Barroso da Fonte |
A última edição do Jornal de
Matosinhos deixa qualquer leitor vergado ao peso das leviandades grosseiras
de quem conquista o poder para, em nome da pluralidade, da isenção e da justiça
social, exercer a mais vil tirania, desumanidade e descriminação.
Heitor Ramos
entrevistou Pedro da Vinha Costa que foi deputado na Assembleia da República e
que é vereador da oposição ao executivo liderado por Guilherme Pinto, na Câmara
de Matosinhos. Em manchete, ilustrada com a foto do autarca, leu-se na última
edição: «Contra perseguição da Câmara ao JM, vereador da oposição ataca
despesismo desenfreado da
Municipalidade». Na página 7 o vereador relata dois factos. No
primeiro diz: «Censura ao Jornal de Matosinhos: a câmara desfaz-se em
campanhas de propaganda nas quais investe muitos milhares de euros que abafam
tudo quanto é discordância ou oposição. Um exemplo: foi apresentada pelos
próprios serviços da Câmara uma proposta de colocação de publicidade em dois
jornais como a lei manda a propósito do PDM. A proposta sugeria que fosse feita
no Público, e no Sol. A oposição apoiava que essa publicidade saísse nesses
dois jornais de âmbito nacional e também no único Jornal de Matosinhos».
Guilherme Pinto alegou que apenas seria dada ao Público, porque o JM
e o Sol têm a sua total discordância
editorial.
Pedro Vinha da Costa é peremptório a afirmar
que «nos últimos meses há uma evidente degradação da autoridade na câmara»
e, para além dessa degradação funcional e política, há o pior de todos os
vícios que é o regresso à censura que é inconciliável com a democracia. De
resto este deplorável crime não é exclusivo em Guilherme Pinto. Nos quase dez
anos que leva de exercício no cargo sempre perseguiu o mais dinâmico, coerente
e sério órgão de informação concelhio. Perseguiu-o sempre por razões
ideológicas. Por algum motivo o próprio partido o excluiu da recandidatura
neste último mandato. António José Seguro tomou essa corajosa decisão de não
recandidatar autarcas com complexos censórios. Guilherme Pinto, mal António
Costa destronou Seguro, de forma nada ortodoxa, correu a abraçar o novo
Secretário Geral e a visitar José Sócrates na Cadeia de Évora. O que ainda não
teve foi um raio de clarividência humanitária para se reconfortar na paz social
e cívica com o Jornal de Matosinhos e com o Dr. Pinto Soares, seu director.
Este regressou de Moçambique, no drama da «descolonização exemplar», com meia
dúzia de filhos e Mulher que sempre foram a sua maior riqueza. Em vez de
sobreviver com os apoios oficiais, como tantas famílias, recomeçou a vida,
criando e dirigindo o JM e a empresa gráfica, onde colocou toda a família. O
seu Jornal impôs-se pela qualidade, pela
defesa das causas nobres e pela superação dos valores sociais. Resistiu durante
mais de 30 anos às injustiças arbitrárias que colidiram sempre com a mais
elementar democracia. Guilherme Pinto não tem o direito de dar a um só jornal a
publicidade institucional que é paga pelos munícipes e que deve ser repartida
equitativamente. Os favores pessoais não podem nem devem ser pagos com aquilo
que é de todos. O Jornal Sol e o Jornal de Matosinhos podem
recorrer ao Ministério Público e à Entidade Reguladora da Comunicação Social para que o cidadão
Guilherme Pinto justifique as razões do défice democrático que o leva a dar a
uns aquilo que pertence a todos. Não basta dizer que se é de esquerda. Ser de
esquerda não é o mesmo que dar ao jornal que cultiva a imagem do doador, aquilo
que é de todos os munícipes e que pode não agradar ao chefe do executivo, ou aos
1700 funcionários da Câmara, mas agrada à verdade da gestão municipal.
Não conheço
Guilherme Pinto a não ser pela imagem que me chega através de colaboradores de
alguns desses jornais, nomeadamente, de um seu antecessor que é Narciso
Miranda. Também ele foi vítima de alguns atropelos democráticos, como foi
António José Seguro. Se Guilherme Pinto tivesse vislumbres deste e de outros
autarcas, embora poucos, que serviram sem se servirem, talvez ficasse na
história Matosinhense. Pela forma como complicou o uso do jazigo à Mulher do
Dr. Pinto Soares, ficou clara a perseguição a quem, nem depois de morto,
consegue ter paz. Infelizmente não é caso único da prática da mais descarada
vingança.
Se o autor desta nota de mau humor, acentua o
que deixa dito, com alguma veemência, é porque sofreu na pele o rigor da
censura do Estado novo, em tempos em que o autarca visado, disso não se
lembrará. E também porque o mesmo cronista, episodicamente, foi convidado, em
1986, a concorrer à Câmara de Guimarães por uma força política que saiu
vencedora por uma escassa centena de votos. Nessa altura o mesmo cronista
levava consigo a amarga certeza de que a «censura democrática» é hoje maior e
mais açambarcadora do que aqueloutra e que os mártires de hoje são muito mais
sacrificados do que os de ontem, porque
cometem crimes tremendos sob o véu da ignorância de que John Rawls
falava no seu tratado de justiça social. Com base nessa certeza e com as
competências que lhe foram atribuídas, em relação à imprensa, logo à chegada,
bastou redigir e fazer cumprir o Despacho 16 de 21/4/1986 que vigorou
até Janeiro de 1990. Foi remédio santo. Os sete jornais que o concelho teve
nesse período viram extinta «uma das maiores pragas democráticas» que
suportavam o dito popular: «quem está com o poder come; quem não está, nem come
nem cheira».
Barroso da Fonte
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