Clara Ferreira Alves |
Este é o maior fracasso da democracia portuguesa
Não admira que num país assim emerjam cavalgaduras, que chegam ao topo,
dizendo ter formação, que nunca adquiriram, (Olá! camaradas Sócrates...Olá!
Armando Vara...), que usem dinheiros públicos (fortunas escandalosas) para se
promoverem pessoalmente face a um público acrítico, burro e embrutecido.
Este é um país em que a Câmara Municipal de Lisboa, em governação
socialista, distribui casas de RENDA ECONÓMICA - mas não de construção económica
- aos seus altos funcionários e jornalistas, em que estes últimos, em atitude
de gratidão, passaram a esconder as verdadeiras notícias e passaram a
"prostituir-se" na sua dignidade profissional, a troco de participar
nos roubos de dinheiros públicos, destinados a gente carenciada, mas mais
honesta que estes bandalhos.
Em dado momento a actividade do jornalismo constituiu-se como O VERDADEIRO
PODER. Só pela sua acção se sabia a verdade sobre os podres forjados pelos
políticos e pelo poder judicial. Agora continua a ser o VERDADEIRO PODER mas
senta-se à mesa dos corruptos e com eles partilha os despojos, rapando os ossos
ao esqueleto deste povo burro e embrutecido.
Para garantir que vai continuar burro o grande "cavallia" (que em
português significa cavalgadura) desferiu o golpe de morte ao ensino público e
coroou a acção com a criação das Novas Oportunidades.
Gente assim mal formada vai aceitar tudo, e o país será o pátio de recreio
dos mafiosos.
A justiça portuguesa não é apenas cega. É surda, muda, coxa e marreca.
Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito
maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso,
apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do
compadrio e da corrupção.
Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo
"normal" e encolhem os ombros.
Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto
final, assunto arrumado.
Não se fala mais nisso. Vivemos no país mais inconclusivo do mundo, em
permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada.
Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia, que se sabe que, nada
acaba em Portugal, nada é levado às últimas consequências, nada é definitivo e
tudo é improvisado, temporário, desenrascado.
Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia, foi
crime, não foi crime, ao desaparecimento de Madeleine McCann ou ao caso Casa
Pia, sabemos de antemão que nunca saberemos o fim destas histórias, nem o que
verdadeiramente se passou, nem quem são os criminosos ou quantos crimes houve.
Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas, pedaços de
enigma, peças do quebra-cabeças. E habituamo-nos a prescindir de apurar a
verdade porque intimamente achamos que não saber o final da história é uma
coisa normal em Portugal, e que este é um país onde as coisas importantes são
"abafadas", como se vivêssemos ainda em ditadura.
E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este estado
de coisas. Apesar dos jornais e das televisões, dos blogs, dos computadores e
da Internet, apesar de termos acesso em tempo real ao maior número de notícias
de sempre, continuamos sem saber nada, e esperando nunca vir a saber com toda a
naturalidade.
Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às escutas
ao primeiro-ministro, do caso da Universidade Independente ao caso da
Universidade Moderna, do Futebol Clube do Porto ao Sport Lisboa Benfica, da
corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de Fátima Felgueiras a
Isaltino Morais, da Braga Parques ao grande empresário Bibi, das queixas
tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há por aí alguém que acredite
que algum destes secretos arquivos e seus possíveis e alegados, muitos alegados
crimes, acabem por ser investigados, julgados e devidamente punidos?
Vale e Azevedo pagou por todos?
Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado num
parque aquático?
Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos crimes
imputados ao padre Frederico?
Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre
Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana?
Quem se lembra do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça
foi roubada do Instituto de Medicina Legal?
Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e
enrodilhados como estes, a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.
No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível, alguém
acredita que se venha a descobrir o corpo da criança ou a condenar alguém?
As últimas notícias dizem que Gerry McCann não seria pai biológico da
criança, contribuindo para a confusão desta investigação em que a Polícia
espalha rumores e indícios que não têm substância.
E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu? E todas as
crianças desaparecida antes delas, quem as procurou?
E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns
menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida, o que aconteceu?
Alguns até arranjaram cargos em organismos da UE.
Arranjou-se um bode expiatório, foi o que aconteceu.
E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela
reconheceu imensa gente "importante", jogadores de futebol,
milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas? Quem as destruiu e
porquê?
E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios escuros do
grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal, onde é que isso pára?
O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins da Cruz, apeado por
causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha para a sua filha.
E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter assassinado
doentes por negligência? Exerce medicina?
E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de colarinho
branco sabendo que a justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa
e marreca.
Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são
arquivados nas gavetas das nossas consciências e condenados ao esquecimento.
Ninguém quer saber a verdade.
Ou, pelo menos, tentar saber a verdade.
Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem eram as
redes e os "senhores importantes" que abusaram, abusam e abusarão de
crianças em Portugal, sejam rapazes ou raparigas, visto que os abusos sobre
meninas ficaram sempre na sombra.
Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de
protecções e lavagens, de corporações e famílias, de eminências e reputações,
de dinheiros e negociações que impede a escavação da verdade.
Este é o maior fracasso da democracia portuguesa
Clara Ferreira Alves - "Expresso"
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