segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Quem me dera naqueles montes…

 

JORGE  LAGE


Quem me dera naqueles montes…Há livros que nos marcam pela apresentação da capa, arranjo gráfico, título e pelo conteúdo.  O livro «Quem me dera naqueles montes…», de António Mosca, cativou-me pelo título, pela bela capa e a apresentação faz-me lembrar uma fruta sumuda de saberes e memórias, em 440 páginas e saído da Editora Cidade Berço, de Barroso da Fonte. Em subtítulo: «Usos e costumes de Monte de Arcas, uma aldeia da Montanha Transmontana (Terras de Monforte de Rio Livre), nos meados do século XX».


Continua com um mapa regional, localizando de Monte d’Arcas (Valpaços) e o texto: «Uma comunidade rural que mandava entrar quem batia à porta sem cuidar de saber quem era; que tinha sempre lugar para mais um à mesa, mesmo na casa mais humilde; para quem o sol não se punha, mas se escondia, como se jogasse ao rou-rou com as pessoas; que via as horas pelo relógio de granito, pela posição do sol sobre o pico da Santa Comba, ou pelos toques das trindades; que lia nas nuvens e no vento o boletim meteorológico; que vivia a crendice e a religião com idênticos respeito e devoção; que encarava a morte com a mesma naturalidade com que enfrentava a vida». É um livro com um imenso recheio de etnografia e vocabulário rural riquíssimos, como se compusesse um «retrato amador», dando-lhe os tons pictóricos com uma paleta de palavras. Na introdução é uma curta abertura para o que vai tratar nos cerca de trinta capítulos. Que a agricultura era de subsistência e as feiras eram locais de informação. Na feira de Lebução, o avô sentiu-se envergonhado por ter de dizer a um feirante que não sabia ler e não foi capaz de fazer uma conta a um feirante, decidindo mandar ir os netos para a escola e depois o António seguiu para o seminário de Vila Real. Que o livro foi escrito para registar memórias que se podiam perder, mais, ainda, para mostrar os seus conhecimentos sobre a terra que o viu nascer e dar vida a vários personagens do dia a dia (até se viu uma cabra a voar).  O ano agrícola, com as fainas cíclicas da sementeira até o pão entrar no celeiro (o carvão, a castanha, o Inverno, os serões, as matanças, o fumeiro, a batata, o vinho, a aguardente, as segadas, as acarrejas, as malhadas, o linho, o feno e o milho). Pincela, ainda os refugiados da Guerra Civil de Espanha. As festividades e os pratos típicos, o «Romanceiro», os brinquedos, o glossário, provérbios, terminando com algumas canções populares musicadas. É um livro que se lê e relê com o mesmo entusiasmo. Os meus parabéns ao António Mosca, por nos deixar mais ricos culturalmente.

4 comentários:

  1. ..." Nestas manhãs amenas de princípio de Outono, era um bálsamo a carne entremeada da pá, curada na salgadeira e seca na cozinha, comida crua e cortada a canivete sobre uma côdea de pão. Ou os pimentos cabaçudos fritos no pingo da fritura da carne de porco. Ou uma isca de bacalhau acompanhada com salada de cebola e pimentos cabaçudos do vinagre, ainda mal curtidos. Ou um naco de presunto, ou uma rodela de linguiça ou salpicão que em casa bem governada chegavam de matança a matança. E o vinho da colheita, um palheto peculiar porque sendo mais graduado que o vinho verde, não tinha a estaleca dos maduros da Terra Quente - um verdasco.
    Este costume ancestral de levar o comer ao monte bem se compreende, atenta a economia de meios que representava: uma pessoa apenas evitava a deslocação de várias, e o ritmo do trabalho não se interrompia, senão pelo tempo suficiente para homens e animais se retemperarem.
    Justamente pelo facto de ser um costume tão corrente e insuspeito, serviu, no tempo difícil da guerra civil da vizinha Espanha, para esta gente raiana do lado de cá prestar a sua solidariedade aos nossos vizinhos em dificuldades, perseguidos pelo regime franquista ou simplesmente fugidos dos horrores da guerra.
    Contava-me a minha avó, sem sombra de vanglória, com a serenidade de quem tinha feito a coisa mais natural deste mundo, que muita da comida levada ao monte, depois dos "vermelhos" se terem refugiado nas terras da raia, não se destinava aos trabalhadores da aldeia, mas a matar a fome aos refugiados.
    Entre as mulheres dos lavradores estabeleceu-se um pacto secreto de, à vez, simularem levar a comida aos seus obreiros, deixando a canastra com os alimentos em sítio previamente combinado e recolhendo a canastra com a loiça usada no dia anterior. Heroicamente corriam o sério risco de serem interceptadas pelas autoridades portuguesas, com consequências que decerto não seriam agradáveis. Heroínas silenciosas.
    De início, por precaução, apenas um elemento do grupo, e sempre o mesmo, aparecia para combinar o ponto de entrega, no dia seguinte. Foi assim durante intermináveis meses." ... ...
    (...)

    IN QUEM ME DERA NAQUELES MONTES -DE ANTÓNIO MOSCA

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  2. Grande e maravilhoso Livro. Um tesouro! Quando o li, já há uns anos, vi logo que era um manjar para o estilo do Dr. Jorge Lage ...

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  3. Não é meu costume reagir a apreciações sobre esta minha obra, por feitio, porque me sinto constrangido ao receber elogios.
    Mas desta vez, não posso deixar de, sob pena de passar por ingrato, agradecer ao Dr. Jorge Lage todas as referências elogiosas com que, em várias circunstâncias, tem mimado o "QUEM ME DERA NAQUELES MONTES".
    E também ao Blog "tempo caminhado" que desde a data da publicação
    até hoje se lhe tem referido com apreço.
    E ainda ao José Matos que não tenho o prazer de conhecer mas me enterneceu com as palavras que lhe dedicou.
    Muito obrigado.

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  4. Sr. Doutor António Mosca, ser modesto em demasia, passa a ser vaidade ... - Grande Cartilha este livro, e o do gato também é bom ...

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