segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Terra de Miranda e a Lei da Lhégua Mirandesa (4)

Trabalho conjunto de Carlos Ferreira e Júlio Meirinhos


Depois, outros contributos foram decisivos para preservar a nossa língua. Em 1985, a Câmara Municipal de Miranda do Douro fundamenta exaustivamente uma petição ao Ministro da Educação, Prof. Doutor João de Deus Pinheiro, para que a título experimental fosse leccionada uma disciplina, com carácter de opção, de língua mirandesa na Escola Preparatória. Previamente sensibilizado numa visita oficial a Miranda do Douro, o então Ministro da Educação acolheu com empenho e incentivo o pedido da Câmara Municipal.
Valeu a oportunidade do Dr. Domingos Raposo leccionar na altura na Escola Preparatória de Miranda que com a sua dedicação e amor à língua mirandesa, organizou e iniciou a leccionação no ano lectivo de 1987/88, somando ano após ano lectivo êxitos de participação dos alunos e divulgação da disciplina, a que não foi estranha a participação na aula do Senhor Presidente da República, Dr. Mário Soares.
A notícia foi dada, entre outros Jornais, pelo Comércio do Porto, em 29 de Julho de 1986: “Em Outubro próximo, vários estabelecimentos de ensino preparatório do Nordeste transmontano, situados no planalto de Miranda do Douro, vão leccionar a língua mirandesa, como cadeira de opção. Conclui-se, assim, da melhor maneira uma luta árdua de vários anos, implementada por autarcas, etnógrafos e intelectuais. A Câmara Municipal de Miranda do Douro, mercê do empenhamento pessoal do seu ex-presidente Dr. Júlio Meirinhos, teve papel preponderante na conquista histórica alcançada pelo Povo mirandês.” (...) De referir que esta pretensão da gente mais esclarecida de Miranda do Douro, nem sempre teve eco favorável junto das instâncias governamentais competentes. Isto porque havia quem apontasse o Mirandês apenas como um dialecto e nada mais.”
No ano 2000, dado o empenhamento pessoal do então Coordenador do Centro de Área Educativa de Bragança, amigo da língua mirandesa, de Miranda do Douro e nosso particular amigo, Fernando Calado, o mirandês passou também a ser leccionado no Agrupamento de Escolas de Sendim por Carlos Ferreira. Nos seguintes anos lectivos, este professor, estendeu o seu ensino a todas as escolas e níveis escolares do concelho de Miranda do Douro. O Professor Domingos Raposo ensinou também a língua mirandesa, durante três anos, em curso livre, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e Carlos Ferreira no IPB em Bragança. Em Lisboa, Amadeu Ferreira lecciona com assinalável êxito a língua mirandesa em vários locais, conseguindo multiplicar por muitos o número de pessoas que sabem hoje escreve-la.
Mas, apesar do interesse que o mirandês tinha na sociedade civil e na comunidade científica, não era reconhecida pelo Estado Português como uma língua. Era necessário que isso se verificasse e aproveitando o facto de ser Deputado à Assembleia da República, pelo círculo eleitoral de Bragança, nada mais lógico e esperado que um Deputado falante do mirandês preparasse, apresentasse e defendesse um projecto-lei que oficializasse a nossa língua, como veio a acontecer.
Propor e conseguir aprovar a lei 7/99 de 29 de Janeiro, funcionou como a chegada da energia eléctrica: tínhamos a baixada, a instalação feita e as lâmpadas colocadas, mas se não houvesse quem carregasse no interruptor, podíamos estar milhares de anos com tudo pronto. Se não aparece quem carregasse no botão, nunca se faria luz. É fundamental saber agarrar as oportunidades de preclusão, que nunca passam duas vezes pela porta: agarrar o sítio certo, o tempo certo, a coisa certa. Hoje continua a ser o tempo certo e há condições para fazer mais, para dar grandes saltos e ir muito mais longe: já diz o provérbio mirandês “ciego nun ye l que nun bei, ciego ye aquel que nun quier ber”. Quando eu tentei agarrar o projecto da lei com determinação, também muitos me disseram que não conseguiria, que era impossível, inconstitucional, mas eu teimei e passados onze anhos estamos aqui.
É pois deste processo, dos contornos e das personalidades que estiveram ligadas à lei que aprovou o mirandês como língua oficial, que irei falar neste breve artigo que pretendo que seja tão somente um preito ao homem mirandês, valente e rude como a terra que o viu nascer, que guardou a sua língua contra ventos e marés, pois, este homem, antes prefere quebrar do que torcer.
A Língua Mirandesa é verdadeiramente um fenómeno da vontade popular e da resistência dum Povo aos aliciamentos da Língua Portuguesa e mesmo aos estrangeirismo introduzidos pela diáspora da emigração.
Contudo, não é lícito afirmar que os Mirandeses não falam o Português, pois essa é sem dúvida a língua mais utilizada por Terras de Miranda. O que constatamos é que os Mirandeses falam muitas vezes três línguas: o Mirandês, o Português e ainda o Castelhano.
Mas a “nuossa lhéngua” ter-se-ia perdido na lonjura dos séculos se não fosse esta identidade bem Mirandesa, esta diferença do Povo de Miranda em preservar o que é seu, materializado no modo de vestir, de dançar, de cultivar a terra, de fazer o artesanato e também da sua particularíssima forma de falar.
Da “nuossa lhéngua”, que apenas começou a ser escrita no Século XIX, não teriam ficado memórias, se os habitantes do Concelho de Miranda do Douro, e algumas aldeias do Concelho de Vimioso, como Vilar Seco, Caçarelhos, Angueira e outros não tivessem ao longo de muitas gerações, falado esta língua como herança dos seus pais e como código ímpar para se comunicar, sobretudo na intimidade.
Por outro lado, vale a pena preservar o Mirandês, valeu a pena oficializa-lo, porque, o Mirandês, não é um precário dialecto resultante de variações do Português, mas trata-se verdadeiramente duma língua minoritária, como diz a Dr. Manuela Barros Ferreira, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, no seu trabalho “Defesa do mirandês como língua minoritária do Distrito de Bragança”: “Do ponto de vista da União Europeia, Portugal tem sido considerado como um país onde existe apenas uma língua. A este nível, a primeira referência que é feita à existência do mirandês data de 1995 e encontra-se na publicação do European Bureau for Lesser Used Languages, que noticia o aparecimento da Proposta de Convenção Ortográfica Mirandesa e faz uma breve apresentação da língua respectiva. Em 1996, está novamente referida num estudo da Comissão Europeia. (...). Segundo este estudo, que analisa a vitalidade e a capacidade de sobrevivência das línguas minoritárias no contexto actual, o mirandês ocupa o 34º lugar numa lista de 48 línguas.
Ainda, segunda a mesma autora, a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias define “Língua regional ou minoritária como sendo, 1º - uma língua tradicionalmente utilizada num determinado território de um Estado por um grupo de naturais desse Estado numericamente inferior ao resto da população e 2º - diferente da língua oficial do Estado”.
Pelo exposto, é dever de todos os Portugueses e em particular dos Mirandeses defenderem a sua língua, incentivar a comunidade científica a estudar o mirandês, mantendo vivo o orgulho de falar português e simultaneamente falar o mirandês reconhecido pelo Estado Português como iremos historiar.
Era minha convicção que a língua mirandesa que é falada por mais de 15 mil portugueses, tivesse que ser reconhecida e oficializada pelo Estado Português, a exemplo do que tinha feito a Comissão Europeia.
Por isso, enquanto Deputado à Assembleia da República, contactei personalidades, estudiosos do mirandês, membros do Governo, outros Deputados e muitos Jornalistas que fizeram opinião e trouxeram ao grande público a importância deste espólio cultural importantíssimo que é a língua mirandesa.
Em 9 de Fevereiro de 1998, Pedro Correia, escrevia no Diário de Notícias: “A língua mirandesa deve ser oficialmente reconhecida pelo Estado Português. É com esta convicção que o deputado socialista Júlio Meirinhos prepara um projecto de lei que apresentará muito em breve ao grupo parlamentar. (...) Meirinhos fala fluentemente mirandês, à semelhança de alguns milhares de habitantes deste concelho. (…) O mirandês ainda não foi reconhecido como idioma minoritário pelo Estado Português, apesar de estar reconhecido pela Comissão europeia. Esta omissão é inaceitável e deve ser rapidamente reparada pela Assembleia da República, disse ao DN o ex-autarca actualmente deputado por Bragança. (...) Meirinhos orgulha-se de ter convencido António Guterres a proferir uma saudação em mirandês no salão nobre da Câmara Municipal de Miranda durante a campanha eleitoral de 1995, o que chamou a atenção para a existência do idioma minoritário. O actual primeiro-ministro, de resto é cidadão honorário de Miranda do Douro. (...) Facto curioso: não existe qualquer norma constitucional que reconheça expressamente o português como língua oficial do País.”

in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)

(Continua)

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