terça-feira, 8 de maio de 2012

A Terra de Miranda e a Lei da Lhégua Mirandesa (5)

Trabalho conjunto de Carlos Ferreira e Júlio Meirinhos

Também o Deputado do PS, Fernando de Sousa escrevia na imprensa: “Algumas medidas têm sido tomadas a nível local para a promoção e visibilidade nacional do mirandês, nomeadamente: a criação da disciplina de mirandês, em 1987 nas escolas preparatórias do concelho. É significativo que Mário Soares, na altura em que era Presidente da República, tenha assistido a uma aula em mirandês; a promoção das primeiras Jornadas de Língua e Cultura Mirandesa em 1987; a publicação de numerosas obras sobre o património cultural e linguístico do Concelho de Miranda do Douro por parte da Câmara Municipal; o patrocínio, em 1995/96 por parte da Câmara Municipal de uma proposta de Convenção Ortográfica Mirandesa; a afixação em Agosto de 1996 de placas toponímicas escritas em mirandês na aldeia do Picote; a divulgação da música e dança populares mirandesas por grupos locais. (...) Torna-se importante, contudo, ir um pouco mais além no sentido de preservar esta língua minoritária e evitar o seu total desaparecimento. (…) Neste sentido, o ex-presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, meu colega na Assembleia da República, Dr. Júlio Meirinhos, está a preparar uma iniciativa legislativa em ordem a garantir a continuidade e revitalização deste nosso valioso património histórico-cultural, iniciativa essa a que daremos todo o nosso apoio”.
Por outro lado, de forma espontânea, muitos amigos de Miranda do Douro e da Língua Mirandesa iniciaram uma verdadeira campanha em prol do mirandês, o que vem reforçar a tese da importância, tardiamente reconhecida, do mirandês. A título de exemplo publiquei na altura algumas dessas cartas recebidas que muito contribuíram, para nos apoiarem, dando-nos estímulo na tarefa da oficialização da nossa língua.
O mundo Universitário e a comunidade científica, também não ficaram indiferentes a este processo de oficialização do mirandês, bem pelo contrário, demonstraram de imediato um grande interesse pelo processo, colaborando na fundamentação dos motivos e na primeira versão do projecto-lei, bem como na minha preparação argumentativa e científica para os subsequentes debates na 6ª Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República dos quais destaco pela paciência e pedagogia que demonstraram: Manuela Barros Ferreira da Universidade de Lisboa, Domingos Raposo, Professor de Mirandês e Cristina Martins da Universidade de Coimbra.
Depois de tantos contributos para que a língua mirandesa fosse oficializada pelo Estado Português, não podíamos esperar mais tempo, pois, tinha chegado a hora de redigir o Projecto de Lei de reconhecimento oficial dos Direitos Linguísticos da Comunidade Mirandesa para ser apresentado, para admissão, ao Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, a quem rendemos o nosso preito de gratidão pela forma célere e interessada com que acolheu o nosso Projecto, que verdadeiramente não era nosso, mas sim de todos os mirandeses e de todos os amigos de Miranda do Douro que deram o seu contributo para que eu plasmasse em Lei, o querer de um Povo.
Foi então redigido o Projecto Lei nº 534/VII que se destinava ao “reconhecimento oficial dos Direitos Linguísticos da Comunidade Mirandesa”. Acompanharam-me na assinatura deste projecto-lei, um conjunto de Deputados, que me honraram com o seu explícito apoio à iniciativa. De tantos que eram a subscrever o projecto-lei, aparece o primeiro arrepio do processo, quando do gabinete do Presidente da Assembleia da República, me é comunicada a sua não admissão por ter sido subscrito por mais de 20 Deputados, contrariando o artº 136 do Regimento. Reposta a legalidade com a subscrição do número limite de 20 Deputados, o projecto-lei nº 534/VII, foi então admitido pela mesa da Assembleia da República em 5 de Junho de 1998.
Por considerarmos importante a convergência de opiniões, relativamente ao valor patrimonial e histórico da língua mirandesa, transcrevemos, mais adiante, na integra a acta da Ordem do Dia: “O Projecto de lei nº 534/VII – Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa (PS). Foi aprovado na generalidade, tendo baixado à 6ª Comissão”, publicada no Diário da Assembleia da República de 18 de Setembro de 1998.
De referir que o essencial do Projecto Lei nº 534/VII está contido na intervenção de introdução do debate, que transcreveremos mais à frente.
Foi então elaborado pela Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura o Relatório e parecer sobre o referido Projecto Lei que também transcrevemos a seguir:
RELATÓRIO E PARECER SOBRE O PROJECCTO LEI nº 534/VII (Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa).

2.2: Objecto e fundamentação

Apresentado por diversos deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o Projecto de Lei nº 534/VII pretende o "reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa" e refere: “De acordo com os subscritores do Projecto de Lei em apreço, "o mirandês é uma língua viva e estruturalmente individualizada dos demais idiomas com os quais hoje convive", e consideram que "o complexo linguístico a que se tem chamado Língua Mirandesa é um idioma neolatino conservado e falado em território português, desde o nascimento das línguas românicas ibéricas, filhas do latim popular. Assim, o Mirandês, circunscrito ao concelho de Miranda do Douro e a parte do concelho de Vimioso, será uma "sobrevivência histórica dum grupo linguístico peninsular que, em épocas históricas anteriores, conheceu uma importante vitalidade, o asturo-leonês. Citando José Leite de Vasconcelos, os subscritores do Projecto de Lei nº 534/VII, recordam os estudos por ele elaborados e a afirmação de que o português "não é (... ) a única língua utilizada em Portugal (... ) fala-se aqui também o mirandês. Suportando a tese da importância do Mirandês, refere-se a actividade, desenvolvida por investigadores dos Centros de Linguística das Universidades de Lisboa e Coimbra, da autarquia e de outras personalidades, que culminou com a apresentação, em 1995, da "Proposta de Convenção Ortográfica Mirandesa" e, em 1998, com a "Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa". Os subscritores do Projecto de Lei nº 534/VII referem, ainda, a presença do Mirandês num estudo da Comissão Europeia, intitulado "The production and reproduction of the minority language groups in the European Union" (Office des Publications Oficielles des Communautés Éuropéenes, Luxemburg, 1996). Concluindo a fundamentação da validade do presente Projecto de Lei, os seus subscritores consideram que o Mirandês, “por constituir um instrumento de comunicação, de identificação e de memória colectivas", é "um legado cultural de incomensurável valor" que merece "um compromisso cultural e patrimonial para o Estado Português."

 (continua)

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