Enviado por Jorge Lage |
Partiu sem luar e a noite apagou-lhe o trilho.
Levava consigo retratos de tristes memórias,
Entrava num trem, não via ninguém, sentou-se a janela,
De braços cruzados e olhos fechados, pintava uma tela
Com lindas flores de cravos amores, era o rosto dela.
A fome acordou-o e ele deixou o trem a noitinha.
A lua já esperava por ele, deitada ao longo da linha.
Ao raiar do dia, alguém lhe dizia:
-
Bonjour monsieur! Il fait froid!
Era um menino lindo, filho do Padeiro de Condat...
Cheirava-lhe a pão, ao sol e ao chão ele prometia...
Deixar a idade nas ruas estreitinhas daquela cidade...
Num jardim com flores, numa ponte, num rio e num Pelourinho...
Numa igreja linda aberta para todos ao rés do caminho...
Mais tarde…
Regressou sem frio, sem medo, mas com tempestade.
Ao passar pelo rio encontrou a idade, saltaram pró mar
Numa onda gigante voou direito ao seu trilho.
Trazia nas asas o sol e pão para cada filho...
Partiu sem luar, mas a noite guardou-lhe o trilho.
(inédito de Abílio Bastos, 1970)
Nota: É um amigo
meu, desde o momento que o conheci. Nasceu em Abadim - Cabeceiras de Basto e
a
sua história de vida é muito invulgar. Um destes dias fomos visitar uma
exposição do Escultor Jorge
Ulisses e o Abílio pegou numa das guitarras,
obras-primas deste ilustre escultor, ajoelhou e cantou, pela
primeira vez este
poema para mim. Lembrei-me da adufeira de Idanha-a-Velha que fez o mesmo na
Guarda. Um e outra de forma espontânea. O Abílio, em Agosto de 1969, partiu de
Abadim a pé, com
a saquita da roupa e uma côdea, até Vilar de Perdizes, onde o
recebeu um passador da Gironda –
Ourense, e o meteu no comboio em Ourense. O
cansaço venceu-o e acordou na fronteira de Hendaye.
Continuou no trem até
Bordéus e chegou à «village» já noite. A cena do filho do padeiro, o regresso
no
ano a seguir e o salto até Nova Iorque onde, como sábio carpinteiro ganhou a
vida e o pão para cada
filho. Neste poema, com uma música de saudade, pretendo
homenagear os nossos amigos emigrantes.
Umas boas férias!
Sem comentários:
Enviar um comentário