sábado, 18 de junho de 2016

Há 120 anos Junqueiro previa o que hoje somos

BARROSO da FONTE
Este candidato a Teólogo acabou por desviar-se de Deus e praguejou dentro e fora do seminário, ou, se preferirem, da universidade de Coimbra, onde trocou a licenciatura em Teologia, pela de Direito.  Nasceu em Freixo de Espada à Cinta,  Trás-os-Montes, em 1850 e morreu em 1923. Vai completar 93 anos a sua ausência. Foi diplomata de carreira e impôs-se pela sua rudeza, pelo seu inconformismo, pela sua deliberada vontade de reagir à hipocrisia urbana, contra a submissão rural. Pertenceu a uma geração de notáveis pensadores, como: Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Aquilino Ribeiro, Cesário Verde. Rebelde e destemido em relação aos hábitos, usos e costumes sociais do seu tempo, exprimia essa discordância, irreverência e oposição ao cânone do seu tempo, em livros rebeldes, como:  A velhice do Padre Eterno (1885), Pátria (1886), Os simples (1892), Finis Pátria (1891), etc.

Após ter-se assinalado em 2015 o centenário da exaltação do filósofo português José Pereira de Sampaio (Bruno) através de um ciclo de palestras que tiveram lugar no Ateneu Comercial do Porto, o  Movimento internacional de Porto e a revista Nova Águia, aliam-se, uma vez mais, àquela centenária instituição da cidade Invicta para animar um novo conjunto de encontros dedicados à cultura nacional e ao pensamento português. Pretendeu-se com a “Junqueiriana” homenagear a figura de Guerra Junqueiro. Poeta, filósofo, polemista e político, esta incontornável personalidade da cultura portuguesa será o patrono deste novo ciclo de tertúlias a realizar mensalmente no Ateneu Comercial do Porto, entre os meses de Janeiro e Junho do corrente ano. Organizadas por Joaquim Domingues, Pedro Sinde e José Almeida, estes encontros contarão ainda com as participações de Henrique Manuel Pereira, Ângelo Alves, José Valle de Figueiredo, Júlio Amorim de Carvalho, Renato Epifânio, entre outros.
No próximo dia 18, sábado, pelas 17 h decorre naquele Ateneu mais um debate sobre a «Ideia e Ritmo na poesia de Junqueiro» pelo ensaísta Júlio Amorim de Carvalho, filho e promotor da Casa Amorim de Carvalho, sediada no Porto.
 Na impossibilidade de estar presente trago a este relato uma apreciação do próprio Junqueiro, saiu na edição da Pátria em 1896. Comparando a sociedade de hoje com aquela que fotografou há 120 anos, diremos que só mudaram as moscas.

 «Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. […]Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo cético e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos atos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.»

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Revista Tellus nº 80

Acaba de sair a público o nº 80 da revista Tellus (Vila Real), revista de cultura transmontana e duriense.