terça-feira, 26 de maio de 2015

EM MEMÓRIA DE MIGUEL TORGA

Foto no «Espaço Cultural Miguel Torga» -Encontro de escritores, em 25ABR2015, promovidos pelo Grémio Literário Vila-Realense, tendo ao centro o seu Director, escritor Pires Cabral, e à sua direita, Henrique Pedro, e à esquerda, Jorge Lage.

Jorge Lage
Tenho um trabalho complicado, que me liga ao telúrico Miguel Torga, ao coleccionar primeiras edições da sua obra, por um lado nem sempre o dinheiro estica e, por outro, a ida à net licitar este ou aquele livro não é carreirão que eu saiba ou queira trepar, por não ter tempo e jeito para as novas tecnologias.
Da sua escrita, marcou-me com um ferrete em brasa, muitos dos seus contos, dos poemas e dos XVI Diários. Aprendi a ter uma cumplicidade com a obra de Miguel Torga. Na minha modesta colaboração com a imprensa regional trasmontana, acabei por incluir e divulgar trinta poemas do «Poeta da Montanha». Cada texto escrito ou poema publicado sentia que era uma flor depositada na campa da sua memória.
Foi a Miguel Torga (e Aquilino Ribeiro) que fui buscar a força para assumir a ruralidade lexical, a procura da arqueologia linguística e, por vezes, o prazer de lhe dar vida.
A vida da família de Adolfo Rocha, em S. Martinho d’Anta e das gentes durienses foi de uma dureza e negritude imensa, que o veio marcar para sempre e contida no dito avoengo: pobre pássaro que nasce em ruim ninho!
Terminada a instrução primária, com os seus pais, constrói um presépio em movimento entre S. Martinho e o seminário de Lamego, apesar do pai o querer enviar para o Brasil. No ano seguinte, encarna no Porto o papel de moço de recados, mas, as humilhações das filhas da burguesia, empurram-no, de novo, para a casa paterna, para rumar ao Brasil.
No Brasil, fez-se homem e podia ser um dos grandes vultos das letras em Terras de Vera Cruz, mas uma tia machorra e desumana troca-lhe as voltas e regressa com destino à academia coimbrã. Para trás, ficava a memória dos amores insaciáveis de Etelvina e os fugazes com a mulher do Oleiro. Já como médico, em Leiria, a fome das carnes são-lhe saciadas pela criada. Há ainda o amor de uma professora do Minho, que não lhe compreendia o trabalho criativo da escrita e esqueceu-a.
 Em certo sentido, nunca virou a cara às suas raízes e nos contactos sociais preferia a conversa de um contínuo, de um porteiro ou de um agricultor humilde à da gente abastada ou da ribalta. Por isso, os amigos eram poucos. Soube cedo o valor do dinheiro e o que custa ganhar a vida num Portugal rural, dominado pelos grandes proprietários.
Ao longo da minha vida tenho ouvido aguilhões de palavras como: sovina, intratável ou ganancioso. Como compreendo e me orgulho da sua firmeza perante os poderosos ou bafejados pela sorte!...
Quantas vezes vi Miguel Torga em Chaves, na companhia do ilustre e afável hidrologista Mário Carneiro? E nunca me abeirei dele para o cumprimentar. Mais tarde, não consegui conter o impulso, ao passar no Largo da Portagem, em Coimbra, subi ao seu consultório, respondendo-me o silêncio infindo.
Pode-se ser pobre e não se estender a mão de pedinte. Miguel Torga quando bateu à porta de uma editora sentiu essa revolta passando, para sempre, a publicar por sua conta e risco.
Segundo me confidenciou o saudoso Padre Avelino, na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga, a mágoa com que Miguel Torga morreu, foi de alguns «amigos» da esquerda, mais estalinista, lhe barrarem o possível caminho da glória. Moveram influências para que a sua candidatura ao Prémio Nobel da Literatura, da Academia Sueca, não fosse considerada, apesar da imensa qualidade e criatividade da sua escrita, de ter estado preso pelo antigo regime e ser um lutador pela liberdade de pensamento.
Outro dado curioso sobre Miguel Torga era o trabalho que ocupava a compor um texto. Ao contrário da facilidade com que, o seu amigo, António Cabral ajardinava uma embelga de letras e, no dizer, do vila-realense, Nelson Vilela, haveria uma ponte de ciúme do «Poeta da Montanha» para com o «Poeta do Douro».
Se Miguel Torga estivesse entre nós, seria como um elefante numa encaquilhada loja de porcelanas. Se a sua pena arremetesse contra o oportunismo de muitos políticos e seus acólitos, no redesenhar de valores da sociedade ou no rumo formal que alguns iluminados que estão a dar à língua portuguesa, no (des)acordo ortográfico, como se esta fosse coutada de visões e interesses menores, suportando um amesquinhamento tropical.
Este ano, quero visitar as viçosas pionias no seu jardim de S. Martinho. Talvez lá, encontre o Mário da Pensão Central, que me deu a honra de almoçar na cadeira e mesa que estavam sempre guardadas para Miguel Torga.

Braga, 19ABR2015
Jorge Lage

Nota explicativa do autor: 

O texto a trás foi a resposta a um convite do Director do Grémio Literário, ilustre escritor, Pires Cabral, em que me pedia uma página tamanho A4 em memória de Miguel Torga. Ao aceder ao honroso convite quis fazê-lo de um modo que acrescentasse algo mais à sua memória e ao muito que se tem escrito sobre o nosso telúrico escritor. Se não consegui, ficou, pelo menos a tentativa. Poucos teriam a coragem de dizer que os bastidores do Partido Comunista Português moveram influências para que a sua obra não fosse laureada pela Academia Sueca. Foi uma confidência triste que me fez o saudoso Padre Avelino, pároco de S. Martinho d’Anta. Outro aspecto da memória torguiana, é que ele namorou algum tempo com uma professora natural da região do rio Lima ou do rio Vez, mas que nunca identifiquei nem localizei com precisão. Miguel Torga só a deixou, por considerar que só o amor era curto para ele e queria ser admirado como artista do belo e sólido perpianho linguístico. Pôs fim a uma relação e penso que «grosso modo» terá coincidido com o trocar das termais águas do Gerês pelas da terra das «Aquas».


Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 10MAI2015


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