2.3: O articulado
O Projecto de Lei nº 534/VII integra sete artigos, a saber:
1º - Visa reconhecer e promover a Língua Mirandesa;
2º - Obriga o Estado Português a reconhecer o "direito da
comunidade a cultivar e promover a Língua Mirandesa";
3º - Reconhece "o direito da criança à aprendizagem do Mirandês
nas Escolas do Município de Miranda do Douro";
4º - Prevê a possibilidade das instituições públicas, emitirem e
receberem documentos em
Língua Mirandesa ;
5º - Reconhece "o
direito a apoio científico e educativo tendo em vista a formação de professores
de língua e cultura mirandesas";
6º - Estabelece o prazo de 90 dias, após a entrada em vigor do
diploma, para a regulamentação do mesmo;
7º - Estabelece o prazo de 30 dias, após a data da publicação do
diploma, para a sua entrada em vigor;
Os artigos 3º e 5º serão objecto de regulamentação futura.
2.4: Conceito de
enquadramento e parecer
Face ao exposto, considera-se que o Projecto de Lei nº 534/VII sobre o
“reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa”,
preenche os requisitos regimentais e constitucionais aplicáveis, pelo que se
encontra em condições para discussão e posterior votação.
Os diversos grupos parlamentares reservam as suas posições sobre a
matéria para o debate Plenário.
O Relator, Deputado António Cruz
Oliveira
2.5: Reunião plenária de
17 de Setembro de 1998 - Diário da Assembleia da República
Finalmente chegou o grande dia para a
Língua Mirandesa em que vai sair duma certa clandestinidade, para surgir, com
força e vigor perante o mundo, em primeiro lugar com a legitimidade que o povo
lhe dá, pela sua utilização, comunicando a vida, os saberes e os afectos, em
segundo lugar porque os Deputados da Nação Portuguesa vão reconhecer e fazer
aprovar a lei que reconhece oficialmente os direitos linguísticos da Comunidade
Mirandesa: a unanimidade na Assembleia da República foi magnífica e eloquente
num preito sentido a Miranda do Douro e às suas gentes honradas.
2.5.1: Ordem do dia
O Sr. Presidente da Assembleia da República: “Srs. Deputados, vamos
iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei nº 534/VII -
Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa (PS).
Lembro aos Srs. Deputados que está a assistir aos nossos trabalhos um
grupo de cidadãos de Miranda do Douro, que merece a nossa saudação. (Aplausos gerais, de pé).
Para introduzir o debate em representação do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio
Meirinhos.
O Sr. Deputado Júlio Meirinhos (PS):
- “Não é o português a única língua usada em Portugal, (...) fala-se aqui também
o mirandês! Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados. Foi assim que o sábio e
eminente filólogo português José Leite de Vasconcelos comunicou ao mundo esta
realidade, através de uma publicação científica, em 1882.
O complexo linguístico que se tem chamado língua mirandesa é um idioma
neolatino conservado e falado em território português desde o nascimento das
línguas românicas, filhas do latim popular. O mirandês vem em linha recta da língua
falada e escrita do velho Reino de Leão nos séculos XI a XIV. O mirandês não é,
pois, nem uma variedade do português, nem, tão pouco, uma variedade do
castelhano, mas antes uma sobrevivência histórica dum grupo linguístico
peninsular que em épocas históricas anteriores conheceu uma importante
vitalidade, o asturo-leonês.
Assim, o mirandês é uma língua viva e estruturalmente individualizada
dos demais idiomas com os quais convive. Mas o que faz a personalidade
verdadeira da língua mirandesa é a sua flexão gramatical, isto é, a sua
perfeita e completa estrutura linguística saída directamente do latim popular,
mas à sua maneira.
A fonologia mirandesa é rica e complicada,
sobretudo na evolução e conservação dos sons vocálicos intermédios, nem graves,
nem agudos, da sua ditongação indefinida e ainda da sua dispersão vocálica ou
consonântica, o que a individualiza do galaico-português e do castelhano.
O meio em que esta linguagem nasceu e se desenvolveu foi sempre de
plena rusticidade ou vida camponesa dos seus habitantes, lavradores boieiros e
pastores, e foi sempre e apenas língua, falada e não escrita até ao século XIX,
“a língua do campo, do lar e do amor”,
como lhe chamou Leite de Vasconcelos. Este filólogo publicou em 1900 e 1901 um
amplo estudo de referência como resultado das suas pesquisas, composto por uma
gramática e uma antologia de textos em dois volumes, intitulado Estudos de Filologia Mirandesa. Foi a
primeira tentativa de fixar por escrito o mirandês. Com esta obra o falar “charro” ou “caçurro”, teve acesso à escrita e passou a ter entrada nos manuais
da linguística românica.
O mirandês é, no presente momento histórico, uma língua referenciada a
uma área aproximada de 500 Km2 situada no nordeste de Portugal, a sudeste do
distrito de Bragança, ao longo da fronteira com Espanha, abrangendo o concelho
de Miranda do Douro e uma parte do de Vimioso. O total de falantes diários do
mirandês é aproximadamente de 15 000. Fala-se desde os primórdios da
nacionalidade portuguesa, mas este valor é o mais baixo registado desde há,
pelo menos, dois séculos. Sob a pressão do português e da influência crescente
do castelhano, o mirandês tem vindo a reduzir a sua esfera de utilização ao
meio familiar e às relações de vizinhança. O mirandês está numa situação de
declínio vertiginoso. É chegado o momento de inverter o discurso apocalíptico
que desde o início do século vem perseguindo esta língua.
Hoje, na Europa, já não morrem línguas, ou, pelo menos, é convicção
que não devem e podem não morrer. Em 1996, a Comissão Europeia passou a reconhecer,
em publicações oficiais, a existência do mirandês. Ao analisar a vitalidade e
capacidade de sobrevivência das línguas minoritárias no contexto actual, situa
o mirandês no 34º lugar numa lista de 48 línguas. Este lugar, embora não seja o
pior, é, porém, o que encabeça o grupo de maior risco, o grupo E, o quinto de
uma série de cinco.
O mirandês tem vindo a ser o suporte linguístico para a produção
literária de um grupo de autores, entre os quais é fundamental destacar António
Maria Mourinho. É, para além disto, uma língua ensinada, desde 1986, no segundo
ciclo do ensino básico, como disciplina optativa durante dois anos, decorrente
de um despacho ministerial.
A conjugação de esforços de investigadores dos Centros de Linguística
das Universidades de Lisboa e de Coimbra, de responsáveis pelo estudo e difusão
do mirandês, do docente da disciplina de mirandês e da autarquia de Miranda do
Douro, permitiu a elaboração, em 1995, 1996 e 1997, da Convenção Ortográfica da
Língua Mirandesa.
Em 1995 foi elaborado um pequeno dicionário de mirandês-português com
cerca de 14 000 palavras, bem como uma nova gramática de mirandês, da autoria
de Moisés Pires.
O mirandês é, como todas as línguas naturais, um legado cultural de
incomensurável valor. Esta língua materna integra a cultura de um povo, não só
por ser um dos modos como a cultura se exprime, mas, sobretudo, porque
constitui um instrumento de comunicação, de identificação e de memória colectivas.
(continua)
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