segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os Elefantes de Nick Brandt também choram



Os caçadores de elefantes estão presentes na literatura. A própria banda desenhada os aureolou para a posteridade. Num livro quase desconhecido, as memórias de Diocleciano Fernandes das Neves[1], é lembrado um desses caçadores lendários: John Chambers.
Nas suas memórias, R. Gordon Cummings, um caçador da África do Sul do século XVIII, descreve como observou as “grandes lágrimas” do maior macho elefante que alguma vez vira. Depois de lhe acertar um tiro no ombro, martirizou-o com vários tiros. Surpreendido e chocado por ver que a criatura suportava o tormento de forma dignificante, decidiu acabar-lhe com o sofrimento, disparando nove vezes por trás do ombro do animal. Cummings é então surpreendido com “grandes lágrimas nos seus olhos, que ele abria e fechava lentamente; o seu porte colossal agitou-se convulsivamente e, caindo de lado, expirou”, escreve o caçador[2].



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Este episódio é narrado num livro extraordinário de Jeeeffrey Masson e Susan Mac Carthy: “Quando os Elefantes Choram”[3]. O livro é um tratado da defesa dos animais porque na visão dos autores, muito bem fundamentada e documentada, possuem emoções. E se uma grande parte dos cientistas é prudente em relação ao antropomorfismo em relação aos animais, cientistas há, como por exemplo Boris Cyrulnik, que se não inibem quanto às emoções dos animais. Sobretudo em relação às necessárias à sobrevivência: o medo, a fome, as paradas sexuais, o carinho, a alegria[4].
Konrad Lorenz, amigo de infância de Karl Popper[5], dedicou a vida ao estudo dos animais. Num livro inesquecível sobre a origem do cão[6], cita Jack London; como este descreve num dos seus romances passados no Ártico, com “tremendo realismo” a “face inocente da gula” do predador[7]. Num outro livro seu, O Ano do ganso de Greylag, na legenda de uma fotografia de um ganso macho pode ler-se: “Depois de Ado [outro macho] se ter apropriado de Selma [a sua antiga companheira], Gurnemanz ficou completamente desfeito, tal como se pode aperceber nesta imagem”.
Isto transporta-nos para o “caldo primordial” de François Jacob[8] e, assim, para o princípio da evolução das espécies vivas de Charles Darwin[9]: “da primeira célula até ao homem, os animais descendem uns dos outros, modificando-se no decurso do tempo por variações sucessivas e pela selecção natural”[10].
Urge pois o respeito humano pelas outras espécies. Conhecendo-as, conhece-se melhor a ele próprio. E. O. Wilson, n’A Criação[11], faz um apelo gigantesco para salvar a vida na Terra. O biólogo alerta mesmo para uma “catástrofe biológica em curso”. A título de exemplo, atente-se para estes dados mundiais (2004). Sugeridos por Wilson: 32,5% das espécies de anfíbios foram classificadas como espécies em extinção. Assim como 12% de répteis, 23% de aves e 23% de mamíferos. Confirmou-se a extinção de 34 espécies de anfíbios e 113 espécies foram classificadas como “possivelmente extintas”.
O dodó [Raphus cucullatos], outrora habitante da ilha Maurícia, é o ícone mundial da extinção. E ao ritmo que os elefantes que choram são mortos, não tarda a que se tornem no novo ícone da extinção do século XXI.
O fotógrafo inglês Nick Brandt, em Dezembro de 2000 começou a fotografar paisagens e animais em África, a preto-e-branco. Publicou as suas fotografias em dois livros: On This Earth e A Shadow Falls, que serviram de base a uma exposição de fotografia que pôde ser vista em Paris até 15 de Janeiro de 2010. As fotos da exposição A Shadow Falls, que estiveram em cartaz na A. Galerie, integram ainda o livro A África no Crespúsculo, lançado recentemente na França.
Brandt percorreu pela primeira vez, em 1995, o trajecto de Nairobi a Arusha, no norte da Tanzânia, passando pelo sul do Quénia, no qual ele afirma ter visto girafas, gazelas, zebras, impalas e gnus. Treze anos depois, refez o mesmo percurso e, durante quatro horas de estrada, não viu nenhum animal selvagem. “Eles não migraram para outro lugar, eles desapareceram", disse. "Estas fotos são o meu poema para um mundo que está desaparecendo tragicamente", afirmou. O artista mostra os animais de maneira poética, conferindo-lhes uma imagem romântica e nostálgica, para alertar sobre o desaparecimento das espécies.

[1] Das Terras Do Império Vátua às Praças da E o Homem Encontrou o Cão, Relógio D’Água, República Bóer, Dom Quixote, 1987.
[2] A revista África Geographic (vol 18, nº 4, Maio, 2010) informa que em 1979 estimava-se que existissem em África 1,3 milhões de elefantes. Hoje estima-se para 470.000. Supondo-se que são mortos anualmente 38.000.
[3] Sinais de Fogo, 2001.
[4] A Mais Bela História dos Animais, ASA, 2001, p. 169.
[5] Ambos admiradores de Selma Lagerlöf, a célebre escritora de “ A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson” (Relógio D’Água, 2007).
[6] E o Homem Encontrou o Cão …, Relógio D’Água, 1997.
[7] Idem, p. 135.
[8] O Jogo dos Possíveis, Gradiva, 1981, p. 43.
[9] A Origem das Espécies, Ediouro, 2005. A tal propósito, cf. A Mais Bela História do Mundo, gradiva, 1996, p. 60.
[10]Joel De Rosnay, A Mais Bela História do Mundo. A tal propósito, cf. HARRISON, Keith, O Nosso Corpo, O Peixe que evoluiu, Presença, Lisboa, 2009; BENTON, Michael J., Breve História da Vida, Texto, 2010.
[11] Gradiva, 2007.

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Igreja de São Faustino do Peso da Régua