Jorge Lage |
(Os canteiros de Abadim - Terras
de Basto)
Mais, este curto apontamento
etnográfico, da dura e artística labuta da pedra, aparecendo a quadra abaixo
como forma de aliviar o esforço titânico dos pedreiros, fazendo, com ajuda de
roldana, içar as cantarias trabalhadas para as paredes das casas.
Em 1960, os artistas de Abadim
(sob a orientação do mestre) reconstruíram a Igreja de S. Nicolau, ordenada
pelo grande abade Evaristo. Os canteiros bateram as rochas da região e foram
encontrar a melhor textura do granito a Moinhos de Rei, um lugar encantado e
cantado pela Natureza. E a seguir à Igreja ergueram a casa do Afonso pedra a
pedra aparelhada e talhada para a parede.
O que dizia então o jovem Abílio
que serrava, aplainava, torneava e aplicava a madeira:
«Durante uns meses, partilhei o
caminho com artistas da minha terra, a quem chamava índios, porque seguiam em
fila indiana por montes e ladeiras. Construíam uma casa chamada do Afonso
«Gordo» (polícia reformado), no lugar das Lameirinhas, em S. Nicolau de Basto
(Cabeceiras de Basto). Dois madeiros cruzavam-se no ar, atados pelas pontas, e
ficavam separados na parte inferior que assentavam no chão. Era grua
(artesanal) com uma corda, uma roldana, e um gancho... O Martinho, era um jovem
pedreiro, e cantava a pedra que lentamente subia, puxada por homens, até poisar
no lugar onde um artista com o seu ferro de acento a fazia encaixar.
A melodia era tão linda que um
rapaz (o Abílio) ficava a espera da próxima pedra.
- Cada uma tinha direito a música (em voz cadenciada, do Martinho, ou do
Morais, ou do Zé), à medida que era içada com a força braçal:
Ou pedrinha!
Ó grande pedra! Oupa!
Ou! Ou! Pedrinha!
Ó grande pedra! Oupa!
E parecia subir sem qualquer
esforço, tal era o encanto que a sua volta se criava
No momento que a pedra assentava
na parede, o Martinho vingava-se, na voz, do esforço braçal gasto, terminando
com o verso: Ó grande p(uta)!
Pouco tempo depois o Martinho
partiu e levou a sua voz para sempre. A voz do encantador de serpentes!...
Neste caso, particular, de pedras»!
Os índios da minha vida
ou
Filhos da terra batida
Os índios da minha vida,
Filhos da terra batida
E banham nas cachoeiras.
O perfume que levantam,
Tríade que vem do chão,
As melodias que cantam
São compostas pela razão.
Deixam no monte caminhos,
Trilhos de zorra de antanho,
Cantaria perpianho,
Pedras de todo o tamanho,
Poisos, lagares e moinhos.
Arquitectos, engenheiros,
Até lhe chamam pedreiros,
Todos carregam farnel,
Ferro do monte cinzel,
Ponteiro, maceta e guilhos,
Marcas que deixam prós filhos,
Já nasceram na soleira.
Vivem na terra batida,
Só banham na cachoeira.
Abílio Bastos, Abadim, 1963
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