Barroso da Fonte |
Avisado pela obrigação de ler as 6 páginas da Revista
Sábado, da mesma data, para ajuizar da pressa que a televisão pública teve
em privilegiar o cidadão em causa, escancarando-lhe os holofotes e altifalantes
e desrespeitando a sequência da programação, reparei na página 7 da revista que
«José Sócrates não quis comentar à Sábado o facto de ser um dos
suspeitos no caso Monte Branco».
Sabem os jornalistas profissionais que são
sérios, isentos e respeitadores da deontologia informativa que, quando um órgão
de comunicação social edita uma notícia que refere directamente pessoas ou
instituições públicas ou privadas, acerca de temática que tem a ver com o
carácter dos visados, devem os jornalistas fazer tudo por tudo, para obterem e
publicarem a versão daqueles no órgão,
onde são visados. Sempre que possível na mesma página, com igual relevo e
acerca do mesmo contexto. Caso o visado não possa ser contactado ou não queira
dar qualquer explicação, assiste-lhe o direito de resposta na edição seguinte
para o que dispõe de igual espaço, igual relevo, idêntico grafismo e, gratuitamente,
a não ser que a resposta ultrapasse o espaço onde saiu a notícia que o ofendeu.
Nesse caso terá que pagar o espaço a mais, ao preço da publicidade do Diário da
República. Ora, José Sócrates, a crer na
Sábado, não quis comentar a suspeita que lhe era imputada na capa e
repetida na página 40. A afirmação contida no título não passava de uma
pergunta. E perguntar não ofende. Com qualquer outro cidadão – e os casos
congéneres repetem-se todos os dias, em todos os órgãos e com todo o tipo de
pessoas - esse tratamento vip não teria
acontecido.
O ex-primeiro ministro, uma vez que se negou a comentar a insinuação,
nesse número da revista, dispunha da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC)
que foi aprovada no seu Governo, para exigir que a Sábado lhe concedesse
as mesmas seis páginas, mais a capa da revista para se explicar. A esse dever
se chama o direito de resposta. Mas não esperou a televisão pública por esse
direito que deveria ser exercido na Sábado e não na RTP. Doravante
qualquer cidadão ofendido pode exigir esse direito à RTP1: escancarar os ecrãs
e os microfones, para se inocentar. Foi, declaradamente, um uso e um abuso
insólito, tendencioso e a merecer sanção disciplinar contra a televisão
pública.
Também a própria
Procuradoria-Geral da República fez logo saber, que José Sócrates não só não
estava a ser investigado, como nem sequer era suspeito na Rede do Monte Branco.
E que o fazia «no intuito de garantir a «tranquilidade pública». Pergunta-se:
esse cuidado existe para com qualquer cidadão – e são milhares por esse país
fora - ou apenas para com o cidadão José
Sócrates?
Quem anda atento ao que se passa em Portugal com a Justiça, ainda se
recorda daquele artigo que Marinho e Pinto publicou no JN, em 17 de Junho de
2013, sobre Noronha Nascimento: «é
daquelas pessoas que não olha a meios para atingir os fins». Esse artigo
intitulado «A mulher de César», reportava-se à decisão de, na qualidade de
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça «ter mandado destruir as escutas de
José Sócrates no Processo Face Oculta». Marinho Pinto relaciona essa decisão
com o facto de «José Sócrates ter arranjado um emprego, num organismo do
Estado, ao filho de Noronha Nascimento». Basta consultar a imprensa dessa data.
E não consta que Marinho Pinto fosse desmentido ou responsabilizado...
Há mais, muito mais, em torno deste tipo de
atitudes singulares que tendem sempre para o mesmo lado: proteger os graúdos,
em detrimento dos miúdos, o que se lamenta em democracia.
Invoco a minha qualidade de Jornalista
profissional, com 61 anos de luta porfiada, antes e depois do 25 de Abril de
1974, para me indignar contra a RTP e contra o favoritismo, protagonizado numa
afronta aos direitos e deveres, que são universais e devem ser exercidos, com
equidade, oportunidade e bom senso. Enquanto esses direitos não forem
democraticamente alterados, a RTP não pode, nem deve branquear uns e acusar
outros, em situações idênticas. Já bastou o maior escândalo nos últimos anos da
actual direcção de programas da RTP: convidar esse mesmo político para
comentador residente, em espaço nobre da televisão pública . Essa benesse
mediática, declaradamente ostensiva, visivelmente capciosa e, tremendamente,
anti-democrática, constituiu uma afronta
ao normal exercício do direito de formar e de informar. Essa afronta prossegue.
É por estas e por outras que a democracia agoniza, que a república
apodrece e a política fede.
Barroso da Fonte
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