Barroso da Fonte
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O
inspetor José Dias Baptista que foi meu condiscípulo de Seminário em Vila Real,
desde o primeiro ano até que o abandonou para casar com a «Mingas», seu amor de
sempre, desde cedo se iniciou nos trilhos da escrita e também do Jornalismo,
tal como eu e o Bento da Cruz.
O Bento era mais velho (1925) e optou por
Singeverga. Acabámos por reencontrar-nos os três, na Barragem de Pisões. A obra
que alterou, radicalmente, o coração de Barroso, fez desse estreito da planura
mais fecunda das margens do Rio Rabagão, palco do mais populoso acampamento que o amplo
concelho de Montalegre teve. No auge da obra que se prolongou por toda a década
de 1960/1970 terá sido habitado por cinco a seis mil pessoas, entre
trabalhadores e familiares, para o que foi preparado o «bairro definitivo» e as habitações para os quadros
superiores e operariado. Às habitações foram adicionadas estruturas essenciais:
mercado, escolas, ginásios, piscinas, parques desportivos, albergaria,
restaurantes, correios e gabinetes médicos. Após a inauguração os quadros
acompanharam a HICA para outras obras; e
os tarefeiros e indiferenciados desertaram para onde o destinos os levou:
emigração, desemprego ou ocupações domésticas.
O lugar do Pisão foi promovido a
aglomerado populacional. Aquele que foi o bairro dos trabalhadores e estruturas
de apoio ficou abandonado. Alguns por ali ficaram, à míngua de melhor destino.
E do pisão (engenho movido a água) de pisoar o burel das capuchas e mantas
caseiras, ficou um sítio geográfico, com direito a paragem das carreiras
regulares; o antigo escritório que lhe servia de apoio, virou café; e nas melhores habitações passaram a residir
alguns técnicos e famílias que garantem o apoio logístico ao empreendimento.
Como disse atrás, quis o acaso que os três
barrosões, fertilizados para as letras pelas águas do mesmo rio, ali nos
encontrássemos. O Bento como médico dentista, ao serviço do pessoal da
HICA; o Zé Baptista, como professor do
ensino primário. Nascera ali perto, na Vila da Ponte, tal como a Mulher e dali
nunca quis sair. Eu próprio, como Fiscal da Hica, ali me mantive, até 24 de
Janeiro, dia em que ingressei na vida militar, em Mafra.
Inaugurada a albufeira, só o Zé Baptista por
ali ficou. Fez-se à vida. Licenciou-se em História e optou por derivar. Cansado
de dar aulas, concorreu à Inspeção e atingiu o topo da carreira. Nisso ganhou
ao Bento e a mim, porque passou a vida inteira sem sair do berço do país
Barrosão.
O Bento radicou-se no Porto, montou
consultório e fez aquilo de que gostava. Eu, no regresso da guerra no Ultramar,
fixei-me em Chaves e fiz-me à vida. A minhota que ao terceiro noivado me
demonstrou as virtualidades míticas da água da mijareta, tendo ela nascido no
Centro Histórico de Guimarães, foi colocada em Chaves. Por artes do mafarrico,
a responsável pelos Serviços, destacou-a para Montalegre. Casando eu com ela
cumpriu na perfeição as virtualidades míticas daquela água, reconfirmadas pelo
Padre Fontes.
Acabei por fixar-me em Chaves, onde
lecionei, e exerci as funções de chefe de Redação do Notícias de Chaves,
semanário, onde colaborava desde 1962. Esta ligação ao mais influente jornal de
Chaves, foi passaporte para muitas ramificações que estabeleci com a sociedade,
com a cultura e com os amigos que me prenderam à vida e às ocupações que
contraí pelos anos adiante. Uma dessas ocupações teve a ver com Barroso e com
os Barrosões, nomeadamente com Bento da Cruz que por essa altura acabara de
publicar, as Filhas de Lot.
Depressa me integrei na comunidade Flaviense a ponto de, por concurso
público, ser o primeiro funcionário do Centro de Emprego de Chaves que cobria
os concelhos da região do Alto Tâmega. Mas foi através do Jornal que tinha como
diretor o Prof. Soares Pinto, que pude envolver-me no mundo das artes e das
letras. Verdadeiramente só a partir daí contextualizei a vida e a obra de Bento da Cruz que pela sua boca fui informado de que ainda éramos
aparentados, por via de meu avô paterno que tinha nascido em Peireses e que
cedo emigrou para os Estados Unidos, de onde nunca mais regressou. Infelizmente
nunca cheguei a conhece-lo.
Se
nos Pisões o meu contacto com o Bento da Cruz não passava do mero cumprimento
de cortesia e do respeito mútuo, foi pelos jornais que fui sabendo da sua
atividade literária. Ainda jovem adquiri
Hemoptise, seu primeiro livro de versos que o autor renegou.
Em
17-2-1968, na rubrica «Tribuna» do Notícias de Chaves o próprio mencionou «o
Planalto em Chamas» (1963), como a sua primeira obra. E nunca mais apareceu ao
lado daqueles que se seguiram.
Quando, em meados de Junho de 1967, regresso
do Ultramar e assumo a coordenação do Semanário, onde eu tinha abertura
privilegiada, apercebi-me de que Bento da Cruz e a Família Castro Lopo,
proprietária da Gutenberg que já tinha a livraria do mesmo nome e que acabara
de comprar o jornal e a tipografia, haviam acordado executar, graficamente, o
seu terceiro livro a que chamou Filhas de Lot, com o compromisso do Jornal
proceder à sua divulgação. Ao contrário dos dois livros anteriores e dos
posteriores que foram confiados, quer na edição, quer na distribuição a empresas com experiência, este terceiro
romance apareceu no mercado com edição
do autor.
Na
edição de 15 de Abril de 1967 aquele semanário dava uma notícia breve nos
seguintes termos:
É posto à venda na próxima sexta-feira o
novo livro de Bento da Cruz «Filhas de Lot». Esta obra é distribuída pela
papelaria Gutenberg. Durante a manhã de Sábado o autor dará uma sessão de
autógrafos.
Ora a qualidade gráfica dessa edição fora pouco cuidada. A Gutenberg funcionava
bem como gráfica, mas não como distribuidora. E daí que esse terceiro livro não
tivesse a difusão que se esperava. Os poucos exemplares que se distribuíram
circularam na zona do Alto Tâmega, entre pessoas e classes sociais que quiseram
certificar-se do seu conteúdo. Ou então expedidos por correio, na sequência de
pedidos formais à Gutenberg. Era usual, à época, o autor enviar dois exemplares
a jornais que costumassem noticiar a saída. Um exemplar destinava-se à
biblioteca desse jornal e o outro ao crítico que o lesse para redigir uma nota,
habitualmente breve.
Como trabalhei nessa tipografia até 1975,
acompanhei esse processo e pude ver exemplares dessa edição, por ali
acantonados, entre tintas e papéis velhos. Presumi que, pior do que o trabalho
gráfico, terá sido a deficiente distribuição. Verdade é que foram dois
recensores do Jornal de Notícias: José Viale Moutinho e Ramiro Teixeira que se
incumbiram de recensear e promover esse autor e a sua obra. Coordenavam eles o
sector das referências aos livros que chegavam à redação desse matutino. E já
por essa altura o pendor ideológico
influenciava o panorama cultural.
Bento da Cruz que em Singeverga alicerçara a sua bagagem linguística e
literária nos grandes clássicos latinos e que sempre estigmatizou o drama
social das gentes de Barroso, em tudo o que produzia, fez dessa veia interior,
o íman de toda a sua obra que dilatou, numa série de romances que o catapultaram para tronos que nem sempre
foram consensuais.
Ao mérito do autor que arrastou consigo
uma peculiar forma de narrar factos, de criar ambientes e de lhes adicionar
tiques condizentes com os cenários bucólicos, num mundo original como são as
Terras de Barroso, acresceu o fator político. Os seus parceiros de ambientes
urbanos, viram nele predicados estilísticos que aos próprios faltavam. Deram-se
bem nos secretos sínodos que sempre existiram nas sociedades em evolução
apressada.
A revolução de Abril operou-se quando
Bento da Cruz mais precisava de clarificação para o seu rumo editorial. Todos
os fatores se conjugaram nele e na sua obra.
Tinha ela pernas para andar. A temática social era propícia. Antropologicamente as terras de Barroso eram
propícias à sementeira. O linguarejar prestativo. A etnografia apropriada. Enfim, à experiência rural só faltavam os
meios: clima ajustado à fertilização, os adubos para o crescimento e o estendal
para o sequeiro.
Nada disso faltou a Bento da Cruz. Foi
deputado à Assembleia da República, a Editorial Notícias e a Âncora compensaram
alguma ineficácia da Gutenberg. A crítica nacional correu de feição. A autarquia
natal funcionou como a Santa Bárbara em dias de trovoada. Por acréscimo vieram os mimos sociais: a
perpetuação do seu nome na maior Escola pública do concelho, uma avenida e
respetiva travessa na sede de concelhia, um busto em bronze artístico e um anunciado
centro cultural que ficará para a próxima revolução.
Ao
mérito inegável de Bento da Cruz correspondeu a mais importante de duas
vertentes: a sorte e o azar. Esta bidimensionalidade faz parte da vida de
qualquer pessoa. E acontece todos os dias. Um avião cai e morrem todos os
passageiros. Logo se vem a saber que mais um passageiro se destinava àquele
voo. Mas perdeu o avião e não embarcou. Na praia do Meco: morreram 6 naquela
praxe académica. Mas eram sete. Um salvou-se. Num sismo morrem centenas. Uma
semana depois há uma criança, um velho que sobrevive. Logo se fala em
«milagre».
Sejamos claros: para tudo na vida é preciso
ter sorte. Bento da Cruz foi, inegavelmente, um bom contador de estórias. E por
isso ficou na História de Barroso. Mas a sua maior sorte foi ser um ideólogo de
esquerda, ter criado um jornal que foi a voz dessa esquerda, ter a seu lado a
imprensa da esquerda e o apoio editorial para dar voz a esse ideário. Digamos
que foi tão sortudo como bom romancista. Também no desporto não há campeões sem
sorte.
Contraponto e Descoberta na obra de Bento da
Cruz
A amizade pessoal que Bento da Cruz
granjeou com a sua radicação no Porto e sobretudo, graças à sua ideologia
política que nessa altura era fator decisivo, o autor de Filhas de Lot, viu
compensado o erro de fazer uma edição de autor, ao ter o apoio incondicional de
dois críticos influentes não só no JN, onde trabalhavam, mas também noutros
órgãos de influência da mesma área. A esquerda ideológica estava organizada e
era solidária, fosse na maçonaria, fosse na Seara Nova, na Sedes, na Opus Dei,
fosse em tertúlias de cariz cultural, económico, religioso e, sobretudo,
político.
Exemplo claro desse apoio literário foi a
entrevista que José Viale Moutinho assinou no JN e que o Notícias de Chaves
transcreveu ipisis verbis na edição de «Sábado, 22 de Abril de 1967».A essa
entrevista chamou Viale Moutinho «Contraponto e Descoberta» Este diálogo
com Bento da Cruz é ilustrado com uma
foto do próprio, fumando cachimbo.
A dado passo afirma Viale Moutinho:
-Estamos em 1967, Bento da Cruz escreveu
«Filhas de Lot». Outro romance que saiu da tipografia e está fresco, nas
montras das livrarias.
-
A história de Lot e suas filhas vem no Génesis, capítulo 12, versículo
30 e seguintes. Outro conto: o de duas raparigas e um rapaz perdidos numa
aldeia barrosã. Um rapaz culto, flagelado por todas as tentações da carne e
algumas do espírito, ateu e profundamente religioso; uma professora fiel às
crenças familiares, muito digna moral e uma enfermeira para a qual, em costumes
e religião tudo está bem, desde que possa gozar a vida e fruir o amor – uma existencialista a seu
modo e no seu meio. Para lá da «casa
escola», ficam as amaldiçoadas terra de Sodoma e Gomorra, neste caso, as terras
arcaicas do Barroso, particular Gostofrio, cujos habitantes passam e perpassam
no olhar da professora debruçada à janela».
- Qual é o trajeto em «Planalto em Chamas»
e «Filhas de Lot»?
- O trajeto, inevitável e ascendente da
minha evolução de ficcionista. É natural que eu me tenha esforçado por corrigir
em Filhas de Lot erros dados em Planalto em Chamas e em ao Longo da Fronteira.
Talvez haja mesmo duas ou três personagens do «Planalto» reconhecíveis em
Filhas de Lot, caso do pastor de ovelhas: primeiro pastor de ovelhas, depois
pastor de almas.
O meu herói é aquele que nunca pegou em armas
António Roque e José Luís Sarmento coordenaram ao longo de
quase um ano, entre 1967 e 1968, na 2ª página do Notícias de Chaves uma rubrica
a que chamavam Tribuna
Essa secção tinha 13 perguntas de algibeira: a
resposta à primeira usei-a em título desta nota necrológica.
À quarta perguntava-se:
- diga-nos a sua opinião sobre o amor.
Bento de Cruz respondeu: - «...amor super
omnia. Só per ipsum, et cum ipso, et in ipso, o homem vivit, regnat et inundat
per omnia secula seculorum. Amén!»
À sétima pergunta:
- que mais detesta no homem ?
- a hipocrisia!
Como se vê Bento da Cruz era parco e incisivo
nas respostas. E demonstrava que sabia latim. Mesmo quando interrogado acerca
de um tema universal e intemporal. O investigador desta vida e obra terá que
rebuscar perto de casa, as minúcias que pouco representaram no processo de
criação literária que após a sua morte, tiver de fazer-se, para o bem e para o
mal.
Esta ideia do seu amigo e compadre Zé Baptista
é a primeira e aparece por volta dos 91 anos do seu nascimento. A um ano de distância ainda está fresca a sua
partida. Uma das suas bandeiras parou com a sua morte. O Jornal Correio do
Planalto. Durante 40 anos foi sobrevivendo e alimentando o fogo de uma fação
ideológica. Ajudou a muitos, contestou
bastantes e silenciou-se naturalmente, como obra humana que é.
Tendo sido vetado como colaborador, meses depois do seu aparecimento e
zurzido uma vez por outra por razões ideológicas, nem por isso o
hostilizei. Orgulho-me – isso sim - de
ter encadernado em sete volumes, por
ordem cronológica as quase setecentas edições que produziu ao longo dos seus 40
anos de vida. Entendi e continuo a entender que um jornal é uma privilegiada
fonte da história local. Este e todos os demais que se publicaram em
Montalegre, desde 1950 e também na região do Alto Tâmega, tive o cuidado de
juntá-los à minha bagagem pessoal. Alguns foram para Angola, voltaram comigo,
levei-os para Chaves e acompanharam-me para Guimarães. Aqui gastei muitas
noites e muitos fins-de-semana a
ordená-los por títulos, por datas e por anos. No meio de cerca de cerca de 700
edições faltaram poucos: ou porque se extraviaram no correio, ou porque foram
confundidos entre outros papéis inúteis. Tive o cuidado de manuscrever no
princípio de cada encadernação os números que faltam. O que digo do Correio do
Planalto digo dos restantes Jornais que houve em Barroso nestes cerca de 75
anos de vida. Fiz entrega dessas coleções, tratadas com todo o carinho, durante
a Última Feira do Livro em Montalegre. A sua responsável preparou-lhes uma
estante e ali podem ser consultados em conformidade com as regras da
Biblioteca.
Penso que será uma das valências mais
utilitárias a quanto gostarão de saber o que de mais importante se passou em
Terras de Barroso.
Os
biógrafos de Bento da Cruz não poderão prescindir dessa consulta. A sua vida e
obra, os altos e baixos da vida política, as alegrias e tristezas eleitorais, a
vida comunitária passam, obviamente pela consulta dessas coleções.
Ainda agora para afirmar o que deixo dito recorri
às coleções do Notícias de Chaves e à Voz de Chaves para encontrar a colaboração de Bento da
Cruz. Não só em folhetins das Filhas de Lot, mas também artigos soltos sobre
temas vários. Diversos, por exemplo, sobre o Mosteiro de Santa Maria de Pitões das
Júnias.
São mais umas trinta coleções dos periódicos de Chaves, de Boticas, de
Vila Pouca de Aguiar, de Valpaços, da Régua. Se a Câmara de Montalegre
manifestar interesse, poderão reforçar aquele lote de 75 que já ofereci, em Junho de 2015. O que se oferece deve ser valorizado,
desejado e franqueado aos utentes. Já
que o restante espólio que ofereci em 9 de Junho de 2011 e que ficou registado
em ata de câmara de O7/01/2013 e que foi referenciado, em edital nº 04/2013/DAGF, pago ao Correio do Planalto,
como publicidade institucional, na edição 650, não deu entrada, por falta de
verbas para o acolher nas condições que haviam sido acordadas pelo Executivo
anterior.
O
meu testemunho final
Para acalmar alguns leitores que, ao longo
da minha vida ativa, acompanharam as minhas discordâncias em relação a Bento da
Cruz deixo aqui identificado o artigo que assinei no Notícias de Chaves em 5 de
Agosto de 1967, com o título: Bento da Cruz – apelida-se escritor do sétimo
dia, mas ele é, para além da má vontade de muitos, um dos maiores romancistas
do nosso tempo.
Imediatamente a seguir a esse título e
subtítulo que proclamei, no distante ano de 1967, sobre Bento da Cruz e sua
obra até aí produzida, afirmei o que pode ser lido naquele original, quando eu
ainda não era coordenador redatorial. Disse mais o seguinte: nascido no coração
de Barroso, é Barrosão dos pés à cabeça; e embora ameaçado, como ele confessa,
por cartinhas de amigos que o aconselham a mudar de terra para não ser
deslombado por causa das suas fábulas a respeito de Barroso, não muda mesmo de
terra, nem se faz apátrida. Ele é o que é e, para além da má vontade de muitos,
é Bento da Cruz um dos grandes romancistas da sua geração. Por que nascemos e
somos partidários do mesmo sentimento bairrista; por que nos banhámos nas águas
do mesmo rio e rasgámos as calças de pastor nos mesmos penedos; porque vemos a
realidade implantada na mesma cozinha de Gostofrio – a Arca de Noé -; por que
conhecemos a relação dos mesmos seres humanos, dos mesmos animais e do recheio
da natureza rural... Por que vivemos os mesmos problemas, da fome, do frio, da
batata, da emigração, da guerra e do abandono; e sobretudo por que nascemos com
o destino marcado de repórteres da mesma realidade social, não condenamos,
antes aplaudimos a denúncia que Bento da Cruz expõe nas Filhas de Lot.
Sabemos que o Povo de Barroso não gostou do livro. Melhor: o livro foi
mal recebido porque põe em contraste
duas classes sociais dominantes: o Padre e a Professora. E crente como é, o
povo desta Terra para quem o Padre é uma espécie de ente super-humano,
ofende-se com tudo o que for contra a sua dignidade.
A
terminar esse testemunho em defesa de Bento da Cruz quando, a propósito das Filhas
de Lot, houve reações violentas contra
ele pelo descrédito em que envolvia o clero e as docentes da região,
exarámos nesse artigo: sabemos ser com mágoa que Bento da Cruz afirmou perante
as «cartinhas dos amigos que o aconselhavam a mudar de terra para não ser
deslombado.» Fez saber o polémico autor que «deixaria os barrosões em paz, não
por medo ao estadulho mas por se convencer de que não vale a pena gastar cera
com fraco defunto».
Nós que acabáramos de chegar da guerra e
que nos conheciam como referencial de
defesa das gentes da Região Barrosã, poderíamos ter aproveitado o ensejo para
incendiar a fogueira. Fizemos o contrário. Preparámos esse artigo que existe e
comprova: «se os nossos conselhos de algo
podem contar, pedimos a Bento da Cruz que não dê ouvidos a esses fracos
defuntos, porque desistir é próprio dos fracos e dos fracos não reza a
história». Volvidos 49 anos, apesar das
altercações sociais, culturais e políticas que envolveram a sociedade, por motivo
da mudança de regime que caluniou aqueles que não lhe bateram palmas, antes
foram vítimas de algumas dessa euforias exacerbadas, como foi o meu caso, tendo
razões para expressar as injustiças de que fui alvo, ontem e hoje, em vez de
trazer aqui um desabafo de desforra, entendo ser mais coerente, reproduzindo
parte daquilo que escrevi e afirmei, quando dispunha do Jornal que coordenei
até 1975 e outros nos quais, colaborei nos 63 anos de militância jornalística a
sério.
Barroso da Fonte
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