Esta tarde escrevi um comentário apressado sobre este tema. Mantenho tudo o que escrevi mas gostaria de o ter apresentado como agora, com mais tempo, faço. Assim: Circula por aí uma proposta de negociação para a paz na Ucrânia, alegadamente resultante de conversações informais entre o empresário americano Steven Witkoff e o CEO do Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), Kirill Dmitriev. O envolvimento de Witkoff, que demonstrou publicamente uma perceção por vezes enviesada do conflito e um alinhamento com a narrativa russa, levanta de imediato fortes dúvidas sobre a neutralidade e viabilidade desta iniciativa no dossier ucraniano. As condições do alegado plano, que foram tornadas públicas, enfrentam uma provável rejeição por parte de Kiev e dos seus aliados europeus.
As cláusulas centrais do documento — frequentemente designado por "Plano
de 28 Pontos" — configuram um cenário de capitulação camuflada, o que é
inaceitável dado que a Ucrânia não foi militarmente derrotada. Os pontos mais
críticos da proposta incluem: • Cedência Territorial: Exige que a Ucrânia
desocupe territórios que permanecem sob o seu controlo no Donbass, o que
equivale ao reconhecimento tácito dos ganhos territoriais russos alcançados
pela força. • Desmilitarização Forçada: Impõe uma redução drástica
(alegadamente para metade) das Forças Armadas ucranianas, ao mesmo tempo que
limita estritamente o tipo de armamento a ser fornecido pelos parceiros
ocidentais. Esta limitação incidiria, nomeadamente, sobre armas de longo
alcance capazes de atingir o interior do território russo. Estas
exigências parecem visar impor à Ucrânia uma derrota que não ocorreu no campo
de batalha e conceder à Rússia uma vitória estratégica que não conseguiu obter
militarmente. O maior risco desta proposta reside na sua capacidade de travar
futuras agressões. A redução do efetivo militar ucraniano e a limitação do seu
rearmamento criariam uma vulnerabilidade sistêmica em Kiev. Tal cenário
permitiria à Rússia recuperar do atual desgaste económico e militar,
"lamber as feridas" do que tem sido um conflito desastroso para
Moscovo, e preparar uma nova ofensiva num futuro próximo, com a certeza de uma
resistência ucraniana enfraquecida. Uma Ucrânia vulnerável e incapaz de se
defender representa uma ameaça direta à segurança de toda a Europa de Leste e,
por extensão, ao equilíbrio estratégico europeu. O raciocínio subjacente a este
plano é claro: aproveitar o que possa ser interpretado como um momento de menor
estabilidade, na frente de batalha e na credibilidade de Zelensky, para
resgatar a Rússia do atoleiro militar e económico em que se encontra. Esta
iniciativa negocial levanta questões sobre os verdadeiros atores envolvidos e
os seus propósitos. É plausível considerar que esta tentativa de mediação possa
ser tolerada por outras facções em Washington como um movimento tático. Poderia
ser uma tentativa de simular um esforço negocial junto de Moscovo, em linha com
o que alegadamente foi discutido ou acordado na cimeira em Anchorage. Esta
perceção é reforçada pelas declarações de responsáveis russos, como Lavrov e
Peskov, que aludiram publicamente a estarem "à espera de continuar o que
foi acordado ou falado" previamente. Esta teoria ganha força quando observamos
as ações recentes dos EUA que contradizem a premissa de desmilitarização do
plano: - A administração dos EUA autorizou o uso de mísseis ATACMS contra o
território russo e reforçou o fornecimento e a manutenção de sistemas de defesa
aérea como os Patriots. - A visita do Secretário do Exército dos EUA, Daniel P.
Driscoll, por estes dias, a Kiev. Acresce que o Presidente Zelensky terá
descartado um encontro com Witkoff durante a sua recente visita à Turquia, um
sinal inequívoco de que, nestes termos, o plano não merece sequer ser
considerado. Em conclusão, a proposta Witkoff-Dmitriev, é um conjunto de
condições que garantem a futura vulnerabilidade da Ucrânia e comprometem a
estabilidade europeia a longo prazo.


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