JUNQUEIRO, Guerra, A Pátria (Anotações – Balanço Patriótico), nota 2, Europa América, s/d, p. 140.
Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta (Trás-os-Montes) em 17 de Setembro de 1850. Filho do negociante e lavrador José António Junqueiro e Dona Ana Guerra. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra e ministro de Portugal na Suíça, faz parte do grupo dos Vencidos da Vida que se constituiu em 1888. Faleceu em Lisboa a 7 de Julho de 1923. Repousa nos Jerónimos para onde foi trasladado em funerais nacionais[1].
Foi poeta notável, prosador enorme, republicano e pensador ilustre. Autor de obras de combate, os seus grandes livros são a Morte de D. João, a Velhice do Padre Eterno, Os Simples e A Pátria. A Musa em Férias completa este quarteto grandioso.
Embora tenha enveredado inicialmente pela política, não foi tentado por ela. Em 1878 é eleito deputado por Macedo de Cavaleiros, mas em breve deixa o parlamento para se consagrar à lavoura (passando a residir na sua quinta da Barroca, junto de Barca d’Alva)[2], aos versos e ao bric – à – brac.
Ainda hoje desperta interesse do público e dos estudiosos. Ainda recentemente foi lançada uma recolha de composições musicais, tendo por fonte temática 24 poemas de Junqueiro[3].
No seu livro memorável, A Pátria, peça dramática em 24 cenas[4], Guerra Junqueiro, a título de conclusão, nas suas anotações intituladas Balanço patriótico, respiga:
“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta; […] Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde porvém que na politica portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro[5]; […] Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; […] A Justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rolhas; […] Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar; […] Um regime económico baseado na inscrição […], perda de gente e perda de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio; […] Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante – o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários; […] E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em formulas banais e populares – tão bons são uns como os outros, corja de pantomineiros, cambada de ladrões, tudo uma choldra, etc., etc. […] O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroísmo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. […] É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo […] Sei muito bem que o estadista não é o santo, que o grande politico não é o mártir, mas sei também que toda a obra governativa, que não for uma obra de filosofia humana, resultará em geringonça anedótica, manequim inerte, sem olhar e sem fala[6]. […] Há, além disso, bem no fundo deste povo um pecúlio enorme de inteligência e de resistência, de sobriedade e de bondade, tesoiro precioso, oculto há séculos em mina entulhada. É ainda a sombra daquele povo que ergueu os Jerónimos, que escreveu os Lusíadas. Desenterremo-la, exumemo-la. Quem sabe, talvez revivesse! […]”.[7]
[1] Os Poetas, Colecção Patrícia dirigida por Albino Forjaz de Sampaio, Diário de Noticias, 1924.
[2] Cf. Viajar com… Guerra Junqueiro, ed. Caixotim, 2003.
[3]A Música de Junqueiro, (Coord. Henrique Pereira), Universidade Católica do Porto, 2009.
[4] Publicado pela primeira vez no Porto em 1896, com 2ª ed. No mesmo ano; 3ª ed. em 1905 e 4ª ed. em 1915, ambas no Porto.
[5] Se o Nazareno, entre ladrões, fosse hoje crucificado em Portugal, ao terceiro dia, em vez do Justo, ressuscitariam os bandidos. Ao terceiro dia? Que digo eu! Em 24 horas andavam na rua, sãos como peros, de farda agaloada e grã-cruz de Cristo.
[6] O sublinhado é nosso.
[7] JUNQUEIRO, Guerra, A Pátria, Europa América, Men Martins, s/d, Editor: Francisco Lyon de Castro, Ed. Nº 40 904/3619, pp. 139-160.
Ao tempo que tudo isto perdura, que dificilmente ao povo será exigido mais, com medo que, se lhe prestem contas... as mesmas que este povo tão sovina, não se importa que de outros a utilizem. Só mesmo este povo tão macarrónico e humilde se deixa comer por esta trupe de lambões vorazes que não se incomodam de matar os seus descendentes apertando cada vez mais o garrote a quem dificilmente vive com a pensão mínima, a reforma mínima, a vida mínima, a comida mínima e tudo o que sobra é mesmo, mínimo... Este Sr Guerra Junqueiro é cá dos meus, e também me parece que mais dia, menos dia vamos ter que desenterrar os machados de guerra. Obrigado Armando, pela lembrança!
ResponderEliminarGosto muito de Guerra Junqueiro.
ResponderEliminarhttp://adriveinmycountry.blogspot.com/2010/08/guerra-junqueiro.html Um abraço,
manuel cardoso