As histórias ligadas ao aparecimento ou desaparecimento de algumas bibliotecas da Antiguidade, tornaram-nas parte integrante do imaginário humano. Algumas tornaram-se lendárias pelo fascínio que exerceram nos seus contemporâneos: a de Assurbanípal em Ninive, a de Polícatres em Samos, a de Pisístrato em Atenas, a de Alexandria (quiçá a mais “mítica”), que no século III a.C. já possuía 400.000 volumes e mais tarde, no século I a.C. juntamente com a de Serapeu (nome dado pelos Romanos aos templos de Serápis; os mais célebres serapeus eram o de Mênfis e o de Alexandria) incluía 700.000 volumes. Podemos a este conjunto anexar as bibliotecas de Éfeso, Pérgamo e a de Augusto. Em Roma existiam 28 bibliotecas. Muitas, como relata Fernando Báez (História Universal da Destruição dos Livros, Texto Editores, 2009), foram destruídas.
Autores consagrados imortalizaram-nas nos seus escritos: Jorge Luís Borges no seu conto, A Biblioteca de Babel (Ficções, Teorema, 2009) e Umberto Eco na conferência dada a 10 de Março de 1981 para comemorar os 25 anos de actividade da Biblioteca Municipal de Milão[1], ou n’O Nome da Rosa (Sábado, 2009), onde um monge franciscano descobre uma obra perdida de Aristóteles, numa biblioteca oculta de uma abadia beneditina de Itália em 1327. Também Ítalo Calvino nas suas Cidades Invisíveis (Teorema, 2008), refere as bibliotecas de Hipácia e Teodora. Não é então motivo de espanto que obras universais como Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes, as mencionem[2].
A Mauritânia é um enorme país vazio. Nesta extensa região realizou-se uma das mais incríveis proezas africanas da Antiguidade, entre os finais do século VI a. C. e a primeira metade do século V. Ficou registada por Heródoto (Histórias, II, 32-33) e por Ésquilo em Prometeu, v. 809-811. Esta aventura dos cinco Nasomonos é narrada por Cláudio Finzi (Nos Confins do Mundo, 1982). Aqui terá chegado o marinheiro Eudóxio, o Grego (finais do séc. II a.C.), figura enigmática, de vontade férrea. Relato narrado por Estrabão e Possidónio. Também Hanon (séc.V a.C.), o almirante cartaginês e, em 42 d.C., Seutónio Paulino, com um contingente romano de pacificação.
Quem sai de Nouakechott, a capital da Mauritânia após a independência, numa das poucas estradas asfaltadas do país (pelos Chineses), dirige-se, como relata Amílcar Correia em A Balada do Níger (Civilização, 2007), para a zona montanhosa de Adrar (que em berbere significa montanha). Depois de atravessar uma paisagem repleta de destroços humanos, onde nos telhados das casas são utilizadas latas de gasolina depois de esticadas, chega-se a um dos tesouros escondidos da região: o oásis de Terjît, a mais de 400Km da capital.
Adrar é uma cordilheira direccionada para o Sara e para a antiga rota das caravanas. Depois de Adrar, uma das principais cidades da Mauritânia, surge uma pista de terra poeirenta, em cujas rochas estão incrustadas as pinturas rupestres descobertas por Théodore Monod, o mesmo que estudou a gigantesca cratera de Guelb er Richat, causada, provavelmente, por um enorme meteorito. E os seus estudos ficaram registados em três livros fundamentais: O Explorador do Absoluto (Europa-América, 1998), Os Navegantes do Deserto (Europa-América, 1999) e A Esmeralda dos Garamantes (Europa-América, 2001).
É esta estrada que conduz o viajante à perdida magnificência de Chinguetti, a sétima cidade santa do Islão sunita e antiga capital muçulmana. Terá sido neste local urbano que nasceu a primeira biblioteca do mundo islâmico. Actualmente existem 12 bibliotecas familiares esquecidas no deserto, que apenas foram divulgadas na década de 30 do século passado por Théodore Monod. Em 1989, os seus velhos manuscritos, foram considerados Património da Humanidade. O seu estado de degradação tem sido constante devido às “tempestades” de térmitas, os seus verdadeiros inimigos. Situadas em Chinguetti e na sua rival Ouadane, a sua origem (um inventário recente contabilizou em 3450 volumes manuscritos), está na antiga rota comercial do deserto. E eram esses comerciantes da época das caravanas que coleccionavam essas bibliotecas privadas. Daí seguiam peregrinações para Meca. Aí se desenrolava o comércio entre os povos do deserto mauritano e os países à sua volta como Marrocos, Argélia, Senegal, e Mali, em cuja mítica Tombuctu terminava.
Chinguetti, cujo nome significa “Fonte dos cavalos”, foi por alguns designada como a “Sorbonne do deserto”. Fica a 120 Km de Adrar, foi fundada no século XIII, possui actualmente c.4000 habitantes, e outrora, era conhecida como o país de Chinguetti, porque dominava uma extensa região. Hoje luta contra a desertificação como a maioria das suas congéneres do deserto.
in:Negócios de Valpaços, nº 363, 30 de Maio de 2010
in:Negócios de Valpaços, nº 363, 30 de Maio de 2010
Manuscrito
originário de Chinguetti Armando Palavras
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