quinta-feira, 19 de junho de 2025

Memórias de meio-século e meio

 


JORGE  LAGE



Memórias de meio-século e meio
No dia do apagão, 28 de Abril (2025), estava em Lisboa, com a minha esposa e começámo-nos a aperceber que não havia luz e que poderia ser demorada a sua reposição. 

Pareceu cheirar logo a sabotagem putinista. Hoje penso que não. A demora parece-me ter sido obra dos que nos têm governado e a falta de reacção rápida dos técnicos da E-Redes. Porque demoraram tanto tempo a começar por uma ou duas pontas? Porque é que a E-Redes não tem, por exemplo, quatro em vez de duas centrais de arranque? Em metade do tempo, ou menos, tudo estaria a funcionar. Pelas reações de alguma comunicação social e pela paranóia dos políticos da oposição, sedentos de retraço na manjedoura do Zé povinho, foi o fim do mundo. Mas, para a minha filha e o meu neto (10 anos) não tiveram quase problemas. Ele não tem telemóvel e, talvez, demore a ter, porque os seus principais hobbies são ler e brincar. Quando a luz eléctrica foi restabelecida já dormia a bom dormir. Para que precisava ele de luz elétrica? Para subir ao 10.º andar. Mas, de quando em vez, lá calha, os elevadores avariam, com luz ou sem luz. Durante o apagão o que não fiz e queria ter feito era escrever algumas linhas no computador. Não o fiz porque podia precisar da energia para carregar os telemóveis ou candeeiro eléctrico, a partir do portátil. No dia seguinte vejo os comentadores televisivos arregimentados que mais pareciam «cães raivosos», contra o governo (este se fala dizem que é propaganda e se não fala devia falar). Esta gente, como diz Sérgio Pinto, «lida mal com o contraditório», isto é, com a democracia. Eu e a minha mulher conversámos e recordámos muito do tempo da meninice, da década de cinquenta do século XX. Em minha casa havia sempre um candeeiro, uma candeia ou um petromax. Geralmente, a minha Mãe, atestava de petróleo a candeia e quando a luz começava a bruxulear ordenava: Vamos deitar, não estamos aqui toda a noite a gastar petróleo! Depois, enchia um púcaro de água e deitava-o sobre o tronco, que ardia de estrafogueiro e sobre os tições, provocando um ruído e o levantamento de cinzas e todos nós levantávamos o cerco à lareira. Os homens que tinham vontade de urinar dirigiam-se à varanda e escadas e despejavam as bexigas para a rua e as mulheres no penico. Eu, geralmente, fazia-o do patim da varanda para a rua, num grande repuxo, teimando que o jacto da urina arqueado atravessasse a rua, como a estátua em Bruxelas do mítico menino, «Manneken Pis». Quando o meu pai resguardou o patim da rua, com um murete, passei a utilizar as escaleiras. A casa de banho chegou quando estava casado. Voltando às noites sem luz eléctrica, a aldeia era de um silêncio sepulcral, só quebrado quando algum lobo descia ao povoado, ou cães da azenha do Moleiro davam sinal da bicharada nocturna. Houve, um dia de inverno que um lobo desceu ao povoado, sentando-se no Terreiro do Tanque perto da casa da Tia Rosaira. Os cães ladraram-lhe, mas só se foi embora quando sentiu que não apanharia nenhum cachorrico e não pela latomia dos perros. Na escuridão dava-se muito valor ao luar de Janeiro e de Agosto: o luar de Janeiro não tem parceiro, mas lá vem o de Agosto que lhe dá no rostro. Com a noite tudo recolhia a casa: lavradores, jeireiros e pastores. Entre a Senhora da Ribeira e a Senhora da Serra, era o tempo de Verão, tempo de mais trabalhos, havia: o mata-bicho ao levantar, o almoço pelas nove horas (velhas), o jantar pelas doze horas, a merenda pelas dezassete, e a cêa ao escurecer. No Inverno, geralmente, só havia: almoço ao amanhecer, merenda pelo meio-dia (não havia comida de pote, antes peguilho e pão-centeio), e a cêa ao início da noite. Seguia-se o serão e pelas nove horas havia a deita. As portas não se fechavam. Só quando toda a família ia à Bila à feira ou a uma festa, é que algumas chaves funcionavam. No apagão recordámos os tempos vividos há setenta anos, quando éramos crianças ou jovens.

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