JORGE LAGE
Pareceu cheirar logo a sabotagem
putinista. Hoje penso que não. A demora parece-me ter sido obra dos que nos têm
governado e a falta de reacção rápida dos técnicos da E-Redes. Porque demoraram
tanto tempo a começar por uma ou duas pontas? Porque é que a E-Redes não tem,
por exemplo, quatro em vez de duas centrais de arranque? Em metade do tempo, ou
menos, tudo estaria a funcionar. Pelas reações de alguma comunicação social e
pela paranóia dos políticos da oposição, sedentos de retraço na manjedoura do
Zé povinho, foi o fim do mundo. Mas, para a minha filha e o meu neto (10 anos)
não tiveram quase problemas. Ele não tem telemóvel e, talvez, demore a ter, porque
os seus principais hobbies são ler e brincar. Quando a luz eléctrica foi
restabelecida já dormia a bom dormir. Para que precisava ele de luz elétrica?
Para subir ao 10.º andar. Mas, de quando em vez, lá calha, os elevadores
avariam, com luz ou sem luz. Durante o apagão o que não fiz e queria ter feito
era escrever algumas linhas no computador. Não o fiz porque podia precisar da
energia para carregar os telemóveis ou candeeiro eléctrico, a partir do
portátil. No dia seguinte vejo os comentadores televisivos arregimentados que
mais pareciam «cães raivosos», contra o governo (este se fala dizem que é
propaganda e se não fala devia falar). Esta gente, como diz Sérgio Pinto, «lida
mal com o contraditório», isto é, com a democracia. Eu e a minha mulher conversámos
e recordámos muito do tempo da meninice, da década de cinquenta do século XX.
Em minha casa havia sempre um candeeiro, uma candeia ou um petromax. Geralmente,
a minha Mãe, atestava de petróleo a candeia e quando a luz começava a bruxulear
ordenava: Vamos deitar, não estamos aqui toda a noite a gastar petróleo!
Depois, enchia um púcaro de água e deitava-o sobre o tronco, que ardia de
estrafogueiro e sobre os tições, provocando um ruído e o levantamento de cinzas
e todos nós levantávamos o cerco à lareira. Os homens que tinham vontade de
urinar dirigiam-se à varanda e escadas e despejavam as bexigas para a rua e as
mulheres no penico. Eu, geralmente, fazia-o do patim da varanda para a rua, num
grande repuxo, teimando que o jacto da urina arqueado atravessasse a rua, como
a estátua em Bruxelas do mítico menino, «Manneken Pis». Quando o meu pai
resguardou o patim da rua, com um murete, passei a utilizar as escaleiras. A
casa de banho chegou quando estava casado. Voltando às noites sem luz
eléctrica, a aldeia era de um silêncio sepulcral, só quebrado quando algum lobo
descia ao povoado, ou cães da azenha do Moleiro davam sinal da bicharada nocturna.
Houve, um dia de inverno que um lobo desceu ao povoado, sentando-se no Terreiro
do Tanque perto da casa da Tia Rosaira. Os cães ladraram-lhe, mas só se foi
embora quando sentiu que não apanharia nenhum cachorrico e não pela latomia dos
perros. Na escuridão dava-se muito valor ao luar de Janeiro e de Agosto: o luar
de Janeiro não tem parceiro, mas lá vem o de Agosto que lhe dá no rostro.
Com a noite tudo recolhia a casa: lavradores, jeireiros e pastores. Entre a
Senhora da Ribeira e a Senhora da Serra, era o tempo de Verão, tempo de mais
trabalhos, havia: o mata-bicho ao levantar, o almoço pelas nove horas (velhas),
o jantar pelas doze horas, a merenda pelas dezassete, e a cêa ao escurecer. No
Inverno, geralmente, só havia: almoço ao amanhecer, merenda pelo meio-dia (não
havia comida de pote, antes peguilho e pão-centeio), e a cêa ao início da
noite. Seguia-se o serão e pelas nove horas havia a deita. As portas não se
fechavam. Só quando toda a família ia à Bila à feira ou a uma festa, é que
algumas chaves funcionavam. No apagão recordámos os tempos vividos há setenta
anos, quando éramos crianças ou jovens.


Sem comentários:
Enviar um comentário