quarta-feira, 11 de março de 2015

Os mártires da democracia Portuguesa - Barroso da Fonte



Barroso da Fonte
A última edição do Jornal de Matosinhos deixa qualquer leitor vergado ao peso das leviandades grosseiras de quem conquista o poder para, em nome da pluralidade, da isenção e da justiça social, exercer a mais vil tirania, desumanidade e descriminação.
Heitor Ramos entrevistou Pedro da Vinha Costa que foi deputado na Assembleia da República e que é vereador da oposição ao executivo liderado por Guilherme Pinto, na Câmara de Matosinhos. Em manchete, ilustrada com a foto do autarca, leu-se na última edição: «Contra perseguição da Câmara ao JM, vereador da oposição ataca despesismo desenfreado da  Municipalidade». Na página 7 o vereador relata dois factos. No primeiro diz: «Censura ao Jornal de Matosinhos: a câmara desfaz-se em campanhas de propaganda nas quais investe muitos milhares de euros que abafam tudo quanto é discordância ou oposição. Um exemplo: foi apresentada pelos próprios serviços da Câmara uma proposta de colocação de publicidade em dois jornais como a lei manda a propósito do PDM. A proposta sugeria que fosse feita no Público, e no Sol. A oposição apoiava que essa publicidade saísse nesses dois jornais de âmbito nacional e também no único Jornal de Matosinhos». Guilherme Pinto alegou que apenas seria dada ao Público, porque o JM e o Sol  têm a sua total discordância editorial.
  Pedro Vinha da Costa é peremptório a afirmar que «nos últimos meses há uma evidente degradação da autoridade na câmara» e, para além dessa degradação funcional e política, há o pior de todos os vícios que é o regresso à censura que é inconciliável com a democracia. De resto este deplorável crime não é exclusivo em Guilherme Pinto. Nos quase dez anos que leva de exercício no cargo sempre perseguiu o mais dinâmico, coerente e sério órgão de informação concelhio. Perseguiu-o sempre por razões ideológicas. Por algum motivo o próprio partido o excluiu da recandidatura neste último mandato. António José Seguro tomou essa corajosa decisão de não recandidatar autarcas com complexos censórios. Guilherme Pinto, mal António Costa destronou Seguro, de forma nada ortodoxa, correu a abraçar o novo Secretário Geral e a visitar José Sócrates na Cadeia de Évora. O que ainda não teve foi um raio de clarividência humanitária para se reconfortar na paz social e cívica com o Jornal de Matosinhos e com o Dr. Pinto Soares, seu director. Este regressou de Moçambique, no drama da «descolonização exemplar», com meia dúzia de filhos e Mulher que sempre foram a sua maior riqueza. Em vez de sobreviver com os apoios oficiais, como tantas famílias, recomeçou a vida, criando e dirigindo o JM e a empresa gráfica, onde colocou toda a família. O seu Jornal impôs-se  pela qualidade, pela defesa das causas nobres e pela superação dos valores sociais. Resistiu durante mais de 30 anos às injustiças arbitrárias que colidiram sempre com a mais elementar democracia. Guilherme Pinto não tem o direito de dar a um só jornal a publicidade institucional que é paga pelos munícipes e que deve ser repartida equitativamente. Os favores pessoais não podem nem devem ser pagos com aquilo que é de todos. O Jornal Sol e o Jornal de Matosinhos podem recorrer ao Ministério Público e à Entidade Reguladora  da Comunicação Social para que o cidadão Guilherme Pinto justifique as razões do défice democrático que o leva a dar a uns aquilo que pertence a todos. Não basta dizer que se é de esquerda. Ser de esquerda não é o mesmo que dar ao jornal que cultiva a imagem do doador, aquilo que é de todos os munícipes e que pode não agradar ao chefe do executivo, ou aos 1700 funcionários da Câmara, mas agrada à verdade da gestão municipal.
Não conheço Guilherme Pinto a não ser pela imagem que me chega através de colaboradores de alguns desses jornais, nomeadamente, de um seu antecessor que é Narciso Miranda. Também ele foi vítima de alguns atropelos democráticos, como foi António José Seguro. Se Guilherme Pinto tivesse vislumbres deste e de outros autarcas, embora poucos, que serviram sem se servirem, talvez ficasse na história Matosinhense. Pela forma como complicou o uso do jazigo à Mulher do Dr. Pinto Soares, ficou clara a perseguição a quem, nem depois de morto, consegue ter paz. Infelizmente não é caso único da prática da mais descarada vingança.
  Se o autor desta nota de mau humor, acentua o que deixa dito, com alguma veemência, é porque sofreu na pele o rigor da censura do Estado novo, em tempos em que o autarca visado, disso não se lembrará. E também porque o mesmo cronista, episodicamente, foi convidado, em 1986, a concorrer à Câmara de Guimarães por uma força política que saiu vencedora por uma escassa centena de votos. Nessa altura o mesmo cronista levava consigo a amarga certeza de que a «censura democrática» é hoje maior e mais açambarcadora do que aqueloutra e que os mártires de hoje são muito mais sacrificados do que os de ontem, porque  cometem crimes tremendos sob o véu da ignorância de que John Rawls falava no seu tratado de justiça social. Com base nessa certeza e com as competências que lhe foram atribuídas, em relação à imprensa, logo à chegada, bastou redigir e fazer cumprir o Despacho 16 de 21/4/1986 que vigorou até Janeiro de 1990. Foi remédio santo. Os sete jornais que o concelho teve nesse período viram extinta «uma das maiores pragas democráticas» que suportavam o dito popular: «quem está com o poder come; quem não está, nem come nem cheira».
                                                                                           Barroso da Fonte



Sem comentários:

Enviar um comentário

Poucos mas bons (o combate ao tráfico de escravos)

  A Marinha Portuguesa teve um destacado historial de combate ao tráfico de escravos ao longo do século XIX. Poucos, mas Bons – Portugal e...