quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Aspectos de Ontem - O retrato de Ana de Clèves

                                 
Cerca de 1520, o rei Henrique VIII de Inglaterra quis divorciar-se de Catarina de Aragão por duas razões: porque a rainha lhe não dava um filho e porque se havia apaixonado por Ana Bolena.
Como era de prever, o Papa Clemente VII ameaçou-o de excomunhão, pois o divórcio, era, à época, contrário aos princípios da Igreja[1].
Um homem do gabinete real, Thomas Cromwell, não só o apoiou como arquitectou um plano audacioso para Henrique concretizar os seus planos: convenceu o rei a romper com Roma, tornando-se o chefe de uma igreja anglicana.
O projecto de Cromwell acabou por se consumar, mas o terror havia de tomar conta do país[2], pois o secretário do rei para conseguir os seus intentos, usou esquemas pérfidos, fazendo circular, através dos seus espiões, histórias falsas sobre o comportamento dos católicos. As igrejas foram demolidas, as imagens destruídas. Os pobres que outrora eram acolhidos nos mosteiros, passaram a viver nas ruas, assim como os ex-monges. Cromwell coroou, depois, a sua politica facínora, com a cobrança de altos impostos.
Em 1535, surgiram fortes revoltas no Norte do país que ameaçaram apear Henrique do trono. É então que o filho do ferreiro começa a cair em desgraça, pois o rei não desejara ir tão longe. Apenas tencionava divorciar-se.
A terceira mulher de Henrique, Jane Seymour, havia falecido. Cromwell decide então fazer um jogo arriscado, propondo uma nova rainha ao rei: Anne de Clèves, princesa alemã e, sobretudo, protestante. Mataria “dois coelhos de uma cajadada”.
Sob as ordens de Cromwell, Hans Holbein, à altura o pintor da corte[3], executou um quadro enaltecedor da princesa. O pintor aliava à sua pintura um “realismo detalhado” à maneira usada a norte dos Alpes[4]. Henrique ao vê-lo, apaixonou-se e o secretário parecia ter, de novo, caído nas graças reais.
Mas Holbein, um pintor extraordinário, havia idealizado demais o retrato. Henrique quando foi confrontado com a realidade ficou profundamente desgostoso[5].
Cromwell pagou por isso. No mês de Junho de 1539, foi preso, acusado de extremismo protestante e de heresia, sendo mandado para a torre. Seis semanas depois, na presença de uma multidão em delírio, o carrasco público cortou-lhe a cabeça.
Holbein que antes tinha contado com o apoio intelectual do autor d’ A Utopia, Tomás Moro[6], sobreviveu. E embora não tendo recebido mais encomendas reais depois de 1539, continuou a ganhar o seu salário até à morte.


  
Hans Holbein, retrato de Ana de Clèves,
c. 1539, Pergaminho transferido para tela,
65 x 48 cm, Museu do Louvre, Paris.
           
                                                Armando Palavras
                                                                                

[1] E.H. Gombrich, Uma Pequena História do Mundo, Tinta da China, 2009, p.221.
[2] cf. Robert Greene; Joost Elffers, As 48 Leis do Poder, Rocco, 2001, p. 436.
[3] E.H. Gombrich, A História da Arte, Phaidon, 2006, p. 376; H.W. Janson, História da Arte (2ª ed.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977.
[4] Obras Primas da Pintura Ocidental, Taschen, 2002, p. 295.
[5] Norbert Wolf, Holbein, Taschen, 2005, p. 79.
[6] Stefano Zuffi, L’Art au XVIe siècle, Hazan, Paris.


 


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