O Concelho
Além da vila, este concelho anexo (ao de Penaguião) tinha mais quatro lugares: Soutelo, Povoação, Tabuadelo e Justos.
Tinha juiz ordinário de cível e órfãos, acompanhado por dois vereadores, um Procurador e um Almotacé. Eram lugares preenchidos pelos “homens bons” do povo, a quem competia julgar os crimes capitais. A eleição para a câmara era trienal, sendo aberto o pelouro com a sentença do ouvidor proposto e pago pelo donatário de Penaguião que, ao mesmo tempo, era Senhor de Fontes[1]. O provedor da comarca tomava conta das justiças e dos direitos reais do donatário – 504.000 reis. Possuía um capitão-mor confirmado pelo General da Praça e a capitania-mor tinha mais ou menos duas léguas de circunferência.
Por ser um concelho dotado de privilégios inscritos no foral, não se podiam recrutar soldados sem o consentimento do donatário.
Por todo o séc. XVIII, Fontes foi vigairaria da apresentação do comendador e honra locais, da Ordem de Malta. A sua igreja tinha seis altares: o maior, do Santíssimo Sacramento, o de Nossa Senhora do Rosário, o do Menino de Jesus, o dos três Santos – São Gonçalo, São Brás e Santa Ana – e o das Almas.
A sua irmandade das Almas tinha inscritos 1930 confrades. E a freguesia tinha onze capelas.
A Igreja de São Tiago de Fontes– processo de construção
A 16 de Maio de 1745, mestre pedreiro de cantaria Damião Barbosa e outros, obriga-se perante o juiz da igreja, o reverendo João Pinto, a fazer a obra desta igreja (Doc.14).
Com Damião Barbosa, natural de São Miguel de Fontoura, termo de Valença do Minho, trabalharam em parceria os mestres canteiros Eleutério Rodrigues, conterrâneo daquele, e António de Magalhães do lugar de Pardelhos, freguesia de Santa Eulália de Fafe, termo de Monte Longo.
A eles estavam associados outros dois mestres canteiros naturais de Fontes – Domingos Francisco, do Bairro do Vale e António da Silva, ambos solteiros – e o mestre “alvineiro” António Barbosa, da freguesia de São Paio, termo da vila de Viana. Todos “assistentes nestas terras”.
Procurava-se fazer “o augmento e consertos” assentes nos capítulos de anterior visitação. Porém, a conselho do reverendo João Pinto, os fregueses puseram a obra “a lanços” para a igreja ser demolida e “fazer-se de novo”, porque as paredes estavam muito velhas. Os mestres obrigavam-se a fazê-la “toda a quantaria” com 84 palmos de comprimento “dentro das paredes”, 30 de largura, por dentro, e 30 de altura. Arrematada por 212 mil reis a obra de cantaria e 200 mil reis a de alvenaria, seria entregue e concluída pelo “dia de Sam Joam”, daí a um ano, cuja quantia seria recebida em quatro fracções, tanto para a cantaria como para a alvenaria: 62 mil reis no início da quebra da pedra no monte, a segunda ao assentar as primeiras pedras, a terceira a metade da obra e a quarta quando concluída.
Paga com os rendimentos das confrarias da igreja, ficou estipulado o seguinte: a pedra velha ficava para os mestres, para a utilizarem na nova construção, e aos fregueses pertencia fazer os carretos, a cal, areia “madeiras de estados” e guindaste, bem como o “sarilho e a fazer alicerces”.
Passados cinco anos, a 29 de Dezembro de 1750, é lavrada escritura de obrigação entre os mestres pedreiros António Fernandes do lugar de Mateus, termo de Vila Real, e Agostinho Rodrigues do lugar de Valença do Minho, freguesia de São Miguel de Fontoura, e o juiz da igreja (Doc.19).
Esta escritura pressupõe que a obra anterior não tinha sido concluída. Talvez nem tenha sido iniciada, pois os ditos mestres foram contratados para fazerem “o corpo da igreja com sua torre”.
A forma como se lhes pagaram os 780 mil reis, preço pelo qual foi arrematada “em prasa publica”, sugere esta conclusão. Os sete pagamentos processaram-se da seguinte forma: o primeiro na “factura desta”, o segundo no “principio de acentar parede”, o terceiro “dipois que a obra andar de des palmos”, o quarto “quando a obra tiver vinte palmos de alto”, o quinto “quando a dita obra tiver trinta e dois palmos de alto”, o sexto “nos oliveis da igreya” e o último “no fim da obra toda”.
Os pagamentos foram faseados, conforme os mestres concluíam, ou não, determinada fase.
Com grandes probabilidades, foram estes dois mestres, pelo menos, os construtores do corpo da igreja, como se verá em contrato de 1753, pois mais tarde se lavrará escritura para a torre, como veremos. Esta conclusão prende-se ainda com o facto de, dois anos passados, a 19 de Julho de 1752, se ter lavrado escritura de arrematação para as “obras de madeira”, feita três dias antes, a 16 desse mês. Entre o juiz da igreja, os “juízes eleitos[2] para as obras” e os mestres carpinteiros Francisco da Silva e João Baptista[3]. Este assistente no couto do Peso e aquele na vila de Fontes (Doc.20).
Comprometiam-se fazer a armação tradicional, o coro e o púlpito na forma e feitio do da igreja de São Miguel de Lobrigos e as portas com almofadas, do feitio do da porta travessa de São Pedro Novo de Vila Real.
Descreviam-se então no documento, alguns pormenores da obra. A porta principal “levará suas bandeiras” e dobradiças fortes para as quais “se dará o molde”. As outras três portas, do coro, torre e casa da fábrica, seriam lisas e de boa madeira. A igreja seria forrada de “meia laranja” feita de “boa pregaria”.
Arrematada “em o Adro da dita Jgreja” pelo preço de 480 mil reis, comprometiam-se os mestres conclui-la em seis meses. Para isso haviam de receber 50 mil reis no principio, a mesma quantia no mês de Outubro desse ano, 100 mil reis no principio da armação, quantia igual quando concluída a armação e portas e os restantes 180 mil reis depois de “feita acabada e revista” por dois mestres carpinteiros. Um deles eleito pelos mestres, outro pelos juízes.
Como clausula, o contrato era bem explícito. Se houvesse algum defeito, seria toda a obra desfeita e novamente refeita à custa dos mestres. Porém, se fossem verificados incumprimentos nos pagamentos, os mestres não se sentiriam comprometidos em continuar e concluir a obra. Declararam ainda os mestres construtores, que os juízes não eram obrigados a dar-lhes os segundos 100 mil reis sem que tivessem feito os frechais e tivessem pronta toda a madeira para a armação.
Contudo, a 14 de Fevereiro de 1753 é feita nova escritura para a obra de cantaria e alvenaria para “o corpo da igreja como a torre” (Doc.22). É contratado o mesmo mestre António Fernandes do lugar de Mateus, termo de Vila Real, a quem os eleitos haviam contratado em 1750. Desta vez em parceria com mestre Constantino de Castro do lugar de Sepains da comarca de Guimarães.
Todavia, o lance de 373.240 reis era inferior ao daquele ano, 780 mil reis. Porque o lance, passados três anos, era inferior e porque estavam concluídas as obras de carpintaria, conclui-se que a actual obra seria um complemento da outra, deixada por concluir.
Esta de 1753, foi paga em seis fracções. No princípio da obra receberam 73.240 reis e os outros 300 mil reis foram pagos em seis fracções.
A procuração bastante feita por Constantino de Castro a 7 de Abril de 1757 a José Soares (Doc.26), confirma a obra anterior de 1753.
Estes dois documentos revelam que muitos dos contratos não eram cumpridos na íntegra pelos mestres, pois as obras prolongavam-se para lá do tempo estipulado, muitas vezes, como se viu, intervalados vários anos. Uma das razões apontadas para o facto, embora em muitos contratos esteja clausulado o contrário, era a participação dos mestres noutras obras ao mesmo tempo. Aliás, há casos excepcionais nestes contratos. A alguns mestres era-o permitido. Foi o caso de Domingos Martins Fagundes em Cever e Custódio Vieira de Carvalho na obra da igreja de Caria (Cap. VI).
O mesmo se pode depreender da escritura lavrada a 21 de Junho de 1789, para a obra da torre da igreja (Doc.51). Inicia-se em 1750, é intervencionada na parte construída em 1753 e só passados 36 anos se conclui.
Esta escritura lavrada entre João Dias, pedreiro do lugar de Fornelos, termo da vila de Santa Marta e o juiz e moradores de Fontes poderia levar-nos a concluir que a torre da igreja, ao contrário do corpo, não tinha sido iniciada pelos mestres anteriores, até porque o período de tempo proposto para a sua conclusão era de dois anos. Contudo, verifica-se o contrário. Analisada a forma como se processaram os quatro pagamentos, conclui-se que os mestres anteriores, por razões desconhecidas, não andando longe das propostas acima, iniciaram a sua construção, não a concluindo. Levantaram todo o corpo da igreja, como não podia deixar de ser, por ser mais importante para os fiéis, mas a torre constituída por três corpos, apenas lhe construíram o primeiro. Vejamos.
Arrematada a obra por 991 mil reis, o primeiro pagamento de 300 mil reis seria pago no princípio da obra e os restantes três de iguais quantias seriam da forma seguinte: “hum no fim do segundo corpo da torre e o outro no treceiro corpo da mesma e o outro no fim da mesma obra”.
Para os sinos, o juiz obrigava-se a arranjar ao mestre, por conta da freguesia, trabalhadores para o ajudarem.
A pintura do tecto foi executada em 1775 como consta do cronograma exposto na sua capela-mor. Mas sobre os artistas intervenientes nada sabemos.
in: PALAVRAS, Armando, Os tectos durienses: a iconografia religiosa setecentista nas pinturas dos templos da região demarcada (Tese de Doutoramento em História - Área cientifica: História da Arte, com orientação do Professor Doutor Luís Manuel Aguiar de Morais Teixeira e co-orientação da Professora Doutora Isabel Mayer Godinho Mendonça), Universidade Lusíada de Lisboa, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, 2011.
(Tese anexada ao Blogue a 27 de Fevereiro de 2011)
[1] CARDOSO, Luís, Dicionário Geográfico, vol. 16, fls. 710 e 711.
[2] O juiz da igreja era à altura, Manuel Rebelo e os juízes eleitos especificamente para as obras eram: João de Mesquita, Manuel Cardoso de Matos, Manuel Pinto e Frei António Paulo Mendes, reverendo da dita igreja.
[3] Adiante aparece com o apelido “Matos”. Seria, portanto, família (irmão?) de Francisco Correia de Matos, mestre pedreiro que interveio na obra da igreja de Godim em 1775.
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