Os primeiros espiões de que há registo infiltraram-se em Jericó por ordem de Josué (Js. II, 1-7)[1]. E o esconderijo que usaram era um bordel. A segunda mais antiga história de espionagem registada está descrita no canto X da Ilíada[2]. Acaba numa carnificina abafada. Também na Antiguidade chinesa os espiões são elementos obrigatórios de análise. Sun Tsu na sua “Arte da Guerra”[3] dedica o último capitula, intitulado “O uso de espiões”, precisamente a estes heróis camuflados. Classifica-os em cinco categorias: locais, infiltrados, duplos, condenados e sobreviventes. O fascínio pelo género é, como diria George Steiner em “The New Yorker”[4], eterno.
Aos espiões está ligado o decifrador de códigos, ou escrita secreta. Algumas das referências mais antigas a esta escrita secreta datam de Heródoto, a quem Cícero se refere. Na sua obra, Histórias, relatou o conflito entre os Gregos e os Persas no século V a.C[5].
“O Espião” de James Fenimore Cooper, encontra-se entre as primeiras obras maduras americanas. Cooper aborda um tema apreciado pelo público: o do agente duplo. Na senda da espionagem Joseph Conrad escreveu “O Agente Secreto”. E na narrativa romanceada destaca-se John Le Carré. Este pano de fundo é tratado por Graham Greene em “O Factor Humano”. Maurice Castle, o seu espião, ama Sarah, a sua mulher negra e o seu enteado, Sam. A trama situa-se na sua fuga da África do Sul e das suas leis raciais que teriam tornado impossível o seu casamento. Publica “ A Inocência e o Pecado” em 1938 e, a seguir, “O Nosso Agente em Havana” e “O Cônsul Honorário”, para aportar, talvez, na sua melhor narrativa: “O Poder e a Glória”. 007 foi outro agente secreto famoso que se tornou uma lenda do cinema através de Roger Moore.
Além deste tema (espiões e agentes secretos), um outro surge no género: o do detective, o do policial (privado ou não) que aparece para resolver determinados crimes. Arthur Conan Doyle[6] criou (?) a personagem lendária de Sherloch Holmes, cujas fascinantes e inteligentes deduções são narradas pelo seu amigo, o Doutor John H. Watson. “Um Estudo em vermelho” (1887) é um caso cujo verdadeiro enigma é decifrado por Holmes. Ruth Rendel em “Enigma na Escuridão” (1978) guia os leitores pelo lado mais obscuro da alma humana. Nicolas Freeling recebeu o prestigiado prémio Edgar Allan Poe com “O Rei de um País Chuvoso” (1966). Eric Clerilhew Bentley, com “O Último Caso de Trent” (1912), ficou consagrado como um dos mestres do género policial. Agatha Christie com o seu detective belga, Poirot, ficou célebre entre os maiores.
Mas aquele que ficou na memória dos jovens (e adultos) da década de sessenta do século passado foi, sem dúvida, o Santo. A sua primeira aparição ocorre em 1928, no terceiro romance do seu criador, Leslie Charteris: “The Tiger!”[7]. O Santo, o detective Simon Templar, preencheu a imaginação de milhões de jovens através dos episódios aventureiros que correram nas televisões de todo o mundo. Deu-lhe vida o actor de 007: Roger Moore. A apresentação dos episódios era magnificamente preenchida por uma figura humana esquemática com um nimbo sobre a cabeça. Como são iconograficamente representados os santos. As imagens sagradas.
Leslie Charles Bowyer-Yin (Leslie Charteris), nasceu em 12 de Maio de 1907, em Singapura, filho de pai chinês e mãe inglesa. Foi nos Estados Unidos onde sempre viveu que publicou as suas “Short stories” para a Paramount Pictures. Faleceu a 15 de Abril de 1993.
Em Portugal as suas “Short stories” foram publicadas na célebre “Colecção Vampiro” dos Livros Brasil. Delas conservamos três: “O Santo e os Anjos da Vingança”, “O Santo em Londres” e “O Santo recebe um SOS”.
in: Negócios de Valpaços, nº 372, 30 de Outubro de 2010
Armando Palavras
[1] Bíblia de Jerusalém.
[4] org. Robert Boyers, 2010.
[5] Em 480 a.C. Xerxes estava disposto e preparado para lançar uma ofensiva nunca vista sobre os Gregos que se recusavam perder a sua liberdade. Contudo, Demaratus, um grego exilado mas leal à sua Pátria, decidiu enviar uma mensagem aos Espartanos sobre o plano de invasão de Xerxes. A forma extraordinária que encontrou para mandar a mensagem sem ser descoberta foi a seguinte: raspou a cera de um par de tábuas de madeira desdobráveis, escrevendo na madeira de baixo o que Xerxes tencionava fazer. Escrita a mensagem, cobriu-a de novo com cera. Corgo, a esposa de Leónidas, foi a descodificadora. Os Gregos puderam assim preparar-se para o embate (Simon Singh, O Livro dos Códigos, Temas e Debates, 2001).
César usou com frequência a escrita secreta. Valério Probo escreveu um tratado sobre as suas cifras que infelizmente se perdeu. Contudo, conhece-se um tipo de cifra de substituição utilizado por César, graças às “Vidas de César” de Suetónio que nos faz uma descrição pormenorizada.
[6] Sobre quem em 2005 se levantou a suspeita de ter assassinado um amigo para encobrir plágio da história de Sherlock Homes – jornal Público, 27/07/2005.
[7]Todavia, Charteris acabou por renegar esse inicio, afirmando sempre que a criação do seu mais emblemático personagem ocorreu em 1930 em “Enter the Saint”.
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