Uma
das frases que ficará para sempre colada a António Guterres, pela coragem em
dizê-la, mas depois sobretudo porque a prática ficou muito aquém da teoria, é a
famosa «no jobs for the boys». Ou seja, e em bom Português, não há tachos para
os militantes e clientelas do partido no Governo. Depois disso, de cada vez que
entrou um novo Executivo, era com redobrado afã que PCP e BE liam os Diários da
República e denunciavam à Comunicação Social as hordas de «nomeações
políticas», incluindo até as secretárias e os motoristas de gabinete.
Eis
a surpresa: desde que a ‘geringonça’ começou, parece que vivemos no paraíso. Os
partidos que suportam o Governo PS têm estado em silêncio total sobre esta
matéria, enquanto os afastamentos no topo da Administração e das empresas
públicas se sucedem (ver pág. 54). BE e PCP lá saberão as suas razões, sendo
legítimo que todos nós presumamos quais são. Resumindo, estão a ser nomeados
novos boys, mas isso é um pequeno pormenor pois a ‘geringonça’ assegura-nos,
por ação ou omissão, que são todos competentes.
Se
não, vejamos: até ao início de maio, segundo uma contabilização feita pelo
Público, o Governo já nomeara 273 dirigentes da Administração Pública sem
concurso público. Dessas nomeações, metade ocorreu na Segurança Social e mais
de 30 referem-se a lugares de topo, cujos novos ocupantes foram designados em
regime de substituição, sem passar para já pela Comissão de Recrutamento e
Seleção para a Administração Pública (Cresap). O que vai acontecer é que,
quando esses lugares forem a concurso, eles irão concorrer e, claro, os meses
que já levam de exercício de funções dar-lhes-ão vantagem em relação a outros
candidatos, podendo a tutela vir sempre dizer que foram escolhidos pelo mérito
e não porque são boys. Nada que não tenhamos visto, de resto, com o anterior
Governo.
Sempre
sob o pretexto de que é preciso «dar nova orientação à gestão», as demissões de
altos cargos na esfera da Administração Pública têm-se sucedido, desde o
Instituto da Mobilidade e Transportes ao Turismo de Portugal, passando pelo
Compete – cujos gestores denunciaram publicamente terem sido vítimas «de
saneamento político».
No
Instituto da Segurança Social, o conselho diretivo foi demitido ao fim de um
ano em funções e substituído por antigos dirigentes em governos socialistas
próximos do ministro Vieira da Silva, que justificou as nomeações pelo
«excelente currículo profissional e académico, assim como a sua experiência e
conhecimento do sistema».
No
Instituto do Emprego e da Formação Profissional, mais de 80 dirigentes foram já
afastados em todo o país, incluindo o conselho diretivo, que foi contestado
pelo BE, e a explicação dada é a de que é preciso dar-lhe nova orientação,
«assente na promoção do emprego e no combate à precariedade».
Esta
semana, foi a vez das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional
(CCDR) do Norte e do Algarve e os comunicados do ministro da tutela, Pedro
Marques, são um mimo. Na CCDR Norte, Emídio Gomes – próximo do PSD e que
recusou cumprir instruções no sentido de majorar financiamentos que algumas
câmaras negociaram diretamente com o Governo, uma história ainda mal
esclarecida – foi «exonerado por incumprimento reiterado das orientações da
tutela».
Já
o presidente da CCDR do Algarve, David Santos, líder do PSD-Faro e cuja
demissão já tinha sido reclamada por dirigentes locais socialistas, sai por
«não estarem reunidas as condições necessárias para a observação das
orientações superiormente emanadas» (ou seja, ainda não desobedeceu às ordens,
mas revela pouca disposição para vir a acatá-las…).
O
presidente da Cresap, João Bilhim, relembrou esta semana num artigo que
escreveu: «A missão da Cresap é garantir o mérito, não serve para
despartidarizar», e a sua grande missão tem sido impedir a nomeação de pessoas
sem qualificações para o cargo. Ou seja, a Cresap atesta as qualificações,
seleciona e dá a escolher dois candidatos à tutela, não tem culpa é que esta
escolha sempre os boys ou as girls.
Bilhim
defende que a lei pode ainda ser aperfeiçoada, no sentido de haver um maior
escrutínio pela imprensa, mas acha que isto só muda quando houver também uma
mudança de atitude dos políticos. Bem podemos esperar sentados. Até lá, é
sempre reconfortante haver quem diga a verdade.
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