«Conversas de Viagens – Contos, Histórias e Poemas», de Elmiro Barbeiro, é um livro de memórias e vivências, cujo palco maior é Lagoaça.
ELMIRO BARBEIRO |
Não
há que romancear o que é mais que evidente, porque a toponímia faz luz sobre a
história monográfica da maioria das localidades.
Mas,
o livro é interessante e recheado de memórias (cultura imaterial) para nos
ficarmos por este aspecto toponímico. O douto prefaciador, Armando Palavras,
serve-se de um texto do nosso escritor maior e mais burilador do granito,
cerros e miradouros da escrita, Miguel Torga, onde nos diz que o termo da
raiana Lagoaça é de transição entre o que foi celeiro do trigo de
Trás-os-Montes, o Planalto Mirandês, e os socalcos da azeitona, da abrigada
laranja e do líquido suor e sol engarrafados (António Cabral).
E
elucida-nos que «é um volume de fragmentos. Pequenas histórias que Elmiro (nome
de origem visigótica?) ouviu a este e àquele, sobretudo ao seu Pai, o sr.
António Barbeiro – o tio “cinco” (…) e por ferroviários lagoaceiros».
Fala-nos
dos usos e costumes como «do Entrudo de Lagoaça», do «Vale de Ladrões», de
figuras típicas como a «Maria Canhona», o «Ti Lonas» e apresenta a narrativa
com imensas fotografias do «José Sobral» e outros.
O
autor adverte que o livro foi uma promessa que «fizera ao seu pai». Onde
mistura o real e o ficcionado e os nomes alterados, sendo as memórias escritas
«nas décadas de 60 e 70 e estavam guardados». Resultaram de longas «horas de
viagem e muitas foram as histórias e contos que meu pai me contou.»
O
autor foi combatente em Fulacunda (ex-Guiné Portuguesa/Guiné-Bissau) e
transcreve dados históricos sobre Lagoaça, para recordar em sentido poema a
Mãe, Adosinda: «Lembras-te mãe//Quando íamos ao rebusco da azeitona/ Arribas
abaixo// De paredão em Paredão (…)?» E ao pai, António: «Boa noite pai// Então
já tem a “tralha” pronta?// (…) Tenha calma, porque amanhã partimos para
Lagoaça.// Desta vez, vamos lá passar oito dias.// - Caralho! Esses dias
todos?! (…) e ala p’ra Vila Dala».
As
histórias passadas naquele tempo entre Mogadouro e Carviçais, com Lagoaça como
centro do mundo que a linha férrea do Sabor fazia esticar até Vila Real, Porto,
Lisboa e com o serviço militar até Tavira.
Via
férra que dava de comer a muitas bocas do concelho de Freixo e da região.
Era
a vida duma aldeia raiana, que até dava para casamentos entre portuguesas e
espanhóis e o contrário.
O
autor criou heterónimos das personagens desta narrativa em que a maior é o
Ramiro (até podia ser o Elmiro) porque não há forma de narrar episódios com
tanto pormenor não sendo o próprio a vivê-los.
As
idas á estação de Carviçais abastecerem-se e passagem pelo mítico «Vale de
Ladrões», onde os assaltos aos almocreves e outros se sucediam, com o Pé de
Cabra a actor principal.
«As
Conversas de Viagens» dão-nos uma ideia da vida dura dos ferroviários para
ganharem o sustento e o tempo de demora dali às localidades principais. Por
exemplo, de Freixo de Espada-à-Cinta a Tavira eram cerca de 24 horas de
comboio, se não houvesse avarias.
LAGOAÇA- vista aérea |
Nós,
lusitanos, com políticos “espertos”, vivemos na pobreza e os outros países com
políticos medianos vivem na abundância.
Mas
a jóia da coroa transmontana foram as linhas do Corgo e a linha do Tua, mítica obra
maior da engenharia portuguesa novecentista. Dizem que a trocaram por um banco
esmoler à beira do Lys.
O
autor refere-se a um episódio da partida dos soldados para a Segunda Grande
Guerra, mas deve ser lapso, porque a descrição é da 1.ª Grande Guerra, do Corpo
Expedicionário Português, impreparado, para a linha da frente na Flandres,
ordenado pela maçonaria republicana, onde foi chacinado pelo exército alemão.
Na Segunda Grande Guerra houve apenas voluntários nos dois lados no
anglo-francófano e, também, no eixo italo-germânico. Um pormenor que não
deslustra esta interessante obra.
Este
livro merece entrar para os da estante da Guerra do Ultramar, porque se aborda a
vida militar e alguma movimentação na ex-Guiné Portuguesa.
Também
não faltam as paixonetas da adolescência e quando se entrava na idade adulta.
Há sempre uma Mariazinha que se deixa seduzir pelas mãos dum luzidio carocha ou
de outra espada.
O
Ramiro e o Elmiro, dois amigos inseparáveis, à boa maneira pessoana, deverão
viver hoje na Margem Sul do Tejo e ambos estão de parabéns por nos registarem
«viagens» e vivências que se perderiam. Até as várias fotografias ilustrativas
da narrativa são um importante contributo para a nossa etnografia e monografia
e muito mais para os lagoaceiros.
Os
meus parabéns ao autor porque soube subir a pulso, com sucesso, a nodosa corda
da vida e legar-nos este recheado livro que aconselho a sua leitura e pode ser
solicitado através do blogue tempocaminhado.
Jorge
Lage – Jorge.j.lage@gmail.com
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