sexta-feira, 13 de março de 2015

AS SARDINHEIRAS DE MIRANDELA PELOS ANOS CINQUENTA


Jorge Lage
Depois de abordarmos a memória imaterial das vendedoras de sardinhas da Torre Dona Chama e da zona de S. Pedro Velho, vamos dar algumas pinceladas sobre as sardinheiras de Mirandela e que daqui irradiavam para as aldeias vizinhas, tendo a década de cinquenta do século XX como principal referência. Não é uma tarefa fácil, porque há sempre alguma incorrecção. Mas tivemos de dar mais este passo em prol da defesa da nossa memória imaterial e da nossa cultura, deixando caminho aberto a quem queira e saiba fazer melhor. Memória lavrada pelo povo humilde com muito suor, fome e lágrimas, mas de rosto erguido a lutar pela vida. Depois, o jornal é quinzenal e não se padece com promessas.
Outro tempo importante era o transporte da sardinha e do chicharro desde a lota de Matosinhos até Mirandela. Sobre este tema alguns contributos foram impulsionados pela mão cultural de Madalena Ferreiro e arrolados por Henrique Pereira, entre eles Adérito Santulhão, bem como de Eduardo Botelho (o mais extenso). Depois de «peneirados» com a ajuda do Jerónimo Pinto e outros. Fica o que me parece mais substancial em termos de resenha memorial, sendo certo que as sardinheiras eram pessoas pobres e cada sardinha tinha de dar para duas ou três crianças. Por isso a mãe ou o mais velho perguntava: - queres para o rabo ou para a cabeça? Como a cabeça é mais espinhosa tinha que ser à vez, rabo ou cabeça.
Como dissemos, em texto anterior, eram vendidas ao quarteirão, sendo doze pares e ó bicho e os chicharros mais aos pares.
Segundo Teresa Sales, na vila, nos anos cinquenta, as vendedeiras de sardinhas (nas aldeias sardinheiras) e de chicharros usavam os trajes típicos das mulheres humildes e de trabalho, em que não podia faltar o avental e a rodilha para suportarem melhor a caixa de madeira à cabeça. A vila sempre se distinguiu das aldeias rurais até no vocabulário.
As vendedeiras (peixeiras) iam de rua em rua com a caixa de madeira à cabeça a vender pelas portas. O peixe melhor como o côngaro, polvo (no Natal era obrigatório, fresco ou curado) e a pescada era despachado, no comboio que saía do Porto (vindo do ramal de Leixões e, mais tarde, em Campanhã) pelas seis horas da manhã, pelos fornecedores de Matosinhos, para os talhos de peixe da Praça do Mercado (do Rodrigo Major, do Rufino Cardoso, do Porfírio das Lamas e do Alberto Dias) de Mirandela, chegando à vila pelas onze horas. Algum transporte, segundo o Eduardo Botelho, era feito pelos recoveiros Eduardo Rodrigues, Daniel Ribeiro ou Armindo «engraixador». Um era vendido nas peixarias e outro, as peixeiras, davam a volta à vila, para ser comido ao almoço.
Pouco resta dessa venda de peixe a retalho e/ou porta a porta e que se destacava pela boa qualidade. Mas, os pregões ficaram gravados no baú da memória. Segundo apurámos, «uma fortalhaça» (a M.ª Blandorra”?”), com a canastra á cabeça, gritava pelas ruas e vielas: - Comprem a rica sardinha! É linda!... É grande!... Tem um lombo comó mou! Algumas sardinheiras terão primeiro vendido alheiras e  depois passaram a pregoeiras do popular peixe, anunciando-o pela vila: a M.ª Miguel (Farragacha”?”), a Reala, a M.ª Lavandeira (dos Lavandeiras da Tarana), a Polónia (do Zé Xaxo que casou com a Celeste Malagueta), a M.ª (mãe da Julieta que casou mais tarde com o Fernando Paulino), a M.ª Ribeiro (Marolha) e a M.ª (Passaroa).
Outros pregões cantarolados ou repenicados: - Ai que rica sardinha! É vivinha e fresquinha! É da camionete! E ainda: - Olha a sardinha linda e vivinha, que veio de Matosinhos! Que rica sardinha fresquinha! É fresquinha e gorda! E mais: - Ai que rica sardinha da camionete! Ou: - Ó vizinha aqui tem um quarteirão mais o bicho!
Nos anos sessenta a «Sópeixe» passa a comercializar parte do peixe congelado e fresco da vila.
Nas aldeias em volta de Mirandela havia quase sempre uma ou duas sardinheiras, sendo gente bastante pobre que se fazia à vida, carregando a caixa da sardinha ou chicharro, cujo peso andava à volta dos 25 kg.
A sardinha e o chicharro eram, geralmente, trazidos da Lota de Matosinhos para o concelho de Mirandela alta madrugada, em carrinha de caixa aberta, para ser vendido nas aldeias logo de manhãzinha para o almoço, jantar ou merenda ou ceia. Tinha paragens estratégicas para deixar alguma caixa ao longo trajecto, irradiando para aldeias afastadas das estradas principais. Terminava, como vimos, na Torre Dona Chama.
Eu sabia que a poetisa Graziela Gomes (Vieira) tinha sido mulher dos sete ofícios, tendo envergado até o camuflado de combate, e é ela que agora me informa que com 12 ou 13 anos (em 1956/57) foi sardinheira. No cruzamento dos Avidagos eram descarregadas algumas caixas de madrugada e ela calcorreava as redondezas, de caixa das sardinhas à cabeça indo até Vila Boa, para ganhar pouco mais que nada. O quarteirão era vendido a cinco croas, mas as pessoas só compravam uma dúzia (só as casas mais abastadas é que compravam o quarteirão) e reclamavam sempre o bicho. As sardinhas escochadas, não eram tão frescas mas vendiam-se e já vinham salgadas.
Em Vale Madeiro quem vendia era a Cândida (Amélia”?”) «Fandenga» (esposa do Ti Alberto «peludo»), a M.ª Margarida e a M.ª (do Albino).
É o Adérito Santulhão que diz que a mãe, M.ª Margarida, era sardinheira (1960), vendendo de aldeia em aldeia - Vale de Madeiro, Cedães, Vale de Asnes, Cedaínhos, Cernadela, Freixedinha e Vale de Lobo. No final ficava sempre com três ou quatro sardinhas para dividir pelos nove filhos. Ela pregoava: - Ai que rica sardinha da camioneta! É nova e é fresquinha!
Mas ia às três da manhã, com o burro, ao cruzamento de Vila Nova das Patas, onde a camionete que ia para a Torre parava, e carregava duas caixas. Aqui também recebia a «encomenda» a sardinheira Preciosa (de Vila Nova).
A caminheta da Margarida, ao longo dos trajectos, tinha as sardinheiras à sua espera para levarem as caixas à cabeça ou nos burros para as aldeias do interior do concelho.
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 23FEV2015

Provérbios:


             Enxame de Março apanha-o no regaço, o de Abril não o deixes ir, o de Maio deixai-o fugir.
             Se o cuco não vier entre Março e Abril ou é morto ou não quer vir.
             Aos três encobrirás e aos quatro não poderás.
             Em tua casa não tens sardinha, e na dos outros pedes galinha.
             Sardinha sem pão é comer de ladrão.





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