Paulo
Ferreira
28/11/2015 – in Observador
Depressa Costa chegará à
encruzilhada fatal: salvar o governo ou salvar o nosso país? O que fará então?
Cede ao PCP e BE para salvar a pele de primeiro-ministro, hipotecando mais um
pedaço de futuro?
A inevitabilidade que
começou a desenhar-se logo após as eleições cumpriu-se e António Costa já é
primeiro-ministro. Chegou lá pelos becos e atalhos que se conhecem, garantindo
ao país que a nobreza e urgência dos fins justificavam todos os meios. Os fins
eram afastar do poder a direita – objectivo cumprido no exacto momento da
tomada de posse – para aplicar a sua alternativa e resgatar o país da “política
de empobrecimento” – que são os capítulos que se seguem.
Tamanho sobressalto,
dramatizado e radicalizado qb, colocou as expectativas lá em cima. Os
portugueses não esperam menos do que uma rápida recuperação dos seus salários e
pensões, a descida dos impostos, a queda do desemprego, um crescimento
económico mais rápido, mais investimento e regras laborais mais rígidas na
manutenção dos postos de trabalho. Aguarda-se também que chegue mais dinheiro à
Saúde, Educação, Ciência e Investigação e Cultura. Tudo isto cumprindo as
regras orçamentais acordadas com Bruxelas, baixando o défice e a dívida, e
mantendo os mercados abertos para o financiamento do país a taxas de juro
suportáveis.
Esta é a parte das contas
que não pode falhar. Só por si, compatibilizar estes objectivos já é tarefa
hercúlea. Sê-lo-ia sempre para um governo de maioria absoluta, coeso e com
apoio parlamentar inequívoco.
A isto junte-se então a
permanente negociação que terá de ocorrer com o Bloco de Esquerda e do PCP,
medida a medida, número a número, linha a linha e o grau de permanente
incerteza e instabilidade que esse processo provoca.
Já dávamos como certo que
os três partidos tinham um acordo sobre a eliminação da sobretaxa de IRS e a
reposição dos cortes salariais na função pública. Isso permitiria pensar na
aprovação do Orçamento do Estado para 2016 como sendo um assunto encerrado e
preso apenas por detalhes. Afinal, pode estar é preso por arames. As certezas
de ontem são as incertezas de hoje e à esquerda não há ainda entendimento sobre
essas questões
(http://observador.pt/2015/11/26/pcp-be-admitem-divergencias-ps-na-sobretaxa-cortes-salariais/).
É um exemplo entre os
inúmeros que irão suceder-se. Uns vão ser do conhecimento público, outros
ficarão no recato dos gabinetes. Nada de novo, é assim mesmo a política, hoje
como ontem. Não, tudo de novo porque este é um governo que terá que garantir a
sua sobrevivência numa base diária com as negociações à esquerda.
Como se fazem planos
estratégicos para o futuro, como se desenvolve uma ambiciosa “agenda para
década”, como se reforma e se inquietam corporações e interesses instalados se
não sabemos se chegamos ao Natal? Ou à Páscoa seguinte? Ou ao Verão que se
segue?
Rapidamente António Costa
chegará à encruzilhada fatal: salvar o seu governo ou salvar o nosso país? O
que fará nesse dia? Cede ao PCP e BE para salvar a pele de primeiro-ministro,
hipotecando mais um pedaço de futuro? Ou saberá dizer “não”?
“Não”
é a palavra mais útil para um governante em cenário de crise e nestas circunstâncias
reforça o seu valor.
Pela forma como chegou ao
poder António Costa não tem margem para falhar.
Se quer ser coerente com
o discurso do último ano e com o assalto ao poder que fez nas últimas semanas
tem que acabar a austeridade. E tem que fazê-lo depressa, porque essa é a
mudança política que prometeu e que vendeu como causa de vida ou morte para o país.
Se quer ser coerente com
a matriz institucional que acabou por defender, tem que cumprir as regras
orçamentais e manter a confiança que mantém os mercados a financiar o país.
Qualquer coisa que seja
menos do que isto, que não dê mais dinheiro e mais empregos às pessoas sem
atirar de novo o país para o charco, saberá a pouco e ninguém entenderá a
barulheira das últimas semanas. O PCP e o BE serão, a este nível, os maiores
vigilantes da entrada e permanência naquilo que consideram a sua “linha justa”.
Como Francisco Louçã
escreveu há dias no Público, “o risco maior do PS é ser algum dia visto como
criador de uma política similar à que laboriosamente deslocou. ‘Tanta coisa
para nada’ é a única frase que o PS não se pode submeter a ter que ouvir”.
É precisamente isso.
António Costa não ganhou as eleições mas achou-se fundamental para dar um
futuro ao país. E voluntariou-se, dizendo que ele é que é o governante certo,
com a política necessária, na hora exacta. Dele não se espera menos do que
sair, daqui a muitos anos, pela porta grande por onde não entrou. O país está à
espera e saberá agradecer.
Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com
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