Jorge Lage |
Outro tempo importante era o transporte da sardinha e do
chicharro desde a lota de Matosinhos até Mirandela. Sobre este tema alguns
contributos foram impulsionados pela mão cultural de Madalena Ferreiro e
arrolados por Henrique Pereira, entre eles Adérito Santulhão, bem como de
Eduardo Botelho (o mais extenso). Depois de «peneirados» com a ajuda do
Jerónimo Pinto e outros. Fica o que me parece mais substancial em termos de
resenha memorial, sendo certo que as sardinheiras eram pessoas pobres e cada
sardinha tinha de dar para duas ou três crianças. Por isso a mãe ou o mais
velho perguntava: - queres para o rabo ou para a cabeça? Como a cabeça é mais
espinhosa tinha que ser à vez, rabo ou cabeça.
Como dissemos, em texto anterior, eram vendidas ao
quarteirão, sendo doze pares e ó bicho e os chicharros mais aos pares.
Segundo Teresa Sales, na vila, nos anos cinquenta, as
vendedeiras de sardinhas (nas aldeias sardinheiras) e de chicharros usavam os
trajes típicos das mulheres humildes e de trabalho, em que não podia faltar o
avental e a rodilha para suportarem melhor a caixa de madeira à cabeça. A vila
sempre se distinguiu das aldeias rurais até no vocabulário.
As vendedeiras (peixeiras) iam de rua em rua com a caixa de
madeira à cabeça a vender pelas portas. O peixe melhor como o côngaro, polvo
(no Natal era obrigatório, fresco ou curado) e a pescada era despachado, no
comboio que saía do Porto (vindo do ramal de Leixões e, mais tarde, em
Campanhã) pelas seis horas da manhã, pelos fornecedores de Matosinhos, para os
talhos de peixe da Praça do Mercado (do Rodrigo Major, do Rufino Cardoso, do Porfírio
das Lamas e do Alberto Dias) de Mirandela, chegando à vila pelas onze horas.
Algum transporte, segundo o Eduardo Botelho, era feito pelos recoveiros Eduardo
Rodrigues, Daniel Ribeiro ou Armindo «engraixador». Um era vendido nas
peixarias e outro, as peixeiras, davam a volta à vila, para ser comido ao
almoço.
Pouco resta dessa venda de peixe a retalho e/ou porta a
porta e que se destacava pela boa qualidade. Mas, os pregões ficaram gravados
no baú da memória. Segundo apurámos, «uma fortalhaça» (a M.ª Blandorra”?”), com
a canastra á cabeça, gritava pelas ruas e vielas: - Comprem a rica sardinha! É
linda!... É grande!... Tem um lombo comó mou! Algumas sardinheiras terão
primeiro vendido alheiras e depois
passaram a pregoeiras do popular peixe, anunciando-o pela vila: a M.ª Miguel
(Farragacha”?”), a Reala, a M.ª Lavandeira (dos Lavandeiras da Tarana), a
Polónia (do Zé Xaxo que casou com a Celeste Malagueta), a M.ª (mãe da Julieta
que casou mais tarde com o Fernando Paulino), a M.ª Ribeiro (Marolha) e a M.ª
(Passaroa).
Outros pregões cantarolados ou repenicados: - Ai que rica
sardinha! É vivinha e fresquinha! É da camionete! E ainda: - Olha a sardinha
linda e vivinha, que veio de Matosinhos! Que rica sardinha fresquinha! É
fresquinha e gorda! E mais: - Ai que rica sardinha da camionete! Ou: - Ó
vizinha aqui tem um quarteirão mais o bicho!
Nas aldeias em volta de Mirandela havia quase sempre uma ou
duas sardinheiras, sendo gente bastante pobre que se fazia à vida, carregando a
caixa da sardinha ou chicharro, cujo peso andava à volta dos 25 kg.
A sardinha e o chicharro eram, geralmente, trazidos da Lota
de Matosinhos para o concelho de Mirandela alta madrugada, em carrinha de caixa
aberta, para ser vendido nas aldeias logo de manhãzinha para o almoço, jantar
ou merenda ou ceia. Tinha paragens estratégicas para deixar alguma caixa ao
longo trajecto, irradiando para aldeias afastadas das estradas principais.
Terminava, como vimos, na Torre Dona Chama.
Eu sabia que a poetisa Graziela Gomes (Vieira) tinha sido
mulher dos sete ofícios, tendo envergado até o camuflado de combate, e é ela
que agora me informa que com 12 ou 13 anos (em 1956/57) foi sardinheira. No
cruzamento dos Avidagos eram descarregadas algumas caixas de madrugada e ela
calcorreava as redondezas, de caixa das sardinhas à cabeça indo até Vila Boa,
para ganhar pouco mais que nada. O quarteirão era vendido a cinco croas, mas as
pessoas só compravam uma dúzia (só as casas mais abastadas é que compravam o
quarteirão) e reclamavam sempre o bicho. As sardinhas escochadas, não eram tão
frescas mas vendiam-se e já vinham salgadas.
Em Vale Madeiro quem vendia era a Cândida (Amélia”?”)
«Fandenga» (esposa do Ti Alberto «peludo»), a M.ª Margarida e a M.ª (do
Albino).
É o Adérito Santulhão que diz que a mãe, M.ª Margarida, era
sardinheira (1960), vendendo de aldeia em aldeia - Vale de Madeiro, Cedães,
Vale de Asnes, Cedaínhos, Cernadela, Freixedinha e Vale de Lobo. No final
ficava sempre com três ou quatro sardinhas para dividir pelos nove filhos. Ela
pregoava: - Ai que rica sardinha da camioneta! É nova e é fresquinha!
Mas ia às três da manhã, com o burro, ao cruzamento de Vila
Nova das Patas, onde a camionete que ia para a Torre parava, e carregava duas
caixas. Aqui também recebia a «encomenda» a sardinheira Preciosa (de Vila
Nova).
A caminheta da Margarida, ao longo dos trajectos, tinha as
sardinheiras à sua espera para levarem as caixas à cabeça ou nos burros para as
aldeias do interior do concelho.
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 23FEV2015
Provérbios:
Enxame de
Março apanha-o no regaço, o de Abril não o deixes ir, o de Maio deixai-o fugir.
Aos três
encobrirás e aos quatro não poderás.
Em tua
casa não tens sardinha, e na dos outros pedes galinha.
Sardinha
sem pão é comer de ladrão.
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