Helena Garrido - OBSERVADOR
O passado apanhou-nos no presente. A fatura da inação
e erros de política dos governos de António Costa estão aí na degradação dos serviços
públicos.
04 nov. 2025
O que vivemos hoje é em grande parte determinado pelo nosso passado. Esta constatação óbvia permite percebermos a herança que nos deixou a governação do primeiro-ministro António Costa com a cumplicidade do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Os alertas que se fizeram na altura, sobre o caminho que estávamos a seguir de degradação dos serviços públicos, apenas pecaram por optimistas. Porque hoje vemos que foi muito pior do que poderíamos imaginar na imigração, na educação, na saúde, nos transportes públicos.
Luís Montenegro cometeu o erro de não perceber até que ponto se tinham
degradado os serviços públicos, fazendo por isso promessas impossíveis de
cumprir, como aconteceu no caso da Saúde. Vai ser preciso muita coragem
política e sabedoria para inverter a tendência em que entrámos de degradação do
Estado. Será provavelmente impossível sem um entendimento alargado entre os
principais partidos, o que não nos deixa muito optimistas em matéria de
expectativas, se considerarmos a dinâmica de insultos que se vive hoje no
Parlamento.
Na Educação, caso alguém tivesse olhado para além do curto prazo e do marketing político,
ter-se-ia apercebido que, com as aposentações e a redução da procura dos cursos
ligados ao ensino, iam faltar professores. Mas não se fez absolutamente nada,
até a situação chegar ao que chegou hoje. Mas, claro, sempre com juras de
absoluto amor e paixão pelo ensino público, enquanto se ia levando os filhos
até à escola privada. Há aliás uma elevada correlação entre quem defende o
ensino público (e o SNS) e usa exclusivamente os serviços privados, num
paradoxo difícil de entender.
Como se não bastasse isso, descobrimos que o Ministério da Educação nem
conseguia ter dados sobre o número de alunos sem professores, coisa que obviamente
não caberia na cabeça de ninguém e muito menos de um economista como Fernando
Alexandre. O que o levou a atravessar-se por um número que, afinal, não
correspondia à realidade. Com que dados se desenharam as políticas
públicas de educação os seus antecessores? Poucos ou nenhuns, parece óbvio.
Porque o entretenimento foi mais no fazer e refazer currículos, sempre na
vanguarda da última moda. Mantendo a guerra com os professores bem acesa, com
os óbvios efeitos na educação dos jovens, e que este governo teve de resolver.
E, claro, sem levar em conta os efeitos da imigração.
Na Saúde a moda foi a reengenharia organizativa. Criou-se em 2022 a Direcção Executiva do SNS com
o objetivo de melhorar os serviços de Saúde, sem primeiro reorganizar todos os
serviços. As Administrações Regionais de Saúde (ARS) acabaram por ser apenas extintas já com o Governo de Luís Montenegro,
em Setembro de 2024, com os mais de mil funcionários distribuídos pelas ULS e Direcção
Executiva.
Em 2023 criaram-se ainda as Unidades Locais de Saúde (ULS), entidades empresariais que integram hospitais e centros de saúde para,
supostamente, “reforçar os cuidados primários e a gestão integrada dos cuidados
de saúde”. Estas mega-estruturas aumentaram a burocracia e, com ela, a
ineficiência como aliás se pode ler no relatório ReavaliaULS. Além
disso, na mesma altura, é criado o regime de dedicação plena.
Estas duas últimas medidas, as ULS e a dedicação plena, são identificadas
pelo ministro das Finanças como “duas decisões absolutamente desastrosas
tomadas no final de 2023 pelo PS” e explicam, segundo afirma na entrevista ao Jornal de
Negócios, “parte
substancial do crescimento da despesa em saúde em 2024 e 2025”.
Basicamente e ao que parece, o SNS viu os seus problemas de eficiência
agravarem-se por conta de reengenharias organizativas, somando-se assim aos
desafios que já vivia do envelhecimento, do aumento da população e da inovação.
O erro de Luís Montenegro e da ministra da Saúde Ana Paula Martins foi
considerarem que tinham um problema muito fácil de resolver entre mãos. E,
diga-se, que a demissão da ministra não resolve absolutamente nada.
Neste caso é óbvia a necessidade de uma profunda reforma, tratando o
problema na perspetiva do Sistema de Saúde, exatamente para salvar o serviço
público de Saúde. Porque o SNS não está a ser destruído agora, começou a ser
destruído quando se olhou para os seus problemas como sendo de organização e
não de gestão eficiente do sistema. A cegueira ideológica tem aqui também a sua
quota parte de responsabilidade. Em vez de se responder à pergunta “qual a
melhor solução para dar aos portugueses os melhores serviços de saúde ao mais
baixo custo?”, optámos por escolher apenas as soluções disponíveis no universo
do SNS, como se nada mais existisse.
O resultado é que, segundo dados do INE, em 2023 foram gastos em 26,5 mil milhões de euros em serviços de saúde,
ou cerca de 2500 euros por habitante. E, daquele valor, cerca de 36% foi
despesa corrente privada. Numa outra óptica, a do Orçamento do Estado, prevê-se
que a despesa corrente do SNS chegue aos 16,8 mil milhões de euros, um
crescimento de 1,7%, reflexo do corte, que o Governo não quer chamar corte, na
aquisição de bens e serviços. O certo é que alguma coisa se vai ter de fazer
para os serviços públicos oferecerem mais com o mesmo dinheiro. E fazer não é
fazer mais diplomas reorganizativos, é melhorar substancialmente a gestão. Ou
estaremos implicitamente a escolher acabar com o SNS, como na realidade
aconteceu nos últimos anos.
Na Imigração vimos bem o que se passou, com a sua subida muito rápida a
colocar em causa uma das vias do nosso crescimento, por rejeição das
comunidades locais aos estrangeiros. Mais uma vez, aquilo que parecia ser uma
política que conciliava o humanismo, de quem compreende que os outros podem
procurar uma vida melhor, e os interesses dos empresários redundou num problema
de desumanidade e exploração de algumas pessoas. Para não falar das
consequências políticas, já que parte do discurso do Chega é alimentado por
este erro de política do Governo de António Costa.
Nos transportes públicos é ver o estado em que está a ferrovia que serve os
subúrbios de Lisboa e a espera pelas novas carruagens encomendadas quando já
eram necessárias. É famosa a frase de Pedro Nuno Santos ao dizer que não podia
ir comprar carruagens a um stand como quem compra carros. O
problema é exactamente esse e também aqui: não se viu o longo prazo ou não se
quis ver.
O que estamos a enfrentar neste momento, na degradação dos serviços públicos, é pura e simplesmente o nosso passado, que nos apanhou. Quisemos acreditar que tudo era possível, virar a página da austeridade nos segmentos eleitorais do Governo PS e de quem o suportava, fazer do PS um partido financeiramente responsável e, ao mesmo tempo, ter um futuro de serviços públicos de qualidade. Infelizmente o tempo mostrou que isso era impossível. O que temos de fazer agora é mais difícil e vai exigir de quem nos governa coragem e capacidade de execução, assim como apoio dos principais partidos. Não é tarefa fácil.



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