Depois,
outros contributos foram decisivos para preservar a nossa língua. Em 1985, a Câmara Municipal de
Miranda do Douro fundamenta exaustivamente uma petição ao Ministro da Educação,
Prof. Doutor João de Deus Pinheiro, para que a título experimental fosse
leccionada uma disciplina, com carácter de opção, de língua mirandesa na Escola
Preparatória. Previamente sensibilizado numa visita oficial a Miranda do Douro,
o então Ministro da Educação acolheu com empenho e incentivo o pedido da Câmara
Municipal.
Valeu
a oportunidade do Dr. Domingos Raposo leccionar na altura na Escola
Preparatória de Miranda que com a sua dedicação e amor à língua mirandesa,
organizou e iniciou a leccionação no ano lectivo de 1987/88, somando ano após
ano lectivo êxitos de participação dos alunos e divulgação da disciplina, a que
não foi estranha a participação na aula do Senhor Presidente da República, Dr.
Mário Soares.
A
notícia foi dada, entre outros Jornais, pelo Comércio do Porto, em 29 de Julho
de 1986: “Em Outubro próximo, vários estabelecimentos de ensino preparatório do
Nordeste transmontano, situados no planalto de Miranda do Douro, vão leccionar
a língua mirandesa, como cadeira de opção. Conclui-se, assim, da melhor maneira
uma luta árdua de vários anos, implementada por autarcas, etnógrafos e
intelectuais. A Câmara Municipal de Miranda do Douro, mercê do empenhamento
pessoal do seu ex-presidente Dr. Júlio Meirinhos, teve papel preponderante na
conquista histórica alcançada pelo Povo mirandês.” (...) De referir que esta
pretensão da gente mais esclarecida de Miranda do Douro, nem sempre teve eco
favorável junto das instâncias governamentais competentes. Isto porque havia
quem apontasse o Mirandês apenas como um dialecto e nada mais.”
No ano
2000, dado o empenhamento pessoal do então Coordenador do Centro de Área
Educativa de Bragança, amigo da língua mirandesa, de Miranda do Douro e nosso
particular amigo, Fernando Calado, o mirandês passou também a ser leccionado no
Agrupamento de Escolas de Sendim por Carlos Ferreira. Nos seguintes anos
lectivos, este professor, estendeu o seu ensino a todas as escolas e níveis
escolares do concelho de Miranda do Douro. O Professor Domingos Raposo ensinou
também a língua mirandesa, durante três anos, em curso livre, na Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro e Carlos Ferreira no IPB em Bragança. Em Lisboa ,
Amadeu Ferreira lecciona com assinalável êxito a língua mirandesa em vários
locais, conseguindo multiplicar por muitos o número de pessoas que sabem hoje
escreve-la.
Mas,
apesar do interesse que o mirandês tinha na sociedade civil e na comunidade
científica, não era reconhecida pelo Estado Português como uma língua. Era
necessário que isso se verificasse e aproveitando o facto de ser Deputado à
Assembleia da República, pelo círculo eleitoral de Bragança, nada mais lógico e
esperado que um Deputado falante do mirandês preparasse, apresentasse e
defendesse um projecto-lei que oficializasse a nossa língua, como veio a
acontecer.
Propor e conseguir aprovar a lei 7/99 de 29 de
Janeiro, funcionou como a chegada da energia eléctrica: tínhamos a baixada, a instalação
feita e as lâmpadas colocadas, mas se não houvesse quem carregasse no interruptor,
podíamos estar milhares de anos com tudo pronto. Se não aparece quem carregasse
no botão, nunca se faria luz. É fundamental saber agarrar as oportunidades de preclusão,
que nunca passam duas vezes pela porta: agarrar o sítio certo, o tempo certo, a
coisa certa. Hoje continua a ser o tempo certo e há condições para fazer mais,
para dar grandes saltos e ir muito mais longe: já diz o provérbio mirandês “ciego nun ye l que nun bei, ciego ye aquel
que nun quier ber”. Quando eu tentei agarrar o projecto da lei com
determinação, também muitos me disseram que não conseguiria, que era impossível,
inconstitucional, mas eu teimei e passados onze anhos estamos aqui.
É pois deste
processo, dos contornos e das personalidades que estiveram ligadas à lei que
aprovou o mirandês como língua oficial, que irei falar neste breve artigo que
pretendo que seja tão somente um preito ao homem mirandês, valente e rude como
a terra que o viu nascer, que guardou a sua língua contra ventos e marés, pois,
este homem, antes prefere quebrar do que torcer.
A
Língua Mirandesa é verdadeiramente um fenómeno da vontade popular e da
resistência dum Povo aos aliciamentos da Língua Portuguesa e mesmo aos
estrangeirismo introduzidos pela diáspora da emigração.
Contudo,
não é lícito afirmar que os Mirandeses não falam o Português, pois essa é sem
dúvida a língua mais utilizada por Terras de Miranda. O que constatamos é que
os Mirandeses falam muitas vezes três línguas: o Mirandês, o Português e ainda
o Castelhano.
Mas a “nuossa
lhéngua” ter-se-ia perdido na lonjura dos séculos se não fosse esta
identidade bem Mirandesa, esta diferença do Povo de Miranda em preservar o que
é seu, materializado no modo de vestir, de dançar, de cultivar a terra, de
fazer o artesanato e também da sua particularíssima forma de falar.
Da “nuossa
lhéngua”, que apenas começou a ser escrita no Século XIX, não teriam
ficado memórias, se os habitantes do Concelho de Miranda do Douro, e algumas
aldeias do Concelho de Vimioso, como Vilar Seco, Caçarelhos, Angueira e outros
não tivessem ao longo de muitas gerações, falado esta língua como herança dos
seus pais e como código ímpar para se comunicar, sobretudo na intimidade.
Por
outro lado, vale a pena preservar o Mirandês, valeu a pena oficializa-lo,
porque, o Mirandês, não é um precário dialecto resultante de variações do
Português, mas trata-se verdadeiramente duma língua minoritária, como diz a Dr.
Manuela Barros Ferreira, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, no
seu trabalho “Defesa do mirandês como
língua minoritária do Distrito de Bragança”: “Do ponto de vista da União Europeia, Portugal tem sido considerado como
um país onde existe apenas uma língua. A este nível, a primeira referência que
é feita à existência do mirandês data de 1995 e encontra-se na publicação do
European Bureau for Lesser Used Languages, que noticia o aparecimento da
Proposta de Convenção Ortográfica Mirandesa e faz uma breve apresentação da
língua respectiva. Em 1996, está novamente referida num estudo da Comissão
Europeia. (...). Segundo este estudo, que analisa a vitalidade e a capacidade
de sobrevivência das línguas minoritárias no contexto actual, o mirandês ocupa
o 34º lugar numa lista de 48 línguas.”
Ainda,
segunda a mesma autora, a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias
define “Língua regional ou minoritária
como sendo, 1º - uma língua tradicionalmente utilizada num determinado
território de um Estado por um grupo de naturais desse Estado numericamente
inferior ao resto da população e 2º - diferente da língua oficial do Estado”.
Pelo
exposto, é dever de todos os Portugueses e em particular dos Mirandeses defenderem
a sua língua, incentivar a comunidade científica a estudar o mirandês, mantendo
vivo o orgulho de falar português e simultaneamente falar o mirandês
reconhecido pelo Estado Português como iremos historiar.
Era
minha convicção que a língua mirandesa que é falada por mais de 15 mil
portugueses, tivesse que ser reconhecida e oficializada pelo Estado Português,
a exemplo do que tinha feito a Comissão Europeia.
Por
isso, enquanto Deputado à Assembleia da República, contactei personalidades,
estudiosos do mirandês, membros do Governo, outros Deputados e muitos
Jornalistas que fizeram opinião e trouxeram ao grande público a importância
deste espólio cultural importantíssimo que é a língua mirandesa.
Em 9 de
Fevereiro de 1998, Pedro Correia, escrevia no Diário de Notícias: “A língua mirandesa deve ser oficialmente
reconhecida pelo Estado Português. É com esta convicção que o deputado
socialista Júlio Meirinhos prepara um projecto de lei que apresentará muito em
breve ao grupo parlamentar. (...) Meirinhos fala fluentemente mirandês, à
semelhança de alguns milhares de habitantes deste concelho. (…) O mirandês
ainda não foi reconhecido como idioma minoritário pelo Estado Português, apesar
de estar reconhecido pela Comissão europeia. Esta omissão é inaceitável e deve
ser rapidamente reparada pela Assembleia da República, disse ao DN o ex-autarca
actualmente deputado por Bragança. (...) Meirinhos orgulha-se de ter convencido
António Guterres a proferir uma saudação em mirandês no salão nobre da Câmara Municipal
de Miranda durante a campanha eleitoral de 1995, o que chamou a atenção para a
existência do idioma minoritário. O actual primeiro-ministro, de resto é
cidadão honorário de Miranda do Douro. (...) Facto curioso: não existe qualquer
norma constitucional que reconheça expressamente o português como língua
oficial do País.”
in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)
(Continua)
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