo que vai muito além das gritantes
incoerências dos partidos que apoiam o actual Governo: a encenação do fim da
austeridade a que estamos a assistir pode até ser eficaz para satisfazer
clientelas políticas mas, por via das reversões sem critério e medidas sem
sustentabilidade que acarreta, vai sair muito cara ao país.
Professor
do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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