Porque razão esta mulher que fez
História no antigo mundo da União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS), continua cativa?

O processo de Yulia é um processo
à maneira estalinista/Leninista. Em nada se assemelha com a justiça, em nada se
assemelha com um tratamento de dignidade da pessoa humana.
Vassili Grossman foi um dos
maiores retratistas da realidade estalinista e Leninista. A sua obra-prima (Vida e Destino) é um hino dedicado ao
sofrimento humano. Mas não o é menos a nossa favorita: Tudo Passa, agora em edição portuguesa da Dom Quixote. Nela é
tratado o tema dos Gulags, como magistralmente o fez Alexander Solijenitsine em
duas obras portentosas: No aclamado romance, Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, publicado no Ocidente em várias
línguas (1962-63) e no Arquipélago de
Gulag, igualmente publicado em diversas línguas (1973), que provocou uma
pequena revolução em certos países ocidentais, particularmente na França,
convertendo grandes sectores da Esquerda, à época, a uma posição
anti-soviética. Com a devida excepção de Sartre, que continuou a apoiar
Estaline, mesmo depois do Ocidente saber que havia praticado crimes mais
horrendos do que Hitler (o caso da fome genocidária da Ucrânia).
Grosssman, neste romance, traça
toda a tragédia da antiga União Soviética, enquanto coutado de Estaline e de Lenine, bem como dos socialistas e comunistas que os seguiram.


A fome - genocídio ucraniana de 1932-1933
A fome- genocídio ucraniana de 1932-1933, inserida nas Politicas genocidárias na Rússia Soviética, fosse no tempo de Lenine, ou no tempo de Estaline, hoje estão bem estudadas e aprofundadas.
Quando Boris Pasternak foi convidado
a instalar-se no campo (à semelhança de outros escritores), a propósito de se
documentar sobre a nova vida das aldeias colectivizadas, ficou tão perturbado
com o que os seus olhos observaram que, durante um ano não conseguiu escrever.
Fundamentalmente com aquilo que lhe era dado a observar sobre a Ucrânia. Um
espectáculo indizível.
Após o desastre demográfico e
social ocasionado por uma fome de características sem precedentes que culminou
na Primavera de 1933, o quadro apresentava-se como um “triste deserto” nas
palavras de Malcom Muggeridge, correspondente do Manchester Guardian. Dos
campos baldios, às aldeias abandonadas e à enormidade de mortos pelas ruas, a
Ucrânia apresentava-se como um local tenebroso.




Os testemunhos afloram agora à
superfície, incluindo os casos de canibalismo. Em 1930, A Terra, o filme de Dovjenko, considerado
um dos filmes mais belos do mundo, trata do tema da colectivação e mecanização
dos campos.
O cônsul italiano de Carcove
deixou num relatório de Maio de 1933 uma descrição arrepiante sobre as
evacuações de crianças encerradas até à morte em vagões, barracões ou recintos
fechados. A vontade manifesta de destruir os ucranianos é atestada por Robert
Conquest, ao notar a intenção deliberada de privar as pessoas de alimentos. A
partir de 1933, a Federação Europeia dos Ucranianos no Estrangeiro publicou em Bruxelas A Fome na
Ucrânia – os seus horrores, as suas causas e os seus efeitos. Dois anos
mais tarde, Eward Ammende, publicou Vida
humana na Rússia. Em 1934 W.H.Chamberlin publicou Rússia’s Iron Age e em 1937 saiu a público Assignment in Utopia, de Eugene Lyons.
Mas depressa estas vozes foram
abafadas pela propaganda soviética, à qual era dado crédito por muitos
intelectuais ocidentais.
Esta fome genocidária continua a
ser mal conhecida do público ocidental, embora o esforço empreendido pela
diáspora ucraniana não tenha mãos a medir na sua denúncia.
Se a leitura dos livros de
história ou os de testemunhos se tornam, muitas vezes, aborrecidos, revirem-se
as folhas de literatura. É pois, neste caso, aconselhável a leitura do romance
de Vassili Grossman, recentemente editado em Portugal: Tudo Passa. Através de
uma das suas personagens, um activista convicto, o romancista russo evoca o
processo de colectivização na Ucrânia. Em determinada passagem do terrível
romance de Grossman, está bem patente a forma como o ódio foi alimentado nas
fileiras dos activistas, esses homens vulgares seguidores da tendência
leninista/estalinista para considerarem os seus irmãos como “insectos nocivos”
e “parasitas”.
Armando Palavras
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