Carlos Fiolhais - jornal Público
De entre os vários livros mais recentes que feirei (com
desconto pequeno devido à lei do preço fixo), deixo um rol de oito.
Já fui à Feira do Livro de Lisboa e à Feira Cultural de
Coimbra. Os dias estavam soalheiros no Parque Eduardo VII, com generosa vista
para o Tejo, e no Parque Dr. Manuel Braga, mesmo à beira do Mondego, e assim
prometem continuar esta semana. Detive-me mais nos alfarrabistas, onde ainda é
possível encontrar autênticas pechinchas. De entre os vários livros mais
recentes que feirei (com desconto pequeno devido à lei do preço fixo), deixo um
rol de oito que só não me servem de abastecimento para as férias, porque alguns
já os li enquanto os outros estão a caminho de serem lidos. A ordem é alfabética do apelido do autor.
– Svetlana Alexievitch, Vozes de Chernobyl. História de um
desastre nuclear, Elsinore. A escritora bielorussa que ganhou o Prémio Nobel da
Literatura do ano transacto dá voz (literalmente, trata-se em grande medida de
discurso directo) às vítimas do maior desastre da indústria nuclear de sempre,
ocorrido há trinta anos na Ucrânia. Hoje um sarcófago no meio de uma floresta
aonde voltaram os lobos recorda-nos um dos maiores inimigos da humanidade: o
erro humano.
– Jason Brennan, Capitalismo. Porque não? Em defesa do
capitalismo, Gradiva. Num livro de bolso, Brennan, professor de Filosofia na
Universidade de Georgetown, responde a Cohen, autor de uma obra gémea. É um
prazer ler esta polémica capitalismo-socialismo, mais interessante do que a
anda por aí sobre as supostas origens marxistas do fascismo. Para Brennan o
capitalismo não só é mais viável na prática do que o socialismo mas também é
moralmente superior.
– G. A. Cohen, Socialismo. Porque não? Em defesa do
socialismo, Gradiva. Cohen, um dos grandes filósofos marxistas (canadiano,
falecido há sete anos), defende o socialismo partindo de uma metáfora social
- um acampamento durante o qual várias
pessoas partilham os seus dias. Porém, para o seu antagonista Brennan, uma
metáfora mais adequada é a aldeia do rato Mickey, de um desenho animado do
Canal Disney.
– Mário Correia, Aviadores Portugueses, 1920-1934. A Aventura
dos Pioneiros, A Esfera dos Livros. O
voo sobre o Atlântico Sul de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, de 1922, mas
também o grande voo do Oriente, de 1925, de Brito Pais, Sarmento de Beires e
Manuel Gouveia, e a grande viagem aérea de ida e volta a Timor, de 1934, de
Humberto da Cruz e António Lobato, descritos por um aviador e historiador. Na
primeira metade do século XX, aviadores portugueses refizeram pelo ar a saga
das caravelas.
– Henry Marsh, Não Faças Mal. Reflexões de um neurocirurgião
sobre os erros, a culpa, e o lado humano da medicina, Lua de Papel. Um
neurocirurgião britânico muito especial -
fez a sua formação inicial em política, filosofia e economia antes de se
graduar como médico - escreve sobre as operações ao cérebro com um dessassombro
inusitado. Fala sem receios dos seus erros clínicos, partindo de uma citação de
um seu colega francês: “Todos os cirurgiões trazem dentro de si um pequeno
cemitério, onde vão rezar de tempos a tempos.” Ao ouvi-lo numa conferência em
Lisboa percebi melhor como o erro é o nosso inimigo permanente.
– George Orwell, Ensaios Escolhidos, Relógio d’Água. 1984 já
foi há 32 anos. Mas Orwell, o autor de 1984, para alguns o mais notável
ensaísta inglês do século XX, continua actualíssimo. Quase ninguém sabe que ele
se chamava Eric Arthur Blair, mas todos conhecem os neologismos “orwelliano”,
“cold war”, “Big Brother” e “newspeak”.
A antologia recolhe páginas notáveis sobre literatura, política, guerra,
ciência, cozinha, etc. de um socialista que prezava a clareza e não desprezava
o humor. Um tiro fascista na garganta durante a Guerra Civil Espanhola não o
calou.
– Manuel da Silva Ramos e Miguel Real, O Deputado da Nação,
Parsifal. Um romance satírico a quatro mãos sobre os políticos e a política
nacional. A nossa classe política sai bastante mal tratada deste livro: o
deputado Umbelino Damião chegou ao hemiciclo por ter conhecido num bordel o
líder de um partido e, entre outros negócios à sombra da política, vende um
rejuvenescedor creme de leite de burra. Hilariante!
– Andrea Wulf, A Invenção da Natureza. As aventuras de
Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Temas e Debates. Relato
da vida e obra do grande naturalista, geógrafo
e explorador alemão, Alexandre
von Humboldt, o irmão mais novo do linguista e político Wilhelm Humboldt, que
fundou a universidade moderna. Alexander viajou no final do século XIX e início
do século XX pelas Américas e, na maturidade, escreveu Kosmos, uma obra
monumental que influenciou literatos como Edgar Allan Poe, Walt Whitman e Ralph
Waldo Emerson. A biografia não o diz, mas um colega e amigo de Alexander foi o
brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva, que ensinou Química na
Universidade de Coimbra antes de atravessar de volta o Atlântico para ficar
conhecido como o “patriarca da independência”.
Boas leituras!
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