“Vou morrer”, disse Wilson a si mesmo. Uma fria descarga de medo galvanizou-lhe o corpo, e durante um momento choramingou. Imaginou a bala a rasgá-lo, a abrir-lhe a carne das entranhas, e sentiu-se nauseado.
MAILER, Norman, Os Nus e os Mortos, Dom Quixote, Lisboa, 2008, p. 510.
Esta passagem d’os Nus e os Mortos, extraordinário e monumental livro publicado acerca de 60 anos, podia referir-se a qualquer guerra. Mas não podia pertencer a qualquer romance de guerra. Apenas a um como este. Um fresco de violência, perturbador, brutal e agonizante.
O soldado Wilson do romance de Mailler, podia muito bem ter participado nos horrendos acontecimentos de 15 de Março no ano de 1961 em Angola, onde o tormento de alma de alguns levou à carnificina de tantos.
Na Região dos Dembos, onde tudo começou, no distrito angolano do Quanza – Norte, o dia surgiu da noite, claro e luminoso. Nos longes, contudo, surgiam nuvens carregadas que à meia tarde encharcariam os cafezais e as matas espessas, tornando as estradas e picadas num lodaçal intransponível.
Os atacantes perseguiam os brancos de catana em riste. Foram cometidas toda a espécie de atrocidades. Algumas delas, diz-nos António Lopes Pires Nunes[2], urdidas por serventes que eram tratados pelos brancos ou mestiços como elementos da família.
Os acontecimentos de Março ocorreram em várias localidades. Idêntica má sorte à do Quitexe, tiveram-na Nambuango, Quibaco, Zala e Quimbunde. Dias depois alastrada a Vila Viçosa e Vista Alegre. Nestes locais, os corpos de homens, de mulheres e bebés (brancos e negros), foram selvaticamente retalhados à catanada. Mucaba foi um ponto de resistência aos terroristas, mas foi Nambuangongo que se tornou o símbolo da luta anti-terrorista. Felícia Cabrita é outra repórter que trata o assunto[3]. Mas à época foi Horácio Caio que deu a conhecer ao Mundo a barbárie do 15 de Março de 1961[4]. Outros autores, porém, relataram os factos nus e crus[5].
Os acontecimentos do 15 de Março de 1961 que trouxeram a barbárie às populações angolanas de então, estão hoje a ser evocados pela Liga dos Combatentes, em Lisboa. Às 10h e 30m é celebrada uma missa no Mosteiro dos Jerónimos, às 12h e 30m, sua Ex.ª o Presidente da Republica, Professor Aníbal Cavaco Silva descerrará uma placa evocativa do inicio do conflito em Angola no Monumento aos Combatentes do Ultramar e às 17h e 30m serão proferidas, na Sociedade de Geografia, as palestras do Professor Adriano Moreira e do General Gonçalves Ribeiro que exerceu as funções de Alto-Comissário para os Desalojados oriundos das antigas colónias.
Armando Palavras
[1] Os Anos Da Guerra Colonial, 2011.
[2] Angola 1961 – da Baixa do Cassange a Nambuangongo, Prefácio, 2005.
[3] Massacres em África, Esfera dos Livros, 2007
[4] Angola, os Dias do Desespero, 1961.
[5] Hélio Felgas (Guerra em Angola), Mário de Andrade e Marc Ollivier (A Guerra em Angola). Genocídio Contra Portugal saiu na mesma altura.
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