segunda-feira, 30 de junho de 2025

O POIAL DO JAMOR

JORGE  GOLIAS


Aquele banco de pedra, junto à casa quadrada de recolha de alfaias, e eventualmente de refúgio, chamou-me logo a atenção porque é um belo exemplar deste tipo de mobiliário rústico. Primeiro pela aparência de ser feito com duas pedras que se justapõem e depois porque o artista trabalhou a superfície de assento em rara forma de curva, que convida ao seu uso e abuso, ou seja, dá vontade de nele nos sentarmos e até estendermos, em pose de descanso depois de um esforço mais rude.

Certo é que este poial, que está ali bem à vista de todos os que por ali passam e que, hoje, serão até mais do que aqueles do tempo da sua construção, aparece-nos como um sinal do tempo, que ainda hoje pode ter a mesma função de antigamente, ou seja, descansar as pernas e as costas nesta superfície acolhedora. Pois, hoje, é ponto de passagem pelos que procuram aqueles terrenos para fazerem as suas caminhadas ao longo da ribeira do Jamor. Mas, talvez mais do que descansar um poial tinha a função excelente de ser um poiso de observação, pois dali o observador via o mundo passar a seus pés. Embora esse mundo fosse muito limitado era o seu mundo mais chegado!

 


Então, num impulso de saber como é estar ali sentado, assim o fiz, sentei-me sem licença naquele banco de pedra convidativo, contemplando as ruínas da casa do quinteiro Francisco, lá mais adiante, ao que sei, da então Quinta Machado da Graça.

Sentei-me então, mas depressa me deu vontade de me por de papo para o ar, mirando o céu sem nuvens e deixando-me levar por pensamentos, primeiro levezinhos, leves, mas depois, lentamente, mais densos e mais longínquos. Fiz uma regressão, andei lá por trás, por anos tantas vezes navegados, e sofridos, mas também festejados. Num minuto folgado, dei a volta à vida e talvez pela posição inusitada de estar deitado numa espécie de divã do psico, contemplando o céu infinito, senti-me a vogar nas ondas de um passado longínquo que, sem que eu o convocasse, me convocou ele a mim. O céu lá em cima ameaçava esmagar-me se eu não acedesse a fazer aquela viagem no tempo. E deixei-me ir ao sabor e bel-prazer de um deus menor que naquele momento por ali passou e me mirou e seduziu. Seduzido e adormecido assim fiquei por tempo incerto, meio adormecido, meio desperto.

Num qualquer dia de Junho de 2025

JG84

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