O
problema nasceu no início dos anos 90 e foi por essa altura estudado pelo
Observatório da Justiça que se debruçou sobre alguns processos, um dos quais
era o das FP-25 de Abril, para responder à magna questão: por que é que os
megaprocessos demoram anos e se arrastam nos tribunais? A conclusão foi, grosso
modo, a de que as investigações e os julgamentos eram relativamente rápidos,
mas os processos depois perdiam-se nos tribunais superiores, enredados em
sucessivos recursos. E então, tudo somado a mais ou menos amnistias pelo meio,
acabavam por prescrever.
Nunca
mais houve amnistias, as leis foram alteradas e os meios tecnológicos são hoje
muito melhores e mais eficientes. Mas, paradoxalmente, o problema com os
megaprocessos agravou-se. Como agora se comprova com o caso BPN. E não se vê
ninguém preocupado com isso nem em tomar medidas. E devia. A começar pelo
Conselho Superior da Magistratura, em que metade dos seus membros são nomeados
pela Assembleia da República, ou seja, estão lá em representação do povo. E o
país precisa, no mínimo, de uma explicação.
O
BPN foi nacionalizado a 1 de novembro de 2008 e, no final desse mesmo mês, a
Justiça prendeu o seu ex-presidente, Oliveira Costa. Um ano depois, o
Ministério Público acusou-o e a mais uma dezena e meia de arguidos,
nomeadamente outros antigos quadros do BPN, por crimes de burla e abuso de
confiança. Começaram a ser julgados em dezembro de 2010 e o tribunal de
julgamento sofreu várias vicissitudes: primeiro, não tinha sala para albergar
um megajulgamento e o número excecional de volumes; depois, não tinha armários
e a seguir era preciso imprimir um disco rígido com gigabytes de documentos; os
três juízes ora estiveram em exclusivo ora em semi-exclusividade e,
ultimamente, acumulam com o serviço normal; os arguidos foram sendo dispensados
de comparecer (uma decisão incompreensível para o comum dos cidadãos, a menos
que estivessem todos incapacitados
fisicamente, o que não é o caso); o julgamento começou por realizar-se em três
ou quatro dias por semana, depois foi reduzindo o ritmo; segundo o próprio
Tribunal, os dias de julgamento já cumpridos foram cerca de 400.
Na
passada quarta-feira, cinco anos e cinco meses depois do seu início, o
julgamento entrou na reta final (expressão que dá vontade de rir, mas enfim…):
ouvidas todas as 170 testemunhas e os arguidos, começaram as alegações do
Ministério Público. Seguir-se-ão os advogados dos 15 arguidos e, se o ritmo
continuar a ser de um por semana, não acabarão antes das férias judiciais. Dos
arguidos, dispensados pelo Tribunal de comparecerem a essa suprema chatice que
é ser julgado, apenas três é que se dignaram ir ouvir o procurador da
República... Só depois se marcará a leitura da sentença, que, imagino, demore
pelo menos um ano. E aí iniciar-se-á a fase de recursos para a Relação, Supremo
e Tribunal Constitucional, levando todos os gigabytes atrás.
Oliveira
Costa tem 80 anos e, como é público, tem problemas de saúde. Ao mesmo tempo,
foi aumentando a contabilização do ‘buraco’ que o BPN e os crimes ali cometidos
provocaram nas contas públicas: 2.000 milhões, 4.000 milhões, 6.000 milhões… Os
juízes do tribunal terão todos as suas razões (gostava que fosse possível
falarem) e não acredito que algum deles tenha especial gosto em andar há cinco
anos a julgar um processo, mas é evidente que o que se está a passar não é
normal. E devia servir para tirar lições para futuro.
Numa
recente entrevista, Henriques Gaspar, presidente do Supremo Tribunal de Justiça
e do Conselho da Magistratura, afirmou que gostaria de “ver a expressão
‘celeridade’ expulsa do léxico da Justiça” e que “uma Justiça célere não é
Justiça”, tem é de ser proferida num prazo razoável, que satisfaça os
interesses das pessoas. É um homem ponderado, de elevada craveira intelectual e
jurídica, percebe-se o sentido do que pretenderia de facto dizer e não acredito
que tivesse em mente os megaprocessos, como o BPN. Mas só me ocorre uma palavra
para qualificar uma Justiça que leva mais de cinco anos com um julgamento:
inútil.
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