News for Kasparov fala sobre a Crimeia
O Presidente russo está a jogar um «póquer agressivo» na Ucrânia e a anexação da Crimeia é semelhante à de Hitler na Áustria, considerou hoje em Lisboa o antigo campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov.
«Na atual situação na Ucrânia não se pode utilizar a
analogia do xadrez, porque o xadrez significa que se jogam com as
regras. Se um lado destrói todas as peças apenas porque não gosta da
posição, e sabem a que lado me refiro...», considerou Kasparov, 50 anos,
ex-ativista político e ainda considerado por diversos responsáveis
ocidentais como um símbolo da oposição ao Presidente russo Vladimir
Putin.
«Se observarmos o atual quadro global, deve utilizar-se antes a
analogia do póquer. Putin é mais agressivo a jogar póquer porque pode
fazer bluff. Tem uma mão fraca, mas pode fazer bluff», sublinhou.
Natural do Azerbaijão e atualmente com nacionalidade croata, Kasparov
deslocou-se a Portugal a convite da Federação Portuguesa de Xadrez e
reuniu-se hoje com o ministro da Educação Nuno Crato, numa iniciativa
destinada a promover a modalidade nas escolas.
«É semelhante ao que Hitler fez com os sudetas. Se não houver reação a
situação só vai piorar, porque qualquer ditador se torna mais forte com
a nossa fraqueza», referiu à saída do encontro com Nuno Crato, numa
analogia com a anexação pelo III Reich dos territórios com maioria de
população alemã na Checoslováquia, em 1938.
Na perspetiva do antigo membro da coligação de oposição «A Outra
Rússia», que em 2008 tentou sem sucesso disputar as eleições
presidenciais contra Putin, a anexação da Crimeia, após o referendo de
domingo e as decisões das autoridades de Moscovo, significam «o fim do
mundo» herdado após o final da Segunda Guerra Mundial.
«Desde 1945 que ninguém, à exceção de Saddam Hussein, tinha anexado
territórios de Estados vizinhos. Houve muitas guerras, exércitos que
atravessaram fronteiras e regressaram, mas anexação foi apenas o caso do
Kuwait», recorda.
O mestre de xadrez recorreu ainda ao exemplo do «Anschluss», a
anexação da Áustria pela Alemanha de Hitler em março de 1938, para
reforçar a sua tese.
«Anexação é Anschluss, da Áustria, dos territórios dos Sudetas [na
Checoslováquia] e de seguida as guerras de Hitler, e depois Saddam
Hussein e agora Vladimir Putin. A forma como foi feita [a anexação da
Crimeia] exige uma resposta. Se nada for feito... A própria ideia de
União Europeia, baseada no consenso, na negociação, ficará
comprometida».
Após recordar que a «integridade territorial da Ucrânia» foi
garantida em 1994, três anos após a declaração da independência, em
troca do desarmamento nuclear ucraniano, o opositor de Putin considera
que foi ultrapassada a «última linha vermelha» e receia que o desfecho
implique uma nova corrida às armas nucleares.
«Se os Estados Unidos e o Reino Unido não reagirem, qual o valor da
assinatura de um Presidente dos EUA?», interrogou-se. «A Ucrânia poderá
reconstruir o seu arsenal nuclear, e como poderemos dizer aos iranianos
para prescindirem de armas nucleares quando se verifica que é a única
proteção no mundo...».
Kasparov considerou «absolutamente vital» uma demonstração de
«vontade política» para rejeitar que no século XXI se possa estar a
conduzir o mundo para uma nova guerra generalizada.
«Hoje, no seu discurso, já deixou bem claro que a Rússia poderá
considerar o leste e o sul da Ucrânia uma parte da restauração da União
Soviética, na República da Moldávia o movimento separatista já está a
tentar juntar-se à Rússia... Trata-se de instabilidade global, e não
estamos em 1938».
Para Kasparov, o «mundo livre» possui diversas formas de exercer
pressão sobre Moscovo sem mobilizar os seus exércitos, em particular no
campo económico e devido à «dependência da economia russa face às
instituições financeiras do ocidente».
Assim, propôs que se atinjam os oligarcas russos, «o que poderá ser
um sério golpe, referimo-nos a centenas de milhares de milhões de
dólares de fortunas por todo o mundo», sugeriu sanções dirigidas às mais
importantes companhias estatais russas «totalmente dependentes de
créditos ocidentais», ou aos bens do Estado russo, «reservas colocadas
sobretudo nos Estados Unidos mas também pela Europa».
Apesar dos «reflexos negativos mútuos» das sanções, Kasparov garante
que a economia russa «simplesmente não conseguirá sobreviver por muito
tempo se for isolada do resto do mundo», assegurando ainda que a Europa
«poderá facilmente garantir» alternativas à sua dependência de petróleo e
gás russos.
Diário Digital com Lusa
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