Possivelmente já Platão conhecia este aforismo quando
escreveu a República. Passados dois mil e quatrocentos anos, há muitos
políticos de capoeira que não conhecem o livro, nem o seu autor. Talvez fosse bom criar um curso superior de
oratória científica, (não demagógica) para que os políticos (de direita, de
centro ou de esquerda), não sejam recrutados nas universidades do verão, entre
os coladores de cartazes ou nas praxes académicas, onde o cheiro a vinho e
quejandos tresanda. Alguns nunca vestiram um fato, nunca usaram gravata, nada
sabem de protocolo e desconhecem as hierarquias ou precedências. No
rodopio dos que saíram e dos que
entraram na tarde do 26 de Novembro, na «geringonça» governativa, qualquer
telespetador se apercebeu da estreiteza cívica de gente mediatizada nas
tabletes, telemóveis da última geração ou ao volante dos porches mais potentes.
Quem acompanha, pela televisão, esses tiques, trejeitos ou hábitos grotescos,
mesmo que toleráveis na informalidade do dia a dia, fica com essa amalgama na
retina para toda a vida. Desta vez deu mais nas vistas porque foi uma espécie
de excrescência democrática. Uma passarelle para cada um dos 58 que entraram e
alguns dos que saíram. Um desfile de vaidades incontroladas e ansiosas por
chegarem ao ar condicionado dos gabinetes do poder alheio, subtraído na noite
de 4 de Outubro, à socapa do povo que os derrotou. Só desta forma chegaram,
onde nunca estariam, se a esquerda
radical não abdicasse da sua ideologia. Foi algazarra a mais para mérito
a menos. A teatrada a que o país assistiu com a mudança de governos, com o
passo trocado e em sentidos opostos, vai ficar na história da democracia
portuguesa, muito desfasada daquela que Platão previu na sua República e que
Aristóteles consignou na Politeia. Vão ter muito que treinar como Demóstenes
treinou a sua gaguês, com seixos na boca, para chegar ao melhor orador do seu
tempo.A Politeia e a
República desses vultos atenienses foram deturpadas, antes e durante, essa
teatrada a que o país assistiu, na tarde imediata ao histórico 25 de Novembro.
Foram precisas quatro forças políticas, renegando os seus princípios básicos
para trocar o passo, como quem diz, passar uma rasteira, à legitimidade, para
chegar ao poder. Nunca se vira. E o Povo não perdoará, num próximo ato
eleitoral, que quatro forças partidárias, esfaimadas, disfarçadas de cordeiros
mansos, com roupagens de anjo, mas agindo como diabos, troquem o seu ideário,
por um prato de lentilhas. Não mais deverão, esses políticos que destronaram o
governo legítimo, propalar que o voto é a arma do Povo. Os quatro partidos que
hipotecaram os seus ideários para derrubarem o governo legítimo, disseram uns
dos outros que eram «farinha do mesmo saco». Só depois de todos saírem
derrotados, esqueceram os insultos e, da noite para o dia, gizaram um casamento
de conveniência, para que António Costa chegasse, pela porta do cavalo, ao
cargo que por mérito popular, nunca teria. Tudo seria diferente se ele,
previamente, tivesse anunciado esse truque, esclarecendo o eleitorado que faria coligação com a esquerda radical,
se não ganhasse as eleições. Mas nem uma palavra disse.
Pode António Costa
salvar-se desta acusação se conseguir, apesar da derrota vergonhosa que o povo
lhe deu, pela traição que fez ao camarada António José Seguro, exigir dos
partidos da esquerda que cumpram as promessas que viabilizaram a ascensão a
primeiro ministro. Porque a direita não perdoará a traição de que foi vítima.
A direita deve pensar mais
no país do que nos partidos. Fazendo uso da abstenção e não do voto contra,
sobretudo em matérias essenciais. Deve ser diferente da esquerda. Porque sempre
a direita salvou a honra do convento, debaixo da contestação da esquerda que
fala em «patriotismo» mas proclama «o não pagamos». Bastou ouvir os debates dos
dois dias seguintes nas televisões. Os quatro juntos abafam os dois da direita.
Andam aos abraços, aos beijinhos, às subserviências de uns aos outros. A
algazarra, o tom de voz, os elogios hipócritas que substituíram as acusações
descabeladas. A orquestração desrespeitosa ao chefe de estado, a linguagem
imprópria dos representantes do povo,a inversão dos valores essenciais à
democracia, tudo isso entrou no desvario da arruaça, só porque o PR promete
exercer os seus direitos constitucionais.
O PR tem o direito e
o dever de zelar pelo rigor de um acordo que nunca foi mostrado, a quatro.
Sempre dois a dois. E já há provas. O Parlamento, em horas, desfez o que havia
sido aprovado em relação aos gays, às lésbicas, à adoção, às taxas relacionadas com o aborto. Costa já
veio protelar regalias que prometeu ao funcionalismo. E o mais que se verá.
A terminar dois
reparos a António Costa. O primeiro tem a ver com o maior número de ministros e
de secretários de estado. Só nesse diferencial de governantes há muitos milhões
em vencimentos, mordomias, assessores, viaturas e exigências administrativas. O
segundo tem a ver com o desprezo pelos Transmontanos, em especial, do distrito
de Vila Real, ao não chamar para o numeroso executivo qualquer governante. É a
primeira vez que tal acontece. Porque
será?
Barroso da Fonte
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