30/05/2016
Numa
cidade há duas escolas pertinho uma da outra. Uma é de meninos pobres, a outra
de meninos ricos. Na escola dos meninos pobres não há um pavilhão
gimnodesportivo. Ou melhor, havia, mas estava em tão mau estado de conservação
que a Câmara dessa cidade resolveu demoli-lo por falta de condições de
segurança.
As
crianças são agora forçadas a uma marcha de um quilómetro, duas vezes por
semana, para poderem fazer educação física. Como não há transporte, vão a pé.
Carregam as suas mochilas com muitos quilos às costas.
Nesta
escola de meninos pobres não há cacifos. Ou melhor, até há. Mas para além de os
alunos estarem proibidos de aceder aos cacifos fora dos intervalos, os cacifos
são pagos. E esse custo é difícil de suportar para os pais, até porque perto de
40% dos alunos beneficiam de ação social escolar.
Esta
escola não tem um pavilhão, um anfiteatro ou uma cantina digna desse nome, e a
única liberdade de escolha que os alunos têm é, quando está mau tempo,
decidirem se levam ou não chapéu-de-chuva para se protegerem no caminho para o
pavilhão. Alguns preferem não levar, até porque já têm obrigatoriamente de
carregar duas mochilas.
Os
pais destes alunos descobriram agora que a responsabilidade do transporte
escolar não era do município mas do Ministério da Educação. Já pediram várias
audiências, mas até agora só obtiveram o silêncio como resposta.
Ao
lado desta escola há uma escola que tem tudo. É uma escola de ricos. Uma escola
modelo, daquelas que levaram as maravilhosas obras da Parque Escolar (a
iniciativa que revestiu escolas a mármore e utilizou candeeiros Siza Vieira).
Perante
tamanha disparidade, pergunta-se: há cidadãos de primeira e cidadãos de
segunda? Há munícipes de primeira e munícipes de segunda?
Mas
os pais dos meninos pobres dizem mais, e vou citá-los: “Por que é que todos
pagamos impostos mas uns têm pavilhão, auditório e duas cantinas, e os outros
nem transporte têm para fazer desporto e são obrigados a andar à chuva e ao sol
com pesos absurdos?”.
Já
sei que, neste momento, o leitor está a pensar que a escola dos meninos pobres
é pública e a dos meninos ricos é privada. Estão duplamente enganados: as duas
escolas são do Estado, completamente públicas.
LUÍS de CAMÕES |
As
duas escolas são em Lisboa, a poucos minutos uma da outra. Ambas na freguesia
do Areeiro. A escola pobre e sem meios é a EB 2+3 Luís de Camões. A escola rica
remodelada pela Parque Escolar é a EB 2+3 Filipa de Lencastre.
FILIPA de LENCASTRE |
O
Estado fez aqui o que faz muitas vezes: planeou mal, geriu mal, executou pior.
Gastou fortunas em mármores e Sizas Vieiras para uns, e condenou os outros a
marchas forçadas ao sol e à chuva. Tratou de forma profundamente desigual os
pais que pagam impostos. Tratou de forma desigual os alunos.
O
Estado não precisou de nenhum contrato com privados para fazer asneira.
Encarregou-se sozinho da tarefa.
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