Vasco
Pulido Valente - jornal Público
09/01/2016
Fora
a palração sem nexo dos debates, o que se discute, se alguma coisa se discute,
é a personalidade e a vida de Marcelo Rebelo de Sousa.
A
coisa mais curiosa desta eleição presidencial é que nenhum economista ou
responsável pela economia ou pelas finanças concorreu. E nem sequer concorreu
nenhum membro do governo desde Durão Barroso e Santana Lopes. Tudo se passa
como se a loucura política que nos trouxe à crise e à miséria não tivesse
existido, apagada da história por um zeloso velador da ortodoxia. A gente que
opinava autoritariamente sobre a “austeridade” e anunciava uma receita
infalível para a nossa “recuperação” tantas vezes se enganou que resolveu
desistir. Agora, anda aí, cosida às paredes, e nos debates não se fala do
estado lastimável de Portugal e a asneira ferve livremente. Este espectáculo de
cobardia intelectual entristece e envergonha; e abriu caminho a uma inominável
campanha.
Dos
candidatos que realmente se apresentaram não há muito a dizer, se em boa
verdade se deve dizer seja o que for:
Todos
são “independentes”, mesmo o padre do PC que se dá ao luxo de uma ou outra
discordância venial;
Todos,
excepto Marcelo, querem “virar a página”, por outras palavras estabelecer o
domínio da “esquerda”, que eles próprios não fazem ideia do que é e para o que
serve;
Todos,
se por acaso ganharem, querem ir abraçar e conviver com o povo, ou levar a
rainha de Inglaterra à sopa dos pobres, ou “abrir” o palácio de Belém ao
cidadão comum;
Todos
juram que os portugueses são a maravilha fatal da nossa idade, como se pode ver
por alguns laboratórios científicos e principalmente pelos jovens que trabalham
no estrangeiro;
Todos
nos garantem um futuro de consenso, estabilidade e alegria e todos se preparam
para ajudar o bom António Costa, que nos salvou.
Fora
a palração sem nexo dos debates, o que se discute, se alguma coisa se discute,
é a personalidade e a vida de Marcelo Rebelo de Sousa, uma criatura
interessante, mas que não merece dezenas de horas de televisão. Se alguém por
aí chama a isto democracia, pode ter a certeza absoluta que está enganado. Isto
é a espécie de fantochada com que as democracias normalmente morrem.
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