quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Os concelhos considerados mais pobres do país

                                                                                 

«Os concelhos considerados mais pobres do país são os da região do interior norte, com destaque para a área do Tâmega e Sousa, Alto Tâmega, Barroso e Douro que registam os menores rendimentos per capita».

Na penúltima semana de outubro, sobretudo as televisões, fartaram-se de falar de futebóis, de políticos bizarros e dos concelhos mais pobres do país. E, imitando os concelhos considerados mais pobres do país, incluem as regiões de Trás-os-Montes, interior do Douro, Tâmega, Sousa, e Algarve.

Passei a vida inteira a defender o boi do povo da minha aldeia, que era o símbolo da população e também o orgulho dos lavradores, que o mantinham para cobrir as vacas.

Cedo comecei a ir às chegas e a relatar, para a imprensa regional, os ambientes que esses bois públicos geravam, nesses dias de descanso e festa popular.

Recorro a este símbolo para confessar que o papel do boi do povo me serviu de inspiração humana, para construir o meu protótipo comunitário no seio das populações a que pertenço. Comecei pelo jornalismo e, como quase todos os jovens do meu terrunho, fui pastor desse animal doméstico, tão grato para com os lavradores, não só pela função reprodutora, para quem vive da comercialização da vitela e, ainda, pela representação de todos os aldeões que o alimentavam, o pastoreavam e lhe proporcionavam as vitórias e/ou derrotas com os homófonos vizinhos.

Com este intróito pretendo dizer que sempre fui bairrista moderado. Como no desporto. Nunca tive propensão para o futebol. Mas fui convidado pelo presidente da Câmara de Chaves, Agostinho Pizarro, a formar, na época de 1972/1973, a direção do Desportivo; e esse clube, pela 1ª vez na vida, subiu para a 2ª divisão, onde agora está. Sou autor da letra do hino desse clube. Em 1986/1990 fui vereador da Câmara de Guimarães e, nesses 4 anos, tive o pelouro do desporto, quando o Chaves já estava na 1ª divisão. Nunca virei a cara ao lado, fosse a quem fosse, por causa da política. Mas sempre defendi, nos quase 73 anos de jornalismo, a igualdade social de direitos e deveres. Nunca fiz greve, nunca gostei de extremos e cheguei à idade que tenho, com a consciência tranquila. Nunca gostei de ouvir dizer, à minha frente, que Montalegre era pobre e um reino quase desconhecido.

Quando já tinha regressado da guerra e me transferi para Chaves, constatei, no centro de Emprego que - afinal - Montalegre, Boticas, Valpaços e Ribeira de Pena, eram um mundo diferente daquele que tinha lido, no romance Terra Fria, de Ferreira de Castro, que por ali cirandou em 1934. A lisboeta Guimarães Editores escolheu esse romance para uma reedição especial comemorativa do cinquentenário da sua vida literária. Terra Fria foi o livro que adquiri em Luanda, capital de Angola, onde me abastecia de livros que cito nos meus Contos do tempo da Guerra. Polemizei com ele por tratar a Ermelinda, mulher do peliqueiro Leonardo que ela traiu.

Viver numa aldeia da Terra Fria, naquele tempo, era uma vida amargurada, pobre, triste. «O cavalo voltava ao passo lento de fadiga. As patas entravam fundo, na lama das ruelas, refocilada por quantos porcos se criavam ali e constituíam riqueza de quem havia de passar o ano a comer a sua carne, pão e batatas que outro manjar não se cozinha nas aldeias de Barroso. Terra fria, onde não medrava árvore de fruto, nem se colhia vinho. Tirante o centeio, a batata,os nabais e duas couvezitas no quinchoso, o resto era uma pobreza. De sorte igual à de outras aldeolas barrosãs, parecia, no inverno uma grande pocilga. Tudo se apresentava, ameado negrusco, sujo, enlameado. Nem telha a sorrir, nem pincelada de cal, nem planta ou janela florida. Terra para raiz só mais abaixo nas margens do rio (Cávado). Ali, os casinhotos, sem quintal, prantavam-se uns juntos dos outros, esburacados, velhos de séculos, só conhecendo renovação na palha que os cobria...»

Terra Fria foi o quarto romance de Ferreira de Castro, em cerca de uma trintena de outras obras impressas deste escritor que nasceu em 24 de Maio de 1898, em S. Pedro de Ossela, do concelho de Oliveira de Azeméis. Aos 12 anos embarcou para o Brasil num navio de emigrantes, destinados à região amazónica e regressou a Portugal quando tinha os seus 35 anos (1933 e 1934).

Na década de 1970/1980 travei contacto com o imortal escritor, através da Associação dos Amigos de Ferreira de Castro, e parte da nossa correspondência foi tornada pública, através do Noticias de Chaves, Voz de Chaves e Jornal do Norte. Na altura trocámos correspondência literária. E cheguei a propor-lhe que oferecesse à Biblioteca Pública da Câmara de Montalegre o original do romance Terra Fria. E Ferreira de Castro respondeu-me a informar que já o tinha feito à Biblioteca de Sintra, oferecendo todo o espólio literário. Que nunca alguém, fosse quem fosse, lhe tinha feito esse pedido, ou outro espécime do género. Tê-lo-ia feito se o pedido fosse formalizado por Montalegre antes dessa altura.

Trago hoje esta crónica ao diálogo com os meus habituais leitores de Barroso, para lhes confessar que fiquei triste com a leviandade com que alguns órgãos de informação, mormente televisivos, espalharam aos quatro ventos, como sendo os concelhos do norte os mais pobres do país. Obviamente os quatro ou cinco concelhos que citaram não são ricos. E cito a página quatro do «pórtico» de Terra Fria, do romancista, que Padornelos, Padroso e Cambezes, ao tempo em que ele veio cá para enquadrar, em 1934, se era inverno e só viu telhados de colmo, era normal. Se hoje lá voltasse, nem os porcos refocilavam na calceta das ruelas, nem os telhados eram cobertos de colmo. O colmo era feio quando velho porque, se fosse substituído de X em X anos, não era mais quente, e muito mais barato do que a telha, que hoje está a ser substituída pela sanduíche. E, de sujidade, dão mais nas vistas as lixeiras urbanas do que o feno, a palha, as batatas ou cebolas que são produtos que os animais consomem, aqui ou ali. Não devemos aceitar tudo o que se diz da nossa comunidade, da nossa personalidade e da nossa liberdade cívica, social e moral.

Barroso da Fonte


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