quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A vergonha parou depois do escândalo


Couto dos Santos
Barroso da Fonte
Dia 20 deste mês o Parlamento protagonizou uma pirueta histórica. Dois políticos profissionais Couto dos Santos (PSD) e José Lello (PS), quase em surdina, fizeram aprovar o descongelamento das subvenções dos políticos que a crise extinguiu, como extinguiu o direito ao subsídio de férias e de Natal dos funcionários do Estado e a redução nos vencimentos e reformas. Mesmo naquelas que já eram escandalosamente miseráveis. Muitos lhes chamaram «roubos» porque, relativamente aos reformados, essas pensões eram direitos adquiridos e, nem no Estado Novo, tal afronta era tolerável.
José Lello
Os portugueses que militam no centro-esquerda, tentaram todas as forma de derrubar o governo eleito em 2011 para um mandato de quatro anos. Não houve classes intocáveis da sociedade civil, militar, religiosa ou jurídica que não barafustasse. Só o Tribunal Constitucional, com a sua representatividade ideológica que sempre prevalece sobre a jurídica, por mais que os seus membros tentem nega-lo, travou casos flagrantes, que custaram a engolir aos partidos do governo. Desde 2009 até ao presente, os portugueses, sobretudo nas classes baixa e média, restringiram os seus hábitos, passaram fome e, relativamente aos filhos e netos, viveram-se três longos anos que vão deixar sequelas e traumas, nunca imagináveis, quando se entrou na democracia  e na união europeia.
   Quarenta anos de democracia, depois de outros tantos de ditadura, como os mais revolucionários chamam ao período republicano, entre 1926 e 1974,  o Povo Português está francamente desiludido. À liberdade chama ladroagem, ao insulto trata-a por virtude e ao crime organizado encara-o como fruto da incultura e abuso de poder do Estado Novo.
 Com o país mergulhado neste pântano, criado pelos políticos de todos os níveis, cargos e tendências, conclui-se que cada um puxa a brasa para o sua sardinha, as ideologias confundem-se com o arranjismo, a credibilidade partidária mede-se pelo tacho que se alcança e a justiça social tem a dimensão do sonho que se cumpre na vida real:quem está com o poder come, quem não está emigra para não morrer de fome.
  Couto dos Santos e José Lello são profissionais desta baixa política que leva 40 anos de exibição. Como se habituaram ao papel de legisladores em causa própria, não resistiram à tentação de cozinhar entre os seus pares (PS-PSD), os votos necessários para o Estado pagar à classe política as chamadas subvenções que os outros não têm. Só nos últimos dez anos essas subvenções, segundo o Diário de Notícias de 11 de Janeiro de 2011, totalizaram 80 milhões de euros, em dez anos.
Uma deputada do BE, mal soube dessa imoralidade política chamou-lhe – e bem - vergonha das vergonhas. Os eleitores ficaram aterrorizados. As diferentes formações partidárias desde a extrema esquerda, ao CDS, reagiram contra os dois maiores partidos. Passos Coelho e António Costa terão reagido em  sintonia: não é moralizador tomar tais medidas a favor do pagamento das «desnaturadas» subvenções. No dia seguinte: o monstruoso intento daqueles dois deputados era anulado. O bom senso parlamentar tinha corado de vergonha e tudo voltou ao ponto zero.
Esta crónica nasce por implosão dos acontecimentos políticos das duas semanas dos meados de Novembro. Os funcionários públicos esperavam receber o subsídio de mês de Natal. Nem cheiro. Os políticos profissionais no activo, desentenderam-se, querendo entender-se. A justiça perturbou-se nesses dois fins de semana. Os audiovisuais não tiveram as máquinas paradas, nem funcionários no gozo dos seus direitos. Todos tiveram que trabalhar nos jornais, nas rádios, nas televisões. Os escândalos sucederam-se. Alguns tribunais não fecharam. A justiça deu mote para prolongadas diligências. O governo sentiu abalos por causa dos vistos gold. Onze suspeitos de fraude fiscal foram inquiridos e sujeitos a medidas de coacção.
O maior partido da oposição riu-se oito dias antes. Culpou, na semana seguinte, a inoportunidade da prisão do seu ex-líder. O BE reuniu, em convenção, para unir o que desuniu. O PCP como de costume, esteve  em torno do seu líder para adensar a militância. O CDS reflectiu em mais um aniversário.
 Inesperadamente o super-juiz Carlos Alexandre continua a trabalhar sem descanso. Em notável exemplo para alguns seus pares, recentemente jubilados que desvalorizaram escutas, arquivaram processos, não deram ouvidos à opinião pública e silenciaram a própria justiça. O jornal Sol, 2ª edição de 23/11, página 8,  aponta um. O outro recebeu um favor. Seria bom que o super-juiz os chamasse à  ordem, um e outro, porque  se o não fizer, jamais será feita justiça.
 Como jornalista de longo curso, vítima incessante de tremendas injustiças, legalizadas pela baixa democracia que nunca assentou na pureza do voto consciente, mas do voto comprado, vergo-me perante esta nova forma de exercer a justiça. Foram dois fins de semana históricos. Torço por muitos outros fins de semana, que surjam na cidade onde vivo, ou onde as minhas denúncias, localizaram factos que muita gente conheceu, em processos ruinosos, sempre adiados, até à prescrição. Finalmente a justiça acordou.  Não gostaria de morrer sem ver este tipo de justiça a funcionar em milhares de casos semelhantes, já  branqueados com medalhas que os  sucessivos PR  glorificaram, despudoradamente. A Jornalista Felícia Cabrita tem a lista de muitos e eu próprio denunciei alguns. Haja vontade!
Começo a sentir que a Justiça, quando tem magistrados justos, activos e coerentes mostra o que vale e o que representa. Alguns políticos de proa que deveriam ter sentido a pureza das leis, logo vieram reclamar tratamento privilegiado para a mais recente actuação da justiça. Esses deveriam ser incriminados por solidariedade porque tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta.

                                                                                                                    Barroso da Fonte

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