terça-feira, 26 de novembro de 2024

CONVERSAS DE VIAGENS

                             LAGOAÇA  e  FORNOS - vista aérea



Por  JORGE  LAGE


Graças à sólida grata amizade com Armando Palavras tenho recebido quase todas as publicações que saem sobre Freixo de Espada-à-Cinta e mais ainda de Lagoaça.

«Conversas de Viagens – Contos, Histórias e Poemas», de Elmiro Barbeiro, é um livro de memórias e vivências, cujo palco maior é Lagoaça.

ELMIRO  BARBEIRO
E deixem-me que comece pela origem do hidrotopónimo «Lagoaça» (Lagoa + aça – sufixo de abundância, grande quantidade de água). Embora nunca tenha estado em Lagoaça (mas tenho de conhecer se Deus me der vida) a origem deste topónimo é uma grande evidência. Não deixo cair a origem porque a toponímia é para mim uma luminosa janela da História. O autor ao transcrever um texto (de António Piegas Antunes) sobre a sua caracterização «junto a um terreno alagadiço, pantanoso ou pequena lagoa. Sabe-se que a actual praça central e a rua das Hortas eram em tempos zonas alagadiças e de muitas águas, onde passaria um ribeiro. Ainda hoje existe no local, uma interessante fonte de origem medieval.» E sabemos quão importante foi a água para a criação de núcleos populacionais.

Não há que romancear o que é mais que evidente, porque a toponímia faz luz sobre a história monográfica da maioria das localidades.

Mas, o livro é interessante e recheado de memórias (cultura imaterial) para nos ficarmos por este aspecto toponímico. O douto prefaciador, Armando Palavras, serve-se de um texto do nosso escritor maior e mais burilador do granito, cerros e miradouros da escrita, Miguel Torga, onde nos diz que o termo da raiana Lagoaça é de transição entre o que foi celeiro do trigo de Trás-os-Montes, o Planalto Mirandês, e os socalcos da azeitona, da abrigada laranja e do líquido suor e sol engarrafados (António Cabral).

E elucida-nos que «é um volume de fragmentos. Pequenas histórias que Elmiro (nome de origem visigótica?) ouviu a este e àquele, sobretudo ao seu Pai, o sr. António Barbeiro – o tio “cinco” (…) e por ferroviários lagoaceiros».

Fala-nos dos usos e costumes como «do Entrudo de Lagoaça», do «Vale de Ladrões», de figuras típicas como a «Maria Canhona», o «Ti Lonas» e apresenta a narrativa com imensas fotografias do «José Sobral» e outros.

O autor adverte que o livro foi uma promessa que «fizera ao seu pai». Onde mistura o real e o ficcionado e os nomes alterados, sendo as memórias escritas «nas décadas de 60 e 70 e estavam guardados». Resultaram de longas «horas de viagem e muitas foram as histórias e contos que meu pai me contou.»

O autor foi combatente em Fulacunda (ex-Guiné Portuguesa/Guiné-Bissau) e transcreve dados históricos sobre Lagoaça, para recordar em sentido poema a Mãe, Adosinda: «Lembras-te mãe//Quando íamos ao rebusco da azeitona/ Arribas abaixo// De paredão em Paredão (…)?» E ao pai, António: «Boa noite pai// Então já tem a “tralha” pronta?// (…) Tenha calma, porque amanhã partimos para Lagoaça.// Desta vez, vamos lá passar oito dias.// - Caralho! Esses dias todos?! (…) e ala p’ra Vila Dala».

As histórias passadas naquele tempo entre Mogadouro e Carviçais, com Lagoaça como centro do mundo que a linha férrea do Sabor fazia esticar até Vila Real, Porto, Lisboa e com o serviço militar até Tavira.

Via férra que dava de comer a muitas bocas do concelho de Freixo e da região.

Era a vida duma aldeia raiana, que até dava para casamentos entre portuguesas e espanhóis e o contrário.

O autor criou heterónimos das personagens desta narrativa em que a maior é o Ramiro (até podia ser o Elmiro) porque não há forma de narrar episódios com tanto pormenor não sendo o próprio a vivê-los.

As idas á estação de Carviçais abastecerem-se e passagem pelo mítico «Vale de Ladrões», onde os assaltos aos almocreves e outros se sucediam, com o Pé de Cabra a actor principal.

«As Conversas de Viagens» dão-nos uma ideia da vida dura dos ferroviários para ganharem o sustento e o tempo de demora dali às localidades principais. Por exemplo, de Freixo de Espada-à-Cinta a Tavira eram cerca de 24 horas de comboio, se não houvesse avarias.


LAGOAÇA- vista aérea



Deixem que lhes diga que a desactivação e desmantelamento das vias férreas secundárias foi um crime de lesa pátria que a História vai julgar. Hoje seriam um factor de coesão territorial e de desenvolvimento. Vendeu-se o material circulante e infra-estruturas ao preço da uva mijona e até se permitiu que fosse delapidado, em troca de «sardinhas de luxo». Até parece que nenhum político passou, por exemplo, pela Suíça, em que chega a haver três linhas paralelas (na base da montanha, a meia-encosta e pelas cumeadas).

Nós, lusitanos, com políticos “espertos”, vivemos na pobreza e os outros países com políticos medianos vivem na abundância.

Mas a jóia da coroa transmontana foram as linhas do Corgo e a linha do Tua, mítica obra maior da engenharia portuguesa novecentista. Dizem que a trocaram por um banco esmoler à beira do Lys.

O autor refere-se a um episódio da partida dos soldados para a Segunda Grande Guerra, mas deve ser lapso, porque a descrição é da 1.ª Grande Guerra, do Corpo Expedicionário Português, impreparado, para a linha da frente na Flandres, ordenado pela maçonaria republicana, onde foi chacinado pelo exército alemão. Na Segunda Grande Guerra houve apenas voluntários nos dois lados no anglo-francófano e, também, no eixo italo-germânico. Um pormenor que não deslustra esta interessante obra.

Este livro merece entrar para os da estante da Guerra do Ultramar, porque se aborda a vida militar e alguma movimentação na ex-Guiné Portuguesa.

Também não faltam as paixonetas da adolescência e quando se entrava na idade adulta. Há sempre uma Mariazinha que se deixa seduzir pelas mãos dum luzidio carocha ou de outra espada.

O Ramiro e o Elmiro, dois amigos inseparáveis, à boa maneira pessoana, deverão viver hoje na Margem Sul do Tejo e ambos estão de parabéns por nos registarem «viagens» e vivências que se perderiam. Até as várias fotografias ilustrativas da narrativa são um importante contributo para a nossa etnografia e monografia e muito mais para os lagoaceiros.

Os meus parabéns ao autor porque soube subir a pulso, com sucesso, a nodosa corda da vida e legar-nos este recheado livro que aconselho a sua leitura e pode ser solicitado através do blogue tempocaminhado.

Jorge Lage – Jorge.j.lage@gmail.com

 

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