terça-feira, 24 de maio de 2016

José Rodrigues dos Santos: "O fascismo tem origem marxista"

Livros - José Rodrigues dos Santos: "O fascismo tem origem marxista"
O escritor e jornalista volta aos lançamentos editoriais.
Desde que publicou Codex 632 que jamais desapareceu do primeiro lugar das tabelas de vendas de livros nacionais e internacionais. O Pavilhão Púrpura é o mais recente e o volume do meio de uma trilogia
Natacha Cardoso/Global Imagens - DN ARTES

É a primeira vez que avança num projeto com a dimensão desta saga. Há mercado em Portugal para duas mil páginas da mesma história?

As minhas decisões não levam em linha de conta a questão do mercado. Há mercado para uma saga? Não faço ideia. O que realmente interessa é que tenho coisas para contar sobre o período entre os anos 1920 e 1940, quando as democracias entraram em descrédito e emergiram as ditaduras e os totalitarismos. Através da história de dois homens e duas mulheres compreendemos as semelhanças com aquele em que vivemos. Quanto ao formato, achei interessante inovar. A saga é um género ausente das letras portuguesas e pareceu-me que poderia trilhar caminhos novos na nossa literatura. Os leitores vão aderir? A medir pela reação ao primeiro tomo, As Flores de Lótus, eu diria que sim.

Diz que é a "mais ambiciosa saga da literatura nacional contemporânea". O que o leva a escrever uma trilogia?

Acho até que é a única, pois não conheço outras sagas nas letras portuguesas. Porém, não tive desde o início a ideia de escrever uma saga. O que aconteceu foi que a história foi-se desenvolvendo e tornando cada vez mais interessante e apercebi-me de que só poderia ver a luz do dia neste formato. Impôs-se.

A intenção é seguir modelos de autores estrangeiros, Ken Follett por exemplo, pois não tem rival em Portugal?

É verdade que as sagas apenas existem nas letras estrangeiras, mas não imitei ninguém. Por acaso falei com Ken Follett quando estava a iniciar a sua saga do Século, mas em boa verdade não a li. Quem a leu e leu As Flores de Lótus diz que há pontos em comum mas outros que são diferentes. Follett limita-se a contar histórias num contexto histórico. Também o faço, mas inseri a narrativa num contexto filosófico, como já havia feito com A Filha do Capitão, O Anjo Branco e no díptico O Homem de Constantinopla/Um Milionário de Lisboa.

Onde é mais difícil enquadrar personagens. Na história nacional ou mundial?

A maior dificuldade é cultural. Enquanto a história do Artur Teixeira e da aproximação a Salazar é relativamente fácil, personagens como a chinesa Lian-hua e o japonês Satake Fukui são muito mais difíceis de criar por serem distantes, pois as culturas chinesa e japonesa são muito distantes da nossa. Se o Japão de hoje é-nos muito distante, imagine-se como seria o da década de 1930. Foi o desafio mais exigente.

Já o crash de 1929 foi mais fácil devido à crise em que o mundo vive atualmente?

O Pavilhão Púrpura começa com o crash de 1929. Não por causa das semelhanças, mas porque vai marcar toda a década de 1930, com a depressão e o desemprego generalizado que criam as condições para o descrédito dos sistemas democráticos e a emergência dos totalitarismos. Porém, as semelhanças com a atualidade são inegáveis e tornam a leitura mais interessante.

Salazar não é esquecido nesta trilogia. Porque faz vender livros?

Salazar aparece porque é uma figura central na década de 1930 e também porque o seu pensamento exprime as dúvidas existentes no período sobre as democracias. Ele fez uma crítica impiedosa dos sistemas democráticos, apontando a corrupção, o clientelismo partidário, a conflitualidade permanente, o domínio no parlamento das grandes tiradas de oratória em detrimento da substância, tudo questões já abordadas por Platão e que se tornaram críticas num período de grandes dificuldades de ordem económica e social. Aliás, a maior parte das palavras de Salazar não são invenções minhas, mas mero copy-paste do que realmente disse em entrevistas e discursos.

A publicação deste segundo volume agora deve-se à Feira do Livro?

O Pavilhão Púrpura não estava pronto no ano passado e, em vez de esperar um ano inteiro para publicar este segundo tomo, achámos que deveríamos fazer esta experiência. O período que corresponde às feiras do livro é adequado.

Livros polémicos como Fúria Divina ou O Último Segredo deixaram de o interessar?

Continuo a escrever livros polémicos. As Flores de Lótus e O Pavilhão Púrpura mostram realidades, porém politicamente incorretas. O facto de que o fascismo é um movimento que tem origem marxista, por exemplo, é uma das demonstrações feitas nesta saga que poderá parecer polémica. Outra: o nazismo é inspirado em ideias então muito populares nas democracias ocidentais, incluindo Inglaterra, EUA, Escandinávia e França. A ideia nazi é-nos apresentada hoje como uma aberração que aparece de repente na Alemanha, mas é um embuste. A minha saga mostra-o claramente. Tenta-se apagar essa informação da história, mas por exemplo nos EUA o Carnegie Institute propôs em 1911 que se matassem os deficientes em câmaras de gás. Os nazis nada inventaram.

A biografia Gulbenkian foi menos comercial do que esperava?

Os romances históricos têm menos venda do que os de mistério, mas isso não me preocupa. Escrevo porque gosto, não porque vendam. Mas a adesão do público foi fantástica, pois os dois volumes tiraram 160 mil exemplares. Não é pouco.

Qual é, entre os países onde está traduzido, o que mais lhe satisfaz a relação com o leitor?

Não consigo distinguir os leitores consoante os países. Gosto tanto de falar com um leitor português como com um americano, um francês ou um argentino, a nacionalidade é indiferente.

Quando acaba o Codex 632 admitia chegar a vender três milhões de livros?

De modo nenhum. Quando comecei esta aventura quis ser lido, como é legítimo e natural em qualquer escritor que publique livros, mas não imaginei este nível de adesão. É que não foi só em Portugal. Muitas pessoas não sabem, mas as minhas vendas em França são superiores às de Portugal. A Fórmula de Deus tirou 200 mil em Portugal e 350 mil em França.

Já convenceu os leitores espanhóis a ler os seus livros?

Os leitores espanhóis estavam convencidos. O problema foi a crise. Quando ela rebentou, o mercado livreiro espanhol encolheu mais de 50 por cento e isso levou os editores a cortarem nas traduções. Há pois que recomeçar em Espanha.

Quem tem mais prazer com os seus romances: o próprio escritor ou o leitor?

Eu tenho de certeza prazer em escrever estes romances. Quanto ao leitor, cada um lê e aprecia uma obra à sua maneira. Tenho plena convicção de que o leitor só pode ter entusiasmo por um livro se o escritor tiver entusiasmo a escrevê-lo. O prazer do autor transparece na obra e transfere-se da escrita para a leitura. Se não for escrito com prazer, não será lido com prazer.

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