Por Alexandra Prado
Coelho
Fugas - Noticias
in: Fugas – Noticias – Jornal Público - 02.12.2015
Virgílio Gomes, estudioso
da gastronomia nacional, acaba de lançar um 'Dicionário Prático da Cozinha
Portuguesa' com 3700 entradas para acabar com todas as dúvidas.
Um abacate, todos saberão
o que é, mas um abará? Chanfana, muitos conhecem com certeza, mas quantas
chanfanas podemos encontrar em Portugal? O que distingue a Chanfana à moda de
Coimbra da à moda de Cernache ou da de Vila Nova de Poiares? E quem sabe o que
é a Moreia dos Almocreves? Como são feitos os Sonhos à Antiga? E o que será uma
Sopa à Leão Veloso?
Estas são apenas algumas
das entradas, escolhidas ao acaso, de entre as 3700 do Dicionário Prático da
Cozinha Portuguesa, da autoria de Virgílio Nogueiro Gomes e edição da Marcador.
O livro, que acaba de ser lançado, foi pensado para suprir uma falha que o
autor sentia há já muito tempo. “Muitas vezes, num restaurante os empregados de
mesa não sabem explicar o que é a cozinha portuguesa. Não conseguem dizer a
diferença entre um bacalhau dourado, à lisbonense ou à Brás. Isto porque têm
uma formação cada vez mais rápida e menos eficiente.”
Este é um livro feito a
pensar nos profissionais de cozinha, oferecendo-lhes um manual fácil de
consultar de cada vez que surja uma dúvida – é, aliás, dedicado a “todas e
todos os que diária e corajosamente enfrentam os tachos e os fogões”. Mas
destina-se também ao público em geral porque não entra em detalhes técnicos e
tem muitas curiosidades que interessam a qualquer amante da cozinha portuguesa
que queira impressionar citando, por exemplo, 40 receitas diferentes de
bacalhau ou os nomes dos diversos queijos DOP que existem em Portugal.
Foi um trabalho que
“começou há anos”, conta Virgílio Gomes. Muito dele foi feito para dois livros
anteriores do autor, o Tratado do Petisco e das Grandes Maravilhas da Cozinha
Nacional e Doces da Nossa Vida – Segredos e Maravilhas da Doçaria Tradicional
Portuguesa. Logo aí foi construindo uma tabela com todas as receitas que
incluiu nos livros, ao mesmo tempo que, aproveitando o trabalho de investigação
a que se dedica continuamente, foi criando um ficheiro com muita da
terminologia usada para as coisas de cozinha nos diversos linguajares
regionais. “Só relativamente a Trás-os-Montes tenho quatro dicionários de
falares transmontanos”, diz o autor, que é natural de Bragança.
Confessa, contudo, que
esta foi a parte mais difícil do livro, para a qual se socorreu também de
muitas monografias regionais editadas pelas câmaras municipais que foi
recolhendo nas suas viagens pelo país. O dicionário inclui também nomes e
palavras usadas nos outros países onde se fala português, até porque “muitos
desses termos entraram já na nossa linguagem de todos os dias”. E assim temos
por exemplo o Pé de moleque do Brasil, ou a palavra Quitutes, que em Angola
significa petiscos e para os brasileiros quer dizer “iguaria especial ou bem
preparada”.
Outra opção tomada pelo
autor foi a de incluir no livro os doces de Fabrico Próprio, ou seja, os bolos
que encontramos em todas as pastelarias. Fê-lo por entender que “fazem parte do
nosso quotidiano e entram-nos pela casa dentro”. Teve, no entanto, o cuidado de
não fazer referência a nenhuma marca registada, como é o caso do Pastel de
Belém.
Com grande parte do
material em mãos, foram precisos ainda dez meses de “trabalho intensivo, com
oito a dez horas por dia em frente ao computador” para organizar tudo. “Tinha
sempre vinte ou trinta livros à frente para confirmar cada coisa”, explica.
Para as receitas consultou sempre no mínimo três fontes, cruzando informação
para apresentar a versão mais rigorosa possível.
Mas, apesar de com quase
quatro mil entradas o dicionário ser muito exaustivo, Virgílio Gomes sabe que
este é um trabalho que nunca está concluído. “A Maria de Lourdes Modesto conta
que ainda hoje, 40 anos depois do seu livro [Cozinha Tradicional Portuguesa],
aparecem pessoas a dizer que falta uma receita muito importante da aldeia
delas.” Por isso, prevendo já que, inevitavelmente, o mesmo vai acontecer com
este dicionário, o autor deixa uma nota no início: “Se sentirem a falta de
alguma receita ou algum produto, queiram informar-me, que as vossas
recomendações ficarão registadas para edições futuras”.
Para que o título deste
texto não desperte dúvidas, aqui se deixam as definições da primeira e última
palavra do Dicionário. “Aba: parte da carne de bovino, cortada da costela
inferior”, “Zurrapa: qualificativo de baixa qualidade, tradicionalmente para
vinho”. E para quem, desde a primeira frase, se esteja a interrogar sobre o que
é um abará, aqui fica também: “Prato afro-brasileiro da Baía, feito com feijão-frade
sem pele, em puré com cebola, sal e óleo de dendê, que é cozido envolto em
folha de bananeira. Depois é servido com camarões secos, óleo de dendê,
pimenta-malagueta, cebola e gengibre ralado.”
Dicionário Prático da
Cozinha Portuguesa
de Virgílio Nogueiro Gomes
edição Marcador, 392pp, 14x21 cm
Preço de capa: 18,50 euros
Sem comentários:
Enviar um comentário