Censura
José Milhazes - in: OBSERVADOR
A
intolerância política na Rússia aumenta na medida em que a situação económica e
social se agrava. A queda do preço do petróleo está a provocar um verdadeiro
ataque de nervos no Kremlin.
Dezenas de títulos estão a ser queimados
por ordem das autoridades de Komi, uma das repúblicas da Federação da Rússia,
só porque a sua edição foi apoiada pelo mecenas norte-americano George Soros.
Povo de Komi |
O mesmo ministério informa que na
Universidade Técnica de Ukhta, outra cidade de Komi, foram destruídos 413
livros e na Escola Politécnica de Vorkuta, 14.
A explicação dada pela directora da biblioteca
do Colégio Geológico de Vorkuta é de que os livros queimados “estavam velhos”
ou “não eram solicitados”. Porém, coincidência ou não, todos esses livros foram
editados nos anos de 1990 no âmbito do programa “Renovação do Ensino de
Ciências Humanas da Rússia”, financiado por George Soros.
Então, quando a Rússia atravessava por um
difícil período económico, organizações não-governamentais estrangeiras, entre
algumas financiadas pelo norte-americano de origem judaica que fugiu da Hungria
às perseguições nazis, decidiram apoiar financeiramente escolas e universidades
russas.
diário russo Kommersant |
Em 1995, alguns órgãos de comunicação
russos acusaram as organizações de Soros de prejudicarem a Rússia ao apoiarem a
“fuga de cérebros”. A Comissão para a Instrução da Duma Estatal, câmara baixa
do Parlamento da Rússia, investigou a actividade dessas organizações e a Duma
acabou por agradecer a George Soros “pelo contributo dado à conservação e
desenvolvimento da instrução da ciência, instrução e cultura nacionais”.
Porém, os tempos mudaram e, em Julho de
2015, o Parlamento Russo aprovou uma lista de organizações cuja actividade é
indesejada no país, entre as quais se encontram as organizações financiadas por
George Soros. A explicação dada é que, actualmente, a Rússia “enfrenta o maior
ataque nos últimos 25 anos contra ao seus interesses, valores e institutos
nacionais”, cujo objectivo é “minar a unidade patriótica” e boicotar os
processos de integração no âmbito da Comunidade de Estados Independentes.
O que não se compreende muito bem é como
manuais sobre lógica, surrealismo francês e criminalística possam contribuir
para atacar os interesses russos.
As autoridades de Komi não são pioneiras
na “limpeza ideológica” nos institutos e universidades. Em Agosto do ano passo,
o Ministério da Educação da Região de Sverdlovsk, nos Urais, ordenou que das
bibliotecas fossem retiradas as obras de Antony Beevor, escritor e historiador
britânico que escreveu obras como Estalinegrado e Berlim- a Queda 1945. Beevor
sofreu pesadas críticas do governo russo pelos factos relatados na segunda
obra, que narram as atrocidades cometidas pelos dois lados no final da guerra,
mas principalmente as cometidas pelo Exército Vermelho contra a população
alemã, notadamente o estupro em massa de mulheres de todas as idades nas
semanas seguintes à rendição nazi e à ocupação soviética da Alemanha.
Outro autor alvo da censura foi John
Keegan, outro conhecido historiador militar britânico. Os livros de ambos foram
considerados “repletos de estereótipos propagandistas do nazismo”.
No dia 10 de Maio de 1933, foram queimadas em praça pública, em várias cidades da Alemanha, as obras de escritores alemães inconvenientes ao regime.
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A intolerância política e ideológica na
Rússia aumenta na medida em que a situação económica e social se agrava. A
queda do preço do petróleo nos mercados internacionais, que provoca o
enfraquecimento da moeda russa e o aumento da inflação, está a provocar um
verdadeiro ataque de nervos no Kremlin. O nível de vida dos russos agrava-se
rapidamente, sendo a classe média mais afectada.
São cada vez menos os russos que acreditam
que a culpa da situação no seu país é de Barack Obama ou de Angela Merkel (como
tantas vezes repete a propaganda oficial) e, em ano de eleições parlamentares,
a degradação da situação no país nada promete de bom ao partido Rússia Unida,
principal base de apoio do Presidente Vladimir Putin.
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