Confundir terrorismo jihadista com a sua sombra - Barroso da Fonte
Barroso da Fonte
Escrevo esta crónica ao fim da
tarde de sexta-feira, 4 de Dezembro. Poderia ser protagonista desta novela. Mas
fui apenas repórter por vontade própria. O jornalista tem o dever de narrar
aquilo que se passa à sua volta. E não mostrar só aquilo que está bem. Deve,
sobretudo denunciar aquilo que está mal e que mexe com a dignidade das pessoas.
Não vou usar os nomes de pessoas que serviram de palco a mais esta odisseia de
um cidadão que conheci em circunstâncias rocambolescas, em meados deste ano.
Mas vou apelar aos políticos para que não usem apenas as estatísticas para
dizer que vivemos num mar de rosas e que temos um país atrativo, onde apetece
viver. Lamentavelmente aquilo que hoje vi e ouvi faz-me arrepiar os cabelos.
Como sempre fui frontal, inconformado e moralizador, não resisto em dar
prioridade a este relato que me envergonhou e me impele a transformá-lo numa
sátira ao modo como se exerce a cidadania.
Em meados 2015, conheci um
cidadão que nasceu num país de Leste e tem residência em França. E
alternadamente em Portugal. É filho de uma emigrante Transmontana que casou com
um argelino. Os pais já faleceram. O filho casou com uma senhora, também de
Leste. Esse cidadão com idade a rondar os 30 anos, fez o serviço militar em
vários palcos de guerra e foi graduado em capitão, acabando por por sair, como
deficiente, ao fim de meia dúzia de anos. Tentou refazer a sua vida civil num
périplo que abrange alguns dos países
soviéticos, França e Portugal. O seu avô materno nasceu e viveu em
Guimarães e, na década de sessenta, foi jogador do Vitória Sport Clube. Em
homenagem a esse seu avô – João Costa – e a sua Mãe, acabou por adquirir
residência de férias na cidade de Guimarães. Mas também estaciona em Esposende
e em Portimão, paradeiros que usa para vendas ocasionais de imobiliário. Numa das suas passagens pela rua onde vivo, em Guimarães, vendo muitos
livros, parou e, no seu português de emigrante de leste, misturado com o
inglês, francês e outros idiomas que nascem por simpatia semântica,
perguntou-me se eu tinha algum livro do Dr.
Adérito de Freitas, um arqueólogo vivo, natural de Carrazedo de
Montenegro, do concelho de Valpaços, terra da
sua mãe. Esta informação, foi o bastante para não mais esquecer este
jovem emigrante. Entretanto soube que ele perdera a carteira, onde guardava
cartões de crédito, bilhete de identidade e outros pertences que tinham a ver
com a entrada e saída nas fronteiras. Procurou-me a dar-me conta. Aconselhei-o a ir à PSP apresentar a
participação, o que fez. Dias depois soube que alguns dos documentos foram
apanhados na Vila das Taipas. Os larápios fizeram compras às mãos cheias. E a
rede provocou um engarrafamento tal que os bancos cancelaram o acesso às contas
do próprio, a ponto de se transformar essa situação num bloqueio que ainda
perdura e perdurará... Há
dias, vindo de Espanha pelo Gerês, quando se dirigia a um café para comprar
tabaco, foi compelido por uma brigada da GNR a bufar ao balão. Acusando
positivo foi-lhe apreendida a viatura, retirada a carta de condução e mandado
apresentar ao Tribunal de Vila Verde, que o notificou para ser julgado no dia
seguinte, o que aconteceu. Nada a destoar nesse julgamento a que assisti. Por não
ter antecedentes, ficou inibido de conduzir por cinco meses. E uma multa de 500
euros. No final soube-se que na véspera o Tribunal de Vila Verde, fora palco de
desusadas movimentações periciais. Logo chegaram ecos de que o cidadão, que tem
casa em Esposende e que «suspeitam ser o tal terrorista, fora apanhado e se
encontrava a contas com a justiça. Alguns se preparavam para engaiolar o
cidadão que desprotegido e indefeso correu riscos que nada têm a ver com o
cenário que circulou. Foi uma tarde de «terror». O «dito» terrorista teve de ligar para a
embaixada do seu país que de imediato
destacou uma jurista e uma tradutora que acalmaram o ambiente. Nessa noite as televisões não difundiram uma
reportagem urbi et orbi porque o bom senso imperou. No dia seguinte a Juíza
julgou o «terrorista» da véspera, com toda
a eficiência e simpatia. Do que se passou nessa tarde para recuperar a
viatura e «alguns» pertences que desapareceram, enigmaticamente, do interior da viatura desse temível
«terrorista», não adiantamos comentários. Mas algo se passou de muito grave. O
que temos é o dever de afirmar que o
«simplex» que foi criado com tanta gala e mediatismo, a ponto de promover a sua
autora, a ministra do atual governo, redundou em «complex» em relação aos
cidadãos, nomeadamente, como este que em vez de os tratar com humanismo, dignidade e
compreensão, correm o risco de serem confundidos como verdadeiros terroristas, só porque o pai é
argelino e ele próprio usa barba e tem
tez de oriental. Se todos os vigilantes do Estado português fossem tão
zelosos, tão sérios e tão corretos como este que alarmou a pacata vila de Vila
Verde, estaria o país mais sossegado e mais enriquecido...
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