terça-feira, 8 de maio de 2012

A Terra de Miranda e a Lei da Lhégua Mirandesa (6)

Trabalho conjunto de Carlos Ferreira e júlio Meirinhos

2.3: O articulado

O Projecto de Lei nº 534/VII integra sete artigos, a saber:
1º - Visa reconhecer e promover a Língua Mirandesa;
2º - Obriga o Estado Português a reconhecer o "direito da comunidade a cultivar e promover a Língua Mirandesa";
3º - Reconhece "o direito da criança à aprendizagem do Mirandês nas Escolas do Município de Miranda do Douro";
4º - Prevê a possibilidade das instituições públicas, emitirem e receberem documentos em Língua Mirandesa;
- Reconhece "o direito a apoio científico e educativo tendo em vista a formação de professores de língua e cultura mirandesas";
6º - Estabelece o prazo de 90 dias, após a entrada em vigor do diploma, para a regulamentação do mesmo;
7º - Estabelece o prazo de 30 dias, após a data da publicação do diploma, para a sua entrada em vigor;
Os artigos 3º e 5º serão objecto de regulamentação futura.

2.4: Conceito de enquadramento e parecer

Face ao exposto, considera-se que o Projecto de Lei nº 534/VII sobre o “reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa”, preenche os requisitos regimentais e constitucionais aplicáveis, pelo que se encontra em condições para discussão e posterior votação.
Os diversos grupos parlamentares reservam as suas posições sobre a matéria para o debate Plenário.
O Relator, Deputado António Cruz Oliveira

2.5: Reunião plenária de 17 de Setembro de 1998 - Diário da Assembleia da República

Finalmente chegou o grande dia para a Língua Mirandesa em que vai sair duma certa clandestinidade, para surgir, com força e vigor perante o mundo, em primeiro lugar com a legitimidade que o povo lhe dá, pela sua utilização, comunicando a vida, os saberes e os afectos, em segundo lugar porque os Deputados da Nação Portuguesa vão reconhecer e fazer aprovar a lei que reconhece oficialmente os direitos linguísticos da Comunidade Mirandesa: a unanimidade na Assembleia da República foi magnífica e eloquente num preito sentido a Miranda do Douro e às suas gentes honradas.

2.5.1: Ordem do dia

O Sr. Presidente da Assembleia da República: “Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei nº 534/VII - Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa (PS).
Lembro aos Srs. Deputados que está a assistir aos nossos trabalhos um grupo de cidadãos de Miranda do Douro, que merece a nossa saudação. (Aplausos gerais, de pé).
Para introduzir o debate em representação do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Meirinhos.
O Sr. Deputado Júlio Meirinhos (PS): - “Não é o português a única língua usada em Portugal, (...) fala-se aqui também o mirandês! Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados. Foi assim que o sábio e eminente filólogo português José Leite de Vasconcelos comunicou ao mundo esta realidade, através de uma publicação científica, em 1882.
O complexo linguístico que se tem chamado língua mirandesa é um idioma neolatino conservado e falado em território português desde o nascimento das línguas românicas, filhas do latim popular. O mirandês vem em linha recta da língua falada e escrita do velho Reino de Leão nos séculos XI a XIV. O mirandês não é, pois, nem uma variedade do português, nem, tão pouco, uma variedade do castelhano, mas antes uma sobrevivência histórica dum grupo linguístico peninsular que em épocas históricas anteriores conheceu uma importante vitalidade, o asturo-leonês.
Assim, o mirandês é uma língua viva e estruturalmente individualizada dos demais idiomas com os quais convive. Mas o que faz a personalidade verdadeira da língua mirandesa é a sua flexão gramatical, isto é, a sua perfeita e completa estrutura linguística saída directamente do latim popular, mas à sua maneira.
A fonologia mirandesa é rica e complicada, sobretudo na evolução e conservação dos sons vocálicos intermédios, nem graves, nem agudos, da sua ditongação indefinida e ainda da sua dispersão vocálica ou consonântica, o que a individualiza do galaico-português e do castelhano.
O meio em que esta linguagem nasceu e se desenvolveu foi sempre de plena rusticidade ou vida camponesa dos seus habitantes, lavradores boieiros e pastores, e foi sempre e apenas língua, falada e não escrita até ao século XIX, “a língua do campo, do lar e do amor”, como lhe chamou Leite de Vasconcelos. Este filólogo publicou em 1900 e 1901 um amplo estudo de referência como resultado das suas pesquisas, composto por uma gramática e uma antologia de textos em dois volumes, intitulado Estudos de Filologia Mirandesa. Foi a primeira tentativa de fixar por escrito o mirandês. Com esta obra o falar “charro” ou “caçurro”, teve acesso à escrita e passou a ter entrada nos manuais da linguística românica.
O mirandês é, no presente momento histórico, uma língua referenciada a uma área aproximada de 500 Km2 situada no nordeste de Portugal, a sudeste do distrito de Bragança, ao longo da fronteira com Espanha, abrangendo o concelho de Miranda do Douro e uma parte do de Vimioso. O total de falantes diários do mirandês é aproximadamente de 15 000. Fala-se desde os primórdios da nacionalidade portuguesa, mas este valor é o mais baixo registado desde há, pelo menos, dois séculos. Sob a pressão do português e da influência crescente do castelhano, o mirandês tem vindo a reduzir a sua esfera de utilização ao meio familiar e às relações de vizinhança. O mirandês está numa situação de declínio vertiginoso. É chegado o momento de inverter o discurso apocalíptico que desde o início do século vem perseguindo esta língua.
Hoje, na Europa, já não morrem línguas, ou, pelo menos, é convicção que não devem e podem não morrer. Em 1996, a Comissão Europeia passou a reconhecer, em publicações oficiais, a existência do mirandês. Ao analisar a vitalidade e capacidade de sobrevivência das línguas minoritárias no contexto actual, situa o mirandês no 34º lugar numa lista de 48 línguas. Este lugar, embora não seja o pior, é, porém, o que encabeça o grupo de maior risco, o grupo E, o quinto de uma série de cinco.
O mirandês tem vindo a ser o suporte linguístico para a produção literária de um grupo de autores, entre os quais é fundamental destacar António Maria Mourinho. É, para além disto, uma língua ensinada, desde 1986, no segundo ciclo do ensino básico, como disciplina optativa durante dois anos, decorrente de um despacho ministerial.
A conjugação de esforços de investigadores dos Centros de Linguística das Universidades de Lisboa e de Coimbra, de responsáveis pelo estudo e difusão do mirandês, do docente da disciplina de mirandês e da autarquia de Miranda do Douro, permitiu a elaboração, em 1995, 1996 e 1997, da Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa.
Em 1995 foi elaborado um pequeno dicionário de mirandês-português com cerca de 14 000 palavras, bem como uma nova gramática de mirandês, da autoria de Moisés Pires.
O mirandês é, como todas as línguas naturais, um legado cultural de incomensurável valor. Esta língua materna integra a cultura de um povo, não só por ser um dos modos como a cultura se exprime, mas, sobretudo, porque constitui um instrumento de comunicação, de identificação e de memória colectivas.

(continua)

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